Mais Médicos: cubanos entram na Justiça por salário integral e direito de ficar no país.
De acordo com informações do
Ministério da Saúde, pelo menos 154 ações são movidas na Justiça por 194
médicos de Cuba que vieram ao Brasil pelo programa Mais Médicos, e agora pedem
para permanecer aqui e receber o valor integral do salário que, pela acordo
estabelecido no programa, era transferido ao governo de seu país natal e
repassado apenas parcialmente aos profissionais.
As ações na Justiça são
contra a Organização Panamericana de Saúde (Opas), intermediária do convênio, a
União Federal e/ou o governo de Cuba.
O advogado André Santana
Correa, que com dois sócios representa parte dos médicos em ações na Justiça
Federal do Distrito Federal, diz que os cubanos alegam falta de igualdade de
condições em relação aos brasileiros e estrangeiros, como os argentinos, ao não
conseguir renovar por mais três anos a participação no programa.
O G1 teve acesso a dois
processos em que o juiz decide a favor dos médicos, exigindo o restabelecimento
no Mais Médicos e a continuidade do visto no Brasil.
O Ministério da Saúde
informa que parte dos médicos cubanos consegue renovação, mas que isso fica a
critério do governo de Cuba. Afirma ainda que os "profissionais [de Cuba]
mantêm o vínculo de trabalho com seu país de origem. Assim, os médicos cubanos,
pela cooperação, estão em missão no país -- diferente dos demais participantes
que entraram no programa por meio de uma seleção via edital, e cujo vínculo é
direto com o Ministério da Saúde do Brasil".
No acordo que trouxe os
cubanos ao Brasil, ficou estabelecido que o governo brasileiro deve pagar os
salários deles à Opas, que então os repassa ao governo de Cuba, que é
responsável pelo contrato com os médicos.
Essa forma de pagamento é
alvo de outro pedido nos processos movidos pelos cubanos. Eles querem o recebimento
do valor cheio pago pelo governo brasileiro. Desde o início do programa, o
Ministério da Saúde transfere à Opas o valor de R$ 10.570, reajustado neste ano
para R$ 11.520. Os profissionais cubanos então recebem cerca de R$ 3 mil do
valor -- o resto fica com o governo do próprio país.
O critério de isonomia
(igualdade de condições), de acordo com as ações, não é respeitado neste caso,
já que os médicos estrangeiros de outras nacionalidades, sem estarem no acordo
de cooperação, recebem o valor integral. O Ministério da Saúde afirma que isso
é uma interlocução dos cubanos com o governo de seu país (veja mais abaixo).
Refugiado
Alioski Ramirez Reyes, de 36
anos, trabalhou com o Programa Mais Médicos na cidade de Valparaíso de Goiás,
cerca de 40 km do Brasília, e conta que foi desligado pelo governo de Cuba em
março deste ano. Ele conta que entrará em uma ação coletiva com outros colegas
para trabalhar no Brasil.
“Um grupo numeroso de
cubanos decidiu ficar no Brasil. Decidimos sair da exploração que a gente
estava submetido. Então, o governo cubano entrou em desespero e, junto com o
governo brasileiro, criou medidas”, disse.
Reyes diz que os governos
não deixaram os cubanos entrar nos editais para fazer a renovação do contrato,
inclusive nos casos em que os médicos eram casados com brasileiros. Em
processos na Justiça, o G1 verificou que alguns cubanos argumentam que não
tiveram a oportunidade de solicitar a renovação do contrato no site do
Ministério da Saúde.
O médico cubano diz que,
devido às liminares no Judiciário brasileiro, o governo de seu país pediu ao
Ministério da Saúde do Brasil para que os médicos envolvidos em processos não
fossem recebidos em outros tipos de contrato.
Reyes diz que foi acusado
"de forma agressiva" pela coordenadores cubanos do programa a quem
respondia. Ele afirma também que chegou a receber um documento do Ministério da
Saúde dizendo que havia abandonado o posto de trabalho.
Sem querer voltar ao país de
origem, entrou com o pedido na Polícia Federal para virar um refugiado, encaminhado
ao Ministério da Justiça. Ele usa um documento provisório até a saída da
decisão.
"Isso aconteceu em
abril, e eu trabalhei até o mês de junho sem receber a bolsa formação, só com a
ajuda do município. Não conseguia mais entrar no sistema de gerenciamento do
Mais Médicos. Eu fiquei refugiado político no Brasil, sem endereço, depois de
três anos de trabalho".
Em missão
O Ministério da Saúde
explica que os profissionais cubanos, por terem o vínculo de trabalho com seu
país de origem, ao sair do programa, se não tiverem outro vínculo com o Brasil,
como cônjuge brasileiro, por exemplo, têm de sair do país.
"Sobre os valores
pagos, essa é uma interlocução entre os profissionais e o governo de Cuba. Além
de os médicos cubanos continuarem recebendo o salário mensal em Cuba pelo fato
de estarem em missão internacional, eles recebem também uma bolsa complementar
no Brasil e os auxílios moradia e alimentação das prefeituras, os mesmos
benefícios que recebem os outros médicos que participam do programa",
explicou o ministério.
A Opas informou ao G1 que os
médicos cubanos são funcionários do Ministério da Saúde de Cuba. A organização,
braço da Organização Mundial da Saúde no Brasil e nas Américas, diz que
"tem conhecimento de que eles mantêm todos seus direitos e benefícios
sociais que as leis cubanas garantem, incluindo salário, benefícios sociais,
entre outras coisas." Além disso, afirma que todos os recursos que recebem
para pagar a bolsa dos médicos é totalmente enviado ao país dos médicos.
O G1 entrou em contato com a
embaixada de Cuba no Brasil por e-mail e por telefone, mas não obteve resposta
até a publicação desta reportagem.
Mudança de perfil
O Programa Mais Médicos,
criado em 2013, ainda na presidência de Dilma Rousseff, está mudando o perfil
de seus profissionais: o governo de Michel Temer quer substituir os cubanos da
cooperação com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) por brasileiros.
O número de médicos
brasileiros aumentou 44% em menos de um ano, de acordo com o Ministério da
Saúde. Na última terça-feira (3), 1.375 novos profissionais do Brasil formados
no exterior foram contratados.
No entanto, 47,1% (8,6 mil)
dos médicos do programa ainda são cubanos -- 45.6% com nacionalidade brasileira
e 4,16% são intercambistas estrangeiros de outros países. São 18.240 vagas em 4
mil municípios do Brasil.
O governo brasileiro diz
abertamente que "está abrindo oportunidades para a substituição de médicos
da cooperação com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)" e que
"a expectativa é realizar 4 mil substituições em três anos". De
acordo com o ministério, até o momento, mais de mil postos foram substituídos
por brasileiros.
Apesar disso, o Ministério
da Saúde diz que "a decisão sobre a permanência ou o retorno de
funcionários em missão internacional cabe ao governo de Cuba."
No entanto, o governo
explicou que "os médicos cubanos da cooperação que encerram o período de
três anos de atuação no Programa estão sendo substituídos por novos
profissionais. Existe a possibilidade de prorrogação da permanência dos médicos
cooperados que tenham se casado formalmente (ou reconhecido união estável) no
Brasil."
G1
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