Tribunal Regional Federal julga caso de Lula com a rapidez de ações mais simples.
Luiz Inácio Lula da Silva |
Qual a semelhança entre o
processo que acusa o ex-presidente Lula de corrupção e lavagem de dinheiro pelo
tríplex em Guarujá (SP) e o que julgou um homem conhecido como “Sid Barbeiro”
por recebimento irregular de seguro para pescadores?
A resposta: ambos devem ter
um período de tramitação similar no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª
Região) até o julgamento. A previsão para o caso de Lula, que ainda não foi
decidido, é de 154 dias. Já Sid Barbeiro foi julgado e absolvido em 146 dias.
A diferença é que, ao
contrário do pescador, que respondia por estelionato, as ações pelos crimes
imputados ao ex-presidente não costumam ser decididas em período tão rápido na
corte.
Levantamento feito pela
Folha aponta que, em 2017, apenas dois processos públicos por corrupção foram
decididos em menos de 150 dias no TRF-4. No caso de lavagem de dinheiro, nenhum
de mérito foi julgado –foi apenas decidido em um caso que a competência para
decisão é da Justiça Federal do Rio Grande do Sul.
A velocidade da tramitação
levantou questionamentos da defesa de Lula e, no último dia 15, o presidente da
corte, juiz federal Carlos Eduardo Thompson Flores, rebateu as indagações. Ele
juntou uma lista de 1.326 ações julgadas em até 150 dias no tribunal em 2017
–48,9% do total das decisões criminais.
“Verifica-se que a
celeridade no processamento dos recursos criminais neste Tribunal Regional
Federal constitui a regra e não a exceção”, disse no documento.
Contudo, entre os 1.263
processos públicos (63 estão em segredo de Justiça) relacionados por Flores,
apenas os dois por corrupção –menos de 0,2%– tratam dos mesmos crimes da ação
contra o petista, que ainda tem réus como o ex-líder da OAS Léo Pinheiro e o
presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto.
O julgamento está marcado
para 24 de janeiro e pode não se encerrar nessa data, porque um dos três juízes
da turma julgadora pode, por exemplo, pedir vista para ter mais tempo de
analisar o caso.
No geral, uma minoria de
crimes de colarinho branco e desvios são julgados no TRF-4 com a rapidez do
processo de Lula. Da lista de Flores, apenas 11 tratam de peculato (desvios
cometidos por servidores). Ainda assim, a maioria diz respeito a pequenos
furtos em órgãos federais –por exemplo, um funcionário dos Correios acusado de
se apropriar de dez telescópios.
Há, também, dois processos
por fraudes a licitações em cidades do interior.
Outros processos dizem
respeito a ações da Polícia Federal de combate a lavagem de dinheiro e
corrupção –mas foram julgados pedidos de desbloqueios e restituição de bens, e
não as acusações contra os réus.
Não há ações de mérito, por
exemplo, sobre questões da Lava Jato. Da operação, só foi analisado um processo
de desbloqueio de bens de um ex-gerente da Petrobras.
Também foi julgado pedido de
prescrição do crime de um réu do caso Banestado, precursor da Lava Jato.
Quase metade (49,1%) dos
processos julgados é relacionado a crimes de contrabando e descaminho
(mercadoria que entra no país sem pagar tributos). Na maior parte, sobre
motoristas flagrados com produtos irregulares nas estradas –muitas vezes são
pacotes de cigarros.
DIFERENCIADO
Apesar da tramitação rápida,
o recurso de Lula não é o mais célere da Lava Jato no TRF-4. Em 2015, a
apelação do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró foi analisada em 138 dias.
Este ano, o processo mais
rápido é o que diminuiu a pena do ex-deputado Eduardo Cunha. Correu em 173
dias.
Lula foi condenado na
primeira instância, pelo juiz Sergio Moro, a nove anos e seis meses de prisão
em julho e o recurso chegou em 42 dias no TRF-4, recorde na Lava Jato.
A defesa de Lula diz que o
recurso “tramitou com velocidade diferenciada”. “Esse fato, associado a
declarações anteriores do presidente do TRF-4 sobre o mérito do recurso de
Lula, sugerem que o ex-presidente não está tendo direito a um julgamento
independente”, diz o advogado Cristiano Zanin Martins.
“O processo do tríplex
começou com 16 mil páginas e hoje tem cerca de 250 mil.”
Lula foi acusado de receber
um tríplex reformado da OAS como propina. Ele nega. Se condenado em segunda
instância, pode ter que cumprir pena e ainda ficar inelegível.
‘FATO COMUM’
Na resposta às solicitações
da defesa de Lula sobre tramitações dos processos no TRF-4, o presidente da
corte, Thompson Flores, diz que, além da celeridade ser “fato comum” à corte, o
próprio Código de Processo Civil afirma que julgar processos em ordem de
distribuição não é regra absoluta.
Flores aponta ainda que o
Conselho da Justiça Federal, em inspeção feita entre maio e junho no tribunal,
apontou que o relator dos processos criminais da Lava Jato, João Pedro Gebran
Neto, tem julgado devidamente “tanto os processos antigos quanto os mais
recentes”.
Segundo ele, a
especialização dos servidores do gabinete de Gebran no tema também auxiliou na
celeridade dos recursos da operação.
Procurado, Thompson não
voltou a comentar o assunto.
O relatório diz que, a
partir de 2016, houve um aumento de distribuição de processos ao tribunal, mas
“sem prejudicar a produtividade da unidade jurisdicional” e se tem cumprido as
metas do Conselho Nacional de Justiça.
Anteriormente, o juiz
Leandro Paulsen, presidente da turma que julga os processos da Lava Jato,
também havia dito em nota à Folha que julgamentos precedentes da operação
contribuíram para acelerar as ações.
“Embora cada processo tenha
a sua particularidade, muitas questões já contam com precedentes, e isso tem
facilitado gradualmente os julgamentos, tornando-os menos trabalhosos, o que
permite que sejam aprontados mais rapidamente”, afirmou. “Não tem nenhum
caráter político.”
Folha de S. Paulo
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