STF define aplicação de medidas cautelares do CPP a parlamentares.
Por maioria de votos, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Poder Judiciário tem
competência para impor a parlamentares as medidas cautelares do artigo 319 do
Código de Processo Penal (CPP). Apenas no caso da imposição de medida que dificulte
ou impeça, direta ou indiretamente, o exercício regular do mandato, a decisão
judicial dever ser remetida, em 24 horas, à respectiva Casa Legislativa para
deliberação, nos termos do artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição Federal.
A decisão se deu no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5526, julgada
parcialmente procedente da sessão desta quarta-feira (11). Na ação, os partidos
Progressista (PP), Social Cristão (PSC) e Solidariedade pediam interpretação
conforme a Constituição para que a aplicação das medidas cautelares, quando
impostas a parlamentares, fossem submetidas à deliberação da respectiva Casa
Legislativa em 24 horas. O prazo está previsto na Constituição para os casos de
prisão em flagrante de crime inafiançável. Nessas hipóteses, diz o texto
constitucional, os autos deverão ser remetidos para que a maioria dos membros
delibere sobre a prisão. Pelo entendimento da maioria, no entanto, apenas a
medida que suspenda o mandato ou embarace seu exercício deve ser submetida a
posterior controle político do Legislativo.
Procedência parcial
O ministro Alexandre de
Moraes divergiu do relator, ministro Edson Fachin, e votou pela procedência
parcial da ação. Para ele, não é cabível a aplicação das medidas cautelares do
artigo 319 do CPP que impliquem o afastamento do mandato ou dificultem seu
exercício. No entanto, entendeu que, caso se admita a aplicação dessas
cautelares, a decisão deve ser remetida à Casa Legislativa respectiva para os
fins do artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição Federal.
O ministro Dias Toffoli
também votou pela procedência parcial da ação. Segundo seu entendimento,
medidas cautelares diversas da prisão que interfiram no exercício do mandato
eletivo somente poderão ser impostas se houver flagrante de crime inafiançável
e, não havendo estado de flagrância, apenas em situações de “superlativa
excepcionalidade”. Em ambas as hipóteses, contudo, o ministro considera que a
decisão judicial deve ser submetida, em 24 horas, ao controle político da
respectiva Casa Legislativa. “Se a regra é a submissão da prisão em flagrante
ao escrutínio do Parlamento, deve ela também ser aplicada no caso de imposição
de medidas cautelares diversas da prisão”, observou. “A finalidade do controle
político da prisão em flagrante de parlamentar é proteger, ao juízo
discricionário da Casa Legislativa, o livre exercício do mandato eletivo contra
interferências externas”.
O ministro Ricardo
Lewandowski também votou no sentido da parcial procedência da ADI. Por analogia
ao teor do dispositivo constitucional, explicou o ministro, a imposição de
medida cautelar alternativa que implicar o afastamento da função parlamentar
deverá, tal qual nas hipóteses de prisão em flagrância, também ser sopesada
pelo voto da maioria dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado, para
avaliação exclusivamente política. O ministro destacou, porém, que as medidas
que não revelem nenhum cerceamento das atividades parlamentares podem ser
determinadas pelo Judiciário sem necessidade de ulterior aval das Casas Legislativas.
O ministro Gilmar Mendes
também seguiu a divergência, votando pela parcial precedência da ação. Para
ele, a norma da imunidade constitucional não deve ser interpretada de forma
restritiva ou ampliativa, mas é necessário que se explicite o que ela representa.
“Essa norma é uma pedra de toque do sistema de divisão de Poderes”, ressaltou,
argumentando que a imunidade não é uma garantia do parlamentar, mas, sim, da
democracia.
Na sequência da votação, o
ministro Marco Aurélio concluiu pela inaplicabilidade da imposição de qualquer
das medidas cautelares alternativas do artigo 319 do CPP a parlamentares.
Vencido neste ponto, ele assentou que tais restrições, caso impostas pelo
Judiciário, devem ser submetidas a posterior controle político do Legislativo.
Presidente do STF
A ministra Cármen Lúcia,
presidente do STF, enfatizou a necessidade de cumprimento das determinações
penais impostas pelo Judiciário aos demais Poderes, porém, ponderou que o cargo
eletivo não é de titularidade do parlamentar, e sim do eleitorado. Por esse
motivo, defendeu a plena aplicabilidade das medidas cautelares alternativas a
parlamentares, mas apenas aquela que implica afastamento da função pública
(inciso VI do artigo 319 do CPP) deve ser submetida a posterior deliberação do
Legislativo. “No ponto específico do afastamento do exercício do mandato, como
é o afastamento de algo que foi entregue pelo eleitor, tenho que nesse caso o
magistrado deverá tomar as decisões pertinentes na jurisdição penal, mas deverá
encaminhar ao órgão competente para que se tenha a possiblidade de
prosseguimento”, afirmou.
Em seu voto ela também
ressaltou a indisponibilidade da jurisdição penal atribuída ao STF, ou a todo o
Judiciário, e sua incidência sobre todos, mesmo sobre os parlamentares. A
Constituição Federal não poderia atribuir a um Poder uma competência passível
de ser descumprida, significando que a possiblidade de seguimento do processo
penal segue intacta, a despeito da possiblidade de preservação do mandato. “Não
há um poder sobre o outro, cada um tem sua função e a interpretação da
Constituição deverá ocorrer sem exclusão de nenhum cidadão, afinal estamos
falando de um Estado, não de um Olimpo. Ninguém é deus ou está acima das leis.
Somos servidores públicos nós todos”, concluiu.
Improcedência
O relator, ministro Edson
Fachin, votou pela improcedência da ação, afastando os argumentos apresentados
pelos partidos políticos. Segundo o ministro, o STF tem repelido a ampliação de
prerrogativas e imunidades que não estejam expressamente previstas na Constituição
Federal. A pretensão trazida na ADI, explicou o relator, é de se estender às
medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP regras constitucionais que
regulam hipóteses diversas. Tal pleito, segundo ele, “contrasta com a
necessária interpretação restritiva que se deve dar, em razão do princípio
republicano, aos óbices constitucionais impostos à sujeição igualitária de
todos às regras penais e processuais penais”.
Ao acompanhar o relator, o
ministro Luís Roberto Barroso observou que a imposição pelo Judiciário de
medidas cautelares diversas da prisão a parlamentares não necessita do aval do
Legislativo. Ele lembrou que a Constituição Federal prevê que os parlamentares
podem decidir sobre prisão em flagrante de crime inafiançável (artigo 53, parágrafo
2º), podem sustar o andamento de ações penal (artigo 53, parágrafo 3º) e
deliberar sobre perda de mandato (artigo 55, parágrafo 2º). De acordo com
Barroso, estas são únicas exceções constitucionais expressamente previstas no
tocante à tramitação de processos crime contra parlamentares.
Para a ministra Rosa Weber,
as prerrogativas constitucionais não são direitos que busquem proteger o
parlamentar, mas sim a preservação da representação popular por eles exercida.
Ao rejeitar o entendimento de que o Congresso deveria ser ouvido no caso de
aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, a ministra disse entender
que, como não se trata de prisão, submeter a decisão a outro Poder, sem que
haja comando constitucional nesse sentido, implicaria corromper o equilíbrio da
separação de Poderes.
O ministro Luiz Fux afirmou
que as imunidades garantidas aos congressistas representam, em essência,
exceções aos postulados republicano e isonômico. Segundo ele, o artigo 53 da
Constituição protege o parlamentar apenas de um tipo de medida – a prisão sem
ser em flagrante de crime inafiançável. Fux lembrou que as imunidades têm o
objetivo de evitar perseguições políticas, e não isentá-los da prática de
crimes contra a administração da justiça ou a administração pública.
Também se manifestando pela
improcedência da ação, o ministro Celso de Mello ressaltou em seu voto que o
mandato eletivo não pode ser utilizado como forma de coibir a atuação do Poder
Judiciário. Segundo seu entendimento, o princípio republicano traz em si o
princípio da responsabilidade, inclusive criminal, porque ninguém está acima da
Constituição, nem os parlamentares. Em uma sociedade livre e fundada em bases
democráticas, afirma, o cidadão tem o direito de ser governado por
administradores probos, legisladores íntegros, e julgado por juízes
incorruptíveis. “Aqueles que são investidos por eleição ou por nomeação em
mandatos eletivos ou em cargos incumbidos de desempenhar a alta missão de reger
os destinos do estado hão de manter estrito respeito e total obediência aos
postulados da probidade pessoal e da moralidade administrativa”.
Assessoria
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