Jovens nem chegam aos 20, mas entram na política e têm esperança de mudar o país.
José,
Cynthia e Antônio sonham em mudar o Brasil
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Em
outubro acontecem novas eleições, assim como é feito a cada dois anos no Brasil
desde 1988. O ato de cidadania e dever do eleitor é cumprido também por aqueles
que ainda não são obrigados por lei a comparecer às urnas. Os adolescentes de
16 e 17 podem participam por vontade e estímulos próprios da escolha daqueles
que irão gerir e legislar os municípios, estados e o país. Na Paraíba, no
último pleito federal de 2014, essa faixa do eleitorado atingiu 55.113
votantes, o que representa 1,9% dos eleitores no estado, mas esse número tende
a crescer todos os anos e o interesse dos garotos vai além de votar. Muitos
adolescentes e jovens, desde cedo, querem participar ativamente da vida pública
e da política, ansiando muitas vezes, no futuro, estar no lugar daqueles que
hoje eles apenas podem escolher como seus representantes.
Esses
jovens acreditam no papel transformador que têm e reconhecem a função
determinante da política na vida dos brasileiros, por isso, eles buscam
conhecer o trabalho dos legisladores e gestores e querem participar, não apenas
das eleições, mas também da organização de grupos, de protestos e do debate
sobre o futuro da saúde, educação, economia e das transformações sociais do
país.
O
interesse pela política surge da motivação de transformar a sociedade, de
acompanhar as eleições que acontecem em suas cidades ou apenas da necessidade
de discutir assuntos importantes para a democracia, como conta a estudante de
16 anos Cinthya Casado, que desde cedo descobriu sua vocação para a política.
“Sempre gostei de formar opiniões sobre diversos temas polêmicos. No meu último
ano do Ensino Médio quando fui convidada para fazer parte do grêmio estudantil
da minha escola, não perdi tempo e aceitei imediatamente o convite. A partir
daí passei a pesquisar mais sobre a atuação dos jovens na sociedade, qual de
fato é o nosso papel e sobre nossa atuação como cidadãos. A fascinação com a
atuação dos jovens durante a história política no nosso país foi o que me
motivou a ser mais interessada sobre esse assunto”.
Cinthya
participou em 2015 do Parlamento Jovem Brasileiro, programa anual promovido
pela Câmara dos Deputados, que dá a oportunidade a jovens, entre 16 e 22 anos
de escolas públicas ou particulares, de vivenciarem por cinco dias a jornada de
trabalho dos deputados federais. Para ela, que detém o mandato de deputada
jovem da Paraíba por um ano, a experiência foi única. “A nossa jornada em
Brasília foi uma loucura. Trabalhamos literalmente. Divididos em quatro
comissões, analisamos e votamos os projetos. Participamos de palestras,
consultorias sobre constitucionalidade e adequação financeira. Ter a
oportunidade de conhecer de dentro a administração do país foi um momento
único”, explica entusiasmada.
Crise traz jovens à discussão
A
crise institucional e econômica instalada no país acendeu o protagonismo da
juventude em grandes mobilizações que tomaram as ruas de diversas cidades do
Brasil, inclusive, João Pessoa e Campina Grande, desde de 2013, quando em São
Paulo um grupo de jovens inconformados com o aumento da passagem do transporte
coletivo ocuparam, em protesto, a Avenida Paulista e outras ruas importantes do
centro econômico do país.
Trabalhando
na Rede Margarida Pró-Criança e Adolescentes, que promove o incentivo da
protagonismo infantil e juvenil até adolescência, Rose Veloso, relata que as
crianças e adolescentes já despertam para a política e sabem que podem e devem
cobrar dos representantes eleitos. “Os políticos são servidores públicos em
defesa do bem comum. Já se perdeu o mito de que eles estão inacessíveis do
controle social. Então, o que percebemos é uma geração mais atenta, que cobra o
cumprimento dos serviços públicos. Há uma mudança de reflexão de algo que
parecia distante, mas eles já descobriram que podem reivindicar. Eles buscam
saber o que podem fazer e a quem reclamar”.
Os
jovens discordam da forma de governar, da economia, da mídia e vão à luta para
serem escutados, sempre na esperança de ajudar a sociedade. “Nosso país está
passando por maus bocados, crise política, mídia tendenciosa e discurso de
ódio. Esses três aspectos se encontram de forma expressiva e que precisam ser
modificados, mas como?”, questiona o universitário José Oliveira de apenas 19
anos.
Ele
mesmo dá a resposta para sua indagação, enxergando os obstáculos que serão
encontrados pela frente para que haja uma verdadeira transformação na
democracia brasileira, mas sem perder a esperança. “Esperar políticos melhores
em um ambiente tomado pelo poder do capital dos empresários é muito difícil,
mas a luta dos brasileiros está se fortalecendo, com universidades e escolas
comprometidas a desenvolver projetos para discussão, debate e pesquisa
científica acerca de problemas políticos são válidos e isso irá se refletir
para um futuro melhor, um futuro com brasileiros comprometidos para lutar pela
mudança”, acredita.
Hoje,
cursando Direito no Centro Universitário de João Pessoa (Unipê), José Oliveira,
também participou do programa Parlamento Jovem Brasileiro. Para ele, a
corrupção inverte os valores dos cidadãos e já se instalou no comportamento
social dos brasileiros como “erva daninha”. “É notório aspectos pequenos de
corrupção serem tratados como normais, em momentos onde nós, eu e você,
pensamos que não estamos privando ninguém de um direito, mas estamos. Isso se
reflete na política de forma alarmante, onde temos os nossos representantes
confundindo o público com o privado, não sabendo separar o que realmente é seu
e o que não é”, reflete.
A
mesma linha de raciocínio é seguida pelo estudante Antônio Júnior, de 16 anos.
Para ele, os políticos corruptores devem ser punidos legal e moralmente, mas os
pequenos atos desonestos cometidos por pessoas comuns, como o exemplo simples
de tentar conseguir vantagens em um emprego por ser amigo ou parente do dono da
empresa, também não podem passar em branco e ser considerados “normais”. “Não
devemos culpar apenas os políticos, eles estão errados por roubar o dinheiro
público, mas nós também somos corruptos e, se quisermos que eles não sejam,
também devemos ser corretos e não cometer pequenos atos ilícitos, como furar
filas. Se o povo faz esses pequenos atos ilícitos os políticos serão
consequência disso”, afirma Antônio, completando que a educação é a solução
para o combate à corrupção.
Esperança dos jovens
Nem
a crise a econômica, nem o mar de escândalos de corrupção envolvendo políticos,
a exemplo do mais recente deflagrado pela Polícia Federal, como a operação
‘Lava Jato’, – que trazem provas que levaram à prisão, por exemplo, do
tesoureiro do PT, João Vaccari Neto – fazem com que esses jovens percam a
esperança de encontrar alternativas para solucionar os problemas do sistema
político e institucional do Brasil.
“Estamos
em um tempo em que não podemos e nem conseguimos confiar nos que se dizem ser
políticos em nosso país. Mesmo alguns dos que se dizem honestos caem no
terrível lema do ‘muito se fala e pouco se faz’. Muitos não têm uma perspectiva
de mudança no cenário político brasileiro. Eu, ao contrário de muitos, acredito
sim que haverá uma mudança, e que ela virá acompanhada dos jovens. Nós que
temos uma sede enorme de progresso, justiça, igualdade e democracia”, diz
Cinthya com confiança.
A
coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias da Criança e do
Adolescente do Ministério Público, promotora Soraya Escorel, entende como
positivo o engajamento dos jovens na política, que, mesmo com pouca experiência
de vida, já demonstram grande maturidade a respeito dos direitos e deveres de
todos. Para ela, a esperança sem medidas não faz dos jovens iludidos, mas sim,
planta neles um sentimento que serve como combustível para trabalhar por
melhorias.
“Eu
acredito muito nas pessoas que se interessam pela vida com um todo. Por mais
jovens que sejam, eles querem se aperfeiçoar naquilo que envolve a política,
conhecer as dificuldades públicas, conhecer caminhos para modificar os
problemas sociais. Existem sonhos nesses jovens a serem realizados. Decepções
eles vão ter, como nós todos temos, mas a vontade deles por mudanças com
certeza vai fazer a diferença”, opina.
Nesse
contexto, Antônio pede o engajamento dos jovens como agentes transformadores.
“Eu espero que mais cidadãos venham participar cada vez mais da nossa política.
Exercer a cidadania não é apenas votar, mas participar, buscando fiscalizar o
seu representante, participar de programas que incentivem a política, de
protestos e até você conversar com amigos e familiares sobre a política do
país; isso é exercer cidadania, é ser brasileiro”, dá a receita.
Por dentro do Congresso Nacional
Antônio
Júnior conta que desde de novo é interessado pela política e no ano passado,
assim como, Cinthya Casado e José Oliveira, teve a experiência no Legislativo,
mas em outro programa promovido pelo Congresso Nacional. Ele participou do
Jovem Senador, um projeto anual do Senado Federal, que proporciona aos
estudantes de até 19 anos, do ensino médio das escolas públicas estaduais e do
Distrito Federal, conhecimento sobre a estrutura e do funcionamento do Poder
Legislativo no Brasil.
O
estudante do terceiro ano do Ensino Médio da Escola Estadual Professor José
Soares de Carvalho, em Guarabira, descreve como os seis dias no Senado
enriqueceram o conhecimento sobre a política e como ele passou a valorizar mais
o trabalho dos parlamentares. “Foi uma experiência importante, pois podemos
presenciar como é a vida do legislador. Conhecemos mais como os senadores e
deputados trabalham. Muitas vezes dizemos que eles não fazem nada, mas é puxado,
a gente acha que não faz muita coisa, mas muitas vezes não conhecemos a
atividade do legislador, não buscamos informações”, pontua.
Nas
atividades no Parlamento, ele conheceu de perto como funciona o trâmite para
que um projeto de lei seja aprovado. Antônio conta que foram formadas três
comissões e cada uma ficou com nove senadores jovens. Ele foi integrante da dos
Direitos Humanos e Constitucionais. O projeto apresentado por ele determina a
disponibilização pela Justiça Eleitoral para estar nos locais de votação para
coleta de assinaturas de projetos de lei de iniciativa popular. “Atualmente
para tramitar no Congresso Nacional, um projeto de iniciativa popular precisa
de mais de um milhão de assinaturas de moradores de pelo menos cinco estados.
Nossa intenção é facilitar o trâmite e no dia em que o eleitor for dar seu
voto, ele também possa ter a opção de conhecer esses projetos e, se concordar,
assinar lá mesmo”, explica.
No
Parlamento Jovem, José Oliveira, explana que, além da troca de conhecimento
sobre política e cultura com pessoas de todo o país, ele pôde “ter a
oportunidade de ser protagonista de todo o processo” democrático. Como o jovem
mesmo esclarece, para participar do programa é necessário preparar um projeto
de lei. “A experiência é marcante e transformadora; a visão do processo
político é totalmente modificada e mais límpida para o leigo no assunto. Nos
faz analisar e cobrar de políticos em momentos de deslize, pois temos
conhecimento não só teórico, mas prático do processo”.
Já
pensando como gente grande, Cinthya Casado dá detalhes de como foi o processo
para participar no Parlamento Jovem: “Eu tive que escrever um projeto de lei. O
meu dispõe sobre a prorrogação do tempo de licença maternidade para casos de
gestação de múltiplos. Os projetos são submetidos a duas etapas, nas quais, no
caso da Paraíba, primeiramente oito são pré-selecionados e finalmente apenas
dois são classificados”.
Os
programas no Congresso credibilizam o trabalho dos jovens e dão a eles voz com
poder de atuação. Sem descartar tudo o que foi produzido, os projetos de leis
apresentados pelos jovens parlamentares, por vezes, chegam aos deputados e
senadores como é o caso do PLS 586/2015, que trata sobre uma nova alternativa
para o ingresso em universidades federais, que inclui no processo de seleção as
notas obtidas pelos estudantes durante o ensino médio A proposta começou a ser
analisada no Senado no início de janeiro e partiu de estudantes que integraram
o programa Jovem Senador.
Além do discurso
Esses
jovens não querem ficar apenas no discurso, mas sim, partir para ação. Eles
pretendem, no futuro, colocar em prática as mudanças que tanto almejam e, para
isso, entrarão, quando permitido por lei, de acordo com a idade, no processo de
disputa eleitoral em busca de um mandato eletivo.
A
experiência no Senado Federal para Antônio foi tão satisfatória, que ele não
esconde o desejo de conquistar no voto o direito de ocupar a cadeira de senador
por oito anos. “Antes mesmo do programa Jovem Senador eu já tinha vontade de
disputar uma eleição. Era um objetivo, agora que eu vi como é fantástico, eu
quero ter a chance de me tornar senador”.
Cinthya,
que antes não tinha interesse em desempenhar um papel de legisladora ou
gestora, conta que mudou de ideia após participar do Parlamento Jovem e pontua
os motivos. “Eu tinha outros planos para minha vida; hoje, posso dizer que há
uma possibilidade. Eu quero poder contribuir para o progresso da nossa nação,
eu quero poder fazer parte da história política brasileira e assim contribuindo
positivamente nas principais decisões desse país”.
José
define um mandato eletivo como um período de entrega total do indivíduo,
chegando a ser considerado por ele como um dom, pois segundo o jovem, o
político se abstêm da vida privada para servir à população. Apesar disso, ele
que participa do movimento social Levante Popular da Juventude, ainda se mostra
receoso com o atual sistema político do país, mas também não descarta o
desafio, quando questionado, de entrar para vida pública. “Não no atual sistema
político, mas já pensei a respeito”.
A
promotora Soraya Escorel vê um movimento contínuo de preocupação dos jovens com
os problemas da sociedade e sede de solucioná-los. Por isso, ela afirma que a
vocação é diferencial para se tornar um bom político. “Quanto mais esses jovens
amadurecem, mais eles querem se aperfeiçoar. Tem pessoas que deixam se
contaminar facilmente, mas existem aqueles que realmente têm vocação para a
política e vão fazer a diferença. Eles têm sonhos, vão atrás, mesmo sendo muito
jovens são cidadãos honrados e querem construir uma história transformadora na
política”, finaliza.
CORREIO
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