Decisão do STF sobre ensino religioso pode desorganizar gestão das escolas.
A decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) de autorizar o ensino religioso de natureza confessional
nas escolas públicas pode aumentar o número de escolas que oferecem aulas de
religião destinadas a uma crença específica e desorganizar a gestão das
escolas, segundo especialistas ouvidos pela Agência Brasil.
De acordo com o questionário
da Prova Brasil de 2015, respondido pelos diretores das escolas brasileiras,
cerca de 3% das escolas aplicam o modelo confessional. “É difícil dizer se esta
decisão causará aumento das aulas confessionais, mas é razoável esperar que
sim, já que houve comemoração por parte de grupos de interesse após a decisão”,
diz o diretor de Políticas Públicas do movimento Todos Pela Educação, Olavo
Nogueira.
Nesse mesmo questionário,
37% dos diretores indicam que aulas de religião são obrigatórias em sua escola
e 55% apontam que não há outra atividade prevista para os alunos que optam por
não participar das aulas de religião, que são facultativas. “Então é plausível
inferir que o risco de aprofundar uma perigosa relação entre a escola e grupos
religiosos existe”, avalia Nogueira.
O coordenador-geral do Fórum
Nacional Permanente de Ensino Religioso (Fonaper), Elcio Cecchetti, diz que a
decisão do STF vai gerar um caos na organização interna das escolas e
dificultar os processos pedagógicos. “Isso pressupõe contratar vários professores
de vários credos, alocar diferentes espaços nas escolas, que já não há
suficiente”, diz.
Para Cecchetti, a decisão é
um retrocesso e coloca em cheque todo o esforço realizado nos últimos anos na
busca de uma escola que promovesse o diálogo entre crenças e opiniões
divergentes. “Não cabe mais, no contexto atual, da diversidade de crenças que
nós temos na sociedade e de avanço na consolidação de uma escola laica plural e
inclusiva, legitimar agora o ensino doutrinário ou de uma perspectiva religiosa
exclusivista”.
Na última quarta-feira (27),
o STF julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade na qual a
Procuradoria-Geral da República pedia para estabelecer que o ensino religioso
nas escolas públicas não fosse vinculado a uma religião específica e que fosse
proibida a admissão de professores na qualidade de representantes das
confissões religiosas. Por maioria dos votos (6 x 5), os ministros entenderam
que o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras pode ter natureza
confessional, ou seja, vinculado às diversas religiões.
Segundo a decisão, o ensino
religioso nas escolas públicas deve ser estritamente facultativo, sendo
ofertado dentro do horário normal de aula. Fica autorizada também a contratação
de representantes de religiões para ministrar as aulas. O julgamento não tratou
do ensino religioso em escolas particulares, que fica a critério de cada
instituição.
Diretrizes
A Constituição Federal
determina que a oferta do ensino religioso deve ser obrigatória nas escolas da
rede pública de ensino fundamental, com matrícula facultativa – ou seja, cabe
aos pais decidir se os filhos vão frequentar as aulas. Apesar da
obrigatoriedade, ainda não há uma diretriz curricular para todo o país que
estabeleça o conteúdo a ser ensinado. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), de 1996, definiu que cada estado deve criar normas para a
oferta da disciplina, o que abriu espaço para uma variedade de modelos adotados
em cada rede de ensino.
De acordo com Cecchetti,
atualmente existem muitos tipos de ensino religioso nas escolas públicas, e
muitos estados e municípios já construíram propostas pedagógicas e
normatizações para que o ensino religioso fosse não confessional, promovendo a
diversidade religiosa. Mas, segundo ele, há casos em que a normatização é
contraditória, prevendo o confessional em alguns casos e em outros casos não
oferecendo nenhum tipo de ensino religioso.
“A ausência de diretrizes
curriculares fez com que se proliferasse no país uma babel de concepções,
entendimentos e regulamentações, que vai de um polo ao outro. Agora, a decisão
do STF acaba colocando mais um ingrediente contraditório, ao entender que é
possível a oferta de ensinos religiosos”, diz.
Católicos
e evangélicos
O secretário-geral da
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Leonardo Steiner, disse
que a entidade poderá oferecer sugestões para organizar o ensino confessional
nas escolas públicas, e está também à disposição para o diálogo com o Conselho
Nacional de Educação.
Na sessão do STF que julgou
a questão, o advogado Fernando Neves, representante da CNBB, defendeu a
obrigatoriedade do ensino religioso por estar previsto na Constituição, e disse
que o poder público não pode impedir o cidadão de ter a opção de aprofundar os
conceitos sobre sua fé. “O ensino religioso não é catequese, não é
proselitismo. É aprofundamento daquele que já escolheu aquela fé, por si ou por
sua família. Os alunos são livres para frequentar”.
Já o secretário-executivo da
Confederação das Igrejas Evangélicas Apostólicas do Brasil, Bispo Carlos Viana,
acredita que a escola não deve ser local para a prática religiosa. “Acho que a
escola não é um ambiente que se ensine a parte religiosa da pessoa, a escola
tem outros tipos de responsabilidades. Até porque o nosso país nos dá total
liberdade para praticar qualquer religião. Não acho que o ambiente da escola
deve ser obrigado ou ter autorização para isso”.
Ele teme que as escolas
priorizem algumas religiões em detrimento de outras, e que os alunos acabem
sendo constrangidos por causa de sua crença.
Em 2011, a Agência Brasil
publicou uma série de matérias retratando o desafio das escolas brasileiras de
oferecer um ensino religioso que respeite as diversas crenças. O especial
Escolas de Fé: a Religião na Sala de Aula foi vencedor do Prêmio Andifes de
Jornalismo 2012, na categoria educação básica.
Agência Brasil
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