Desertificação ameaça 94% das terras na Paraíba e é irreversível, diz Insa.
Além da seca, que já vem
afligindo os paraibanos há cinco anos, outro problema ameaça o solo e a vegetação
do estado. Só que, desta vez, o processo é irreversível. A Paraíba é o estado
brasileiro mais afetado, proporcionalmente, pela desertificação - processo de
degradação ambiental que torna as terras inférteis e improdutivas - segundo
dados do Instituto Nacional do Semiárido (Insa). Ela é uma consequência das
ações humanas e não pode ser revertida - nem com chuva -, apenas desacelerada.
O G1 mostra,
em uma série de reportagens, uma pequena amostra da realidade vivida na região
- e as muitas saídas que encontra para conseguir sobreviver. Confira
aqui as histórias, contadas em cada um dos nove estados do Nordeste brasileiro.
De acordo com a
classificação do Programa de Ação Estadual de Combate à Desertificação e
Mitigação dos Efeitos da Seca no Estado da Paraíba (PAE-PB), 93,7% do
território do estado está em processo de desertificação, sendo que 58% em nível
alto de degradação.
“A desertificação é um
processo cumulativo de degradação ambiental, que afeta as condições econômicas
e sociais de uma região ou país, que ao mesmo tempo em que reduz continuamente
a superfície das terras agricultiváveis, faz com que a população desses locais
ocupe novos territórios, em busca da sobrevivência”, explica o professor da
Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do Laboratório de
Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), Humberto Barbosa.
O desmatamento da caatinga
muitas vezes é feito por pessoas que nem entendem a gravidade da situação. Na
casa da agricultora Maria Ana, na zona rural de Santa Cruz, no Sertão
paraibano, por exemplo, ainda se usa a madeira da caatinga para o fogão à
lenha.
Apesar de também ter um
fogão à gás, a idosa prefere manter o equipamento mais antigo em casa. "Eu
já estou acostumada, eu acho que [o fogão à lenha] é mais rápido. Eu uso os
dois, mas mais esse porque já fui criada nisso mesmo”, justificou.
Quem faz o corte da
madeira para abastecer o fogão de Maria Ana é o agricultor Bianor Alves Júnior.
Ele explica que corta espécies de angico, catingueira e jurema. “[Corta]
inteira. Aí depois tira os galhos e leva a madeira”, relata. “Aprendi com meu
pai. Já há muitos anos”.
O mestre em engenharia
agrícola explica que há uma alternativa para continuar usando o fogão à lenha
sem desmatar a caatinga. “O correto seria que aquele produtor ou aquele
agricultor que ainda utiliza fogo à lenha que ele coletasse aquelas árvores já
mortas na mata e caídas, não que cortasse as árvores”, recomenda.
Os núcleos de
desertificação do Semiárido brasileiro compreendem uma área 68.500 km² em cinco
estados: Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Piauí. Esse locais
já atingiram níveis de degradação tão altos que são comparados aos desertos -
ecossistemas naturais característicos de zonas áridas.
Dos 59 municípios que
estão nesse perímetro, conforme a classificação do Ministério do Meio Ambiente,
28 são da Paraíba, localizados no núcleo do Seridó.
Outra área em situação
crítica do estado são os Cariris. Segundo Humberto Barbosa, outros 29
municípios da Paraíba estão em Áreas Susceptíveis à Desertificação (ASD), sendo
12 no Cariri Oriental e 17 no Cariri Ocidental.
Os pesquisadores do Lapis
também perceberam que, desde 2010, a seca tem contribuído para a expansão das
Áreas Susceptíveis à Desertificação. De acordo com os números levantados por
equipes do laboratório, áreas de entorno estão aumentando nos últimos anos.
“Com elas, pode-se atingir um salto significativo nas áreas classificadas como
degradação muito forte e forte nos próximos anos”, comenta Barbosa.
Saúde de rios e açudes
Além do solo, a
desertificação ainda pode afetar a capacidade de rios e açudes, segundo o
coordenador do Lapis. Barbosa explica que, com o desmatamento da mata ciliar, a
camada infértil do solo é retirada e acaba sendo depositada nas áreas com água.
“Porque as áreas do
entorno estão sendo desmatadas, o depósito de areia no Rio São Francisco tem
diminuído a vazão dele em alguns pontos. Então a desertificação pode afetar a
saúde do rio. Há uma relação direta. Isso leva tempo, não vai ser breve, mas já
vem acontecendo. O depósito de areia no açude de Boqueirão também é muito
grande e diminui a capacidade volumétrica do açude. ”, diz.
Processo de desertificação
O processo de
desertificação é lento e tem início com o desmatamento de uma área, conforme
explica o professor Humberto Barbosa. Esse espaço desmatado é abandonado ou
ocupado com pastos e pecuária extensiva. Com isso, o solo fica mais exposto ao
sol, água e vento devido à extração da floresta e a substituição por uma
vegetação rasteira frequentemente manipulada de forma inadequada.
Como consequência, o solo
fica mais fragilizado aos agentes erosivos e perde sua capacidade de absorção
de água e nutrientes, desencadeando um maior escoamento superficial. Assim, são
levadas grandes quantidades de solo, causando assoreamento dos rios e açudes e,
finalmente, o solo chega aos oceanos. “De lá fica difícil trazê-lo de volta”,
explica Humberto Barbosa.
A última etapa é a perda
da fertilidade e da capacidade produtiva do solo. A partir daí, a terra deixa
de produzir alimentos, a atmosfera se desidrata e se aquece, dificultando as
chuvas, as reservas de água das profundidades do solo diminuem, as fontes se
estancam e os rios se tornam intermitentes.
“Em seguida, a renda
familiar e disponibilidade de alimentos acabam. Sem renda e alimentos, ocorre
uma deterioração das condições sociais dos locais afetados. Há insegurança
alimentar e saúde mais vulnerável. Há empobrecimento material e espiritual da
família. Logo, o homem foge. Quando isto acontece, há uma degradação social nas
áreas afetadas”, descreve o professor.
Combate
Para combater o processo
de desertificação, o professor Humberto Barbosa cita duas ações que podem ser
úteis: a criação de áreas de conservação da caatinga e a bioprospecção - que a
exploração dos recursos genéticos e bioquímicos das espécies, principalmente
pela indústria farmacêutica. “A caatinga tem uma biodiversidade que permite a
extração de fármacos, para gerar produtos. E isso é um valor agregado à
floresta. Políticas públicas de conservação da caatinga podem incentivar o
turismo, gerar empresas, atrair pesquisas”, argumenta.
A assessoria de imprensa
do Ministério do Meio Ambiente (MMA) informou que a Secretaria de Extrativismo
e Desenvolvimento Rural Sustentável, por meio do Departamento de
Desenvolvimento Rural Sustentável e Combate à Desertificação (DRSD), vem
desenvolvendo uma série de ações no sentido da implementação da Política
Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca.
Uma delas é o
desenvolvimento do Sistema de Alerta Precoce contra Seca e Desertificação
(SAP). A partir deste sistema, vão ser divulgadas informações atualizadas sobre
as áreas susceptíveis e afetadas pelo processo de desertificação e, com isso,
vai permitir o monitoramento das ações de combate à desertificação no país,
identificando lacunas e orientando as ações de combate à desertificação.
O DRSD ainda vem apoiando
um conjunto de ações de capacitação e implementação de boas práticas para
conservação e recuperação do solo, água e biodiversidade, promovendo o combate
aos vetores da desertificação e gerando trabalho e renda. A principal estratégia
para o combate à desertificação do MMA, no entanto, é a implantação de Unidades
de Recuperação de Áreas Degradadas (URAD). Estas unidades têm com unidade de
trabalho as microbacias hidrográficas e conjugam ações ambientais, sociais e
produtivas, com o envolvimento direto das comunidades e prefeituras. Para
instalar estas unidades a equipe do DRSD está selecionando áreas e captando
recursos financeiros de diversas fontes.
Por último, a elaboração
do Decreto de Regulamentação da Lei 13.153/15, com o objetivo de criar
condições que favoreçam a implementação da Convenção de Combate à
Desertificação, criando mecanismos de informação, financiamento, envolvimento
da sociedade e monitoramento.
G1
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