Governo federal quer mudar modelo de atendimento básico de saúde no País.
O Ministério da Saúde
apresentou nesta quinta-feira, 10, as novas propostas para a Política Nacional
de Atenção Básica (Pnab). Entre as alterações relacionadas à gestão estão a
possibilidade de financiamento de outros modelos de atenção básica, além da
Estratégia de Saúde da Família (ESF), e a unificação das funções dos agentes
comunitários e de combate às endemias. Há ainda mudanças no acesso às Unidades
Básicas de Saúde (UBSs) e implementação obrigatória do prontuário eletrônico.
Segundo o ministério, ao
possibilitar o financiamento de outros modelos de atenção básica, será possível
aumentar o número de equipes assistidas pelos Núcleos de Apoio à Família
(Nasf). Atualmente, apenas equipes da Estratégia de Saúde da Família recebem
suporte.
Outra alteração é que, pela
nova Pnab, cada UBS teria autonomia para compor as equipes como julgar
necessário. Hoje, elas são formadas por, no mínimo, um médico generalista ou
especialista em Saúde da Família, um enfermeiro, um auxiliar ou técnico de
enfermagem e agentes comunitários de saúde. Dentistas podem integrar o grupo.
O governo também quer que a
UBS passe a receber a indicação de um gerente, que não precisaria ser da área
de saúde - hoje há muitos enfermeiros com a incumbência. E aposta na integração
da atenção básica com outras áreas, como a vigilância em saúde. Com isso, o
Agente de Combate à Endemia poderia compor as equipes com Agentes Comunitários
de Saúde. Dessa forma, haveria a unificação do agente comunitário com o de
combate às endemias.
“O que estamos fazendo é
adequar o Pnab à realidade do País”, afirmou nesta quinta o ministro da Saúde,
Ricardo Barros. De acordo com ele, as propostas devem começar a ser
implementadas no fim deste mês - os municípios têm autonomia para aderir ou não
às mudanças.
As medidas foram criticadas
por especialistas e entidades ligadas à saúde pública. A Associação Brasileira
de Saúde Coletiva (Abrasco), o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e
a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz) lançaram notas oficiais
contra as propostas. “O texto repete várias vezes que a Saúde da Família é
estratégica, mas rompe com essa suposta prioridade ao estabelecer que usará
verbas específicas para financiar outras formas de atenção básica”, afirma a
pesquisadora Ligia Giovanella, da Ensp-Fiocruz.
Para as instituições, ao
permitir que o gestor municipal flexibilize equipes de atenção básica, a
revisão da Pnab revoga a prioridade do modelo assistencial de Saúde da Família.
Segundo Lígia, a mudança poderá minar um dos aspectos que tornou a ESF uma
“iniciativa exemplar”, reconhecida internacionalmente. “Hoje, os profissionais
das equipes trabalham em tempo integral, e isso é uma característica
fundamental para estabelecer o vínculo com os pacientes de cada comunidade. Na
nova conformação, qualquer grupo de profissionais, independentemente da carga
horária, será considerado de atenção básica - e drenará os recursos.”
Defesa. O ministro da Saúde
saiu em defesa das propostas. “Há uma desinformação muito grande. Alguns setores
alegam prejuízos que não existem com a nova Pnab”, afirmou Barros. De acordo
com ele, a flexibilização da atuação das equipes de Saúde da Família vai
“facilitar o trabalho e as ações desempenhadas pelos profissionais”.
O diretor do Departamento de
Atenção Básica do ministério, Alan Nunes, disse que não haverá retirada de
investimento da área de Saúde da Família. “Reconhecemos que é preciso haver
investimentos em outros modelos de organização. Estamos ampliando as
possibilidades de reconhecimento, sem prejuízo ao orçamento já destinado à
saúde da família.”
O epidemiologista Luiz
Augusto Facchini, ex-presidente da Abrasco e coordenador da Rede de Pesquisas
em Atenção Primária em Saúde, observa que o sistema atual “dá cobertura a 60%
da população e é preciso de fato expandi-lo”. “É razoável fazer alterações na
Pnab para incluir no Saúde da Família a população hoje atendida por unidades
tradicionais. Mas, quando se faz uma mudança nas políticas de saúde, é preciso
assegurar recursos para isso. O ministro não deixou isso claro.”
Financiamento. Hoje, para
financiar a atenção básica, o governo federal transfere aos municípios o Piso
de Atenção Básica (PAB), que é proporcional à população - cerca de R$ 24 por
habitante por ano. Além do PAB fixo, os municípios recebem recursos extras se
adotarem equipes de Saúde da Família - o PAB variável, a partir de R$ 7 mil por
equipe. “O PAB fixo é muito baixo. O governo deveria aumentá-lo para apoiar
investimentos na rede básica de saúde e articular o Saúde da Família com as
unidades tradicionais. Do jeito que está sendo feito, a revisão vai tirar
dinheiro da área, promovendo iniquidades”, defendeu Facchini.
Mudanças incluem processo
eletrônico e acesso total a UBSs
Outro ponto previsto na nova
Política Nacional de Atenção Básica (Pnab) é a obrigatoriedade do uso do
prontuário eletrônico. O ministério pretende implementá-lo em todas as Unidades
Básicas de Saúde (UBS) do País até o fim de 2018 - como havia adiantado
recentemente o ministro Ricardo Barros. Atualmente, 37,5% usam a ferramenta.
Segundo o ministro, a
expectativa é de que a informatização ajude a reduzir as filas das unidades de
saúde, pois o cidadão poderá acompanhar a marcação de consultas pelo
prontuário. Pelas diretrizes da nova Pnab, os dados do paciente serão
cadastrados na hora, o que diminuiria o risco de perdas de fichas e atraso no
lançamento de informações.
A proposta também prevê que
todas as Unidades Básicas de Saúde passem a oferecer um conjunto de serviços
indicados como essenciais, como pré-natal e aplicação de vacinas. Embora isso
não seja obrigatório, o objetivo da pasta é que a especificação dos serviços na
Pnab contribua para que ações básicas possam ser reivindicadas nas unidades.
Além disso, passará a ser
permitido ao usuário ser atendido em mais de uma UBS, e não apenas na que
estiver mais perto de sua casa. Com a mudança, o paciente poderá escolher ser
atendido perto do local de trabalho, por exemplo, ou em outra localidade.
Produtividade. De acordo com
dados divulgados nesta quinta pelo Ministério da Saúde, a produção registrada
por médicos da atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS) foi 43,8% menor
do que o previsto pela pasta em 2016. A média mensal de consultas por médico
foi de 168, enquanto o esperado era de 384 por mês.
No total, os cerca de 68 mil
médicos em atuação na área de atenção básica do País registraram 125,7 milhões
de consultas no Sistema Único de Saúde (SUS) no ano passado. Para o Ministério
da Saúde, o descumprimento da carga horária é um dos principais motivos para a
baixa produtividade dos médicos.
Estadão
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