Delegada expulsa da Polícia Civil da PB soltou preso em ato de má fé, diz relatório.
A delegada Maria Rodrigues
Vasconcelos, expulsa dos quadros da Polícia Civil da Paraíba no final de
fevereiro deste ano após inquérito administrativo, agiu de má fé ao soltar um
preso ao transformar arbitrariamente uma prisão em flagrante em Termo
Circunstanciado de Ocorrência (TCO). Essa foi uma das irregularidades
encontradas no procedimento feito pela Corregedoria.
À época da publicação da
demissão no Diário Oficial do Estado da Paraíba, o corregedor da Polícia Civil,
Servilho Paiva, havia adiantado que a delegada tinha desrespeitado os preceitos
éticos e os deveres, além de cometer uma transgressão grave às Lei Orgânica da
Polícia Civil da Paraíba.
De acordo com o relatório do
processo administrativo disciplinar, ao qual o G1 teve acesso via Lei de Acesso
à Informação, além de soltar um preso por condução de motocicleta notificada
por roubo, forneceu informações falsas ao poder judiciário com o fim de
oculatar as irregularidades comprovadas no inquérito e beneficiar seu genro,
advogado que representava o homem preso em questão.
O caso que resultou na
exclusão da delegada foi registrado em janeiro de 2016. Wilson Batista Feitosa,
pedreiro que morava na cidade de Santa Rita, na Grande João Pessoa, foi preso
em flagrante pela Polícia Militar conduzindo sem habilitação uma motocicleta
roubada e com o lacre adulterado. O homem foi levado até a 14ª Delegacia
Distrital, onde Maria Rodrigues era a titular, e autuado em flagrante por
receptação de veículo roubado.
Conforme apurou a
Corregedoria, arbitrariamente, em conflito com o que determina a lei, a
delegada transformou a prisão em flagrante em TCO pelo fato do suspeito ser um
cidadão sem antecedentes e ter afirmado em depoimento a aquisição do veículo de
boa fé. De acordo com a mãe do suspeito, a família pagou R$ 700 a um advogado,
identificado pela corregedoria como genro de Maria Rodrigues, pelos serviços
prestados na ocorrência.
Após ser libertado pela
assinatura do TCO, Wilson Batista Feitosa, o pedreiro conhecido como Bitinho,
foi morto a tiros cerca de 20 dias depois, em 1º de fevereiro de 2016. De
acordo com o relatório da Corregedoria da Polícia Civil, foi por conta do
assassinato do pedreiro que havia sido preso com a motocicleta roubada que
Maria Rodrigues foi ouvida e a polícia descobriu a irregularidade cometida pela
então delegada.
Ficou verificado pela
comissão que Maria Rodrigues forjou o TCO, pois a assinatura do termo foi
colhida após a soltura do preso e a produção do TCO só foi realizada quando o
suspeito já tinha sido morto (no dia 1º de fevereiro de 2016).
“Sendo assim, a processada
deixou de adotar as providências legais de praxe necessárias à instrução do
competente inquérito policial, além de ‘mascarar’ a realidade dos fatos,
fornecendo intencionalmente informação inexata ao judiciário, alterando a
verdade”, mostra um trecho do relatório.
Durante o procedimento
instaurado pela Corregedoria, a defesa da delegada reconheceu que Wilson
Batista Feitosa foi de fato apresentado na 14ª DD em situação de prisão
flagrante por posse de uma motocicleta roubada, no entanto, a delegada com a
discricionariedade adquirida pela função, fez um TCO.
Ainda de acordo com a defesa
de Maria Rodrigues, conforme trecho disponível no relatório, o que havia
acontecido era um atraso no tombamento do referido TCO, que se deu dez meses
após o fato por se tratar de uma delegacia conflituosa, com escassez de
pessoal, muitos procedimentos novos e baixados, além da processada, apesar de
experiente, ser uma pessoa idosa.
Os argumentos da defesa
foram considerados rasos, tendo em vista que vários procedimentos disciplinares
tinham sido executados contra Maria Rodrigues ao longo do exercício da função.
As explicações foram
consideradas insuficientes, e, baseado também no depoimento de outras partes
envolvidas na soltura de Bitinho, a comissão corregedora constituída por três
delegados, concluiu que houve má fé e adulteração de informações para ludibriar
a Justiça.
“O poder discricionário da
autoridade policial deve ser aplicado para escolher a lei e o artigo certo para
aplicabilidade correta de acordo com a infração cometida e não para sobrepor a
lei”, conclui o relatório da comissão.
No dia 26 de fevereiro foi
assinado pelo governador da Paraíba, Ricardo Coutinho (PSB), o ato
governamental exonerando a delegada e publicado no Diário Oficial do Estado da
Paraíba (DOE) do dia 1º de abril. Antes da publicação, a exclusão de Maria
Rodrigues Vasconcelos havia sido ratificada por Servilho Paiva,
corregedor-geral da Polícia Civil, e Cláudio Lima, secretário da Segurança
Pública e Defesa Social (Seds).
Irregularidade descoberta
com a morte
Foi a morte de Wilson
Batista Feitosa que escancarou as irregularidades cometidas por Maria
Rodrigues, como conta o delegado Alexandre Fernandes. Ao buscar mais
informações sobre Bitinho, morto a tiros em fevereiro de 2016, o delegado
encontrou o inquérito da prisão por receptação de veículo roubado que havia
sido aberto por Maria Rodrigues.
“Quando eu me deparei com a
situação [com o erro da conversão do auto de flagrante em TCO], eu não poderia
prevaricar, omitir, porque se tratava de um erro grave. Era minha atribuição
levar essa infração administrativa à Corregedoria”, explicou o delegado.
Por conta dos problemas
encontrados no inquérito administrativo, o corregedor-geral da Seds indicou uma
abertura de um inquérito criminal para apurar as condutas da ex-delegada do
ponto de vista penal.
Motocicleta pode estar
ligada à morte
O inquérito policial
072/2016 que investiga a morte de Wilson Batista Feitosa, pedreiro preso com a
motocicleta roubada, segue em aberto. O delegado responsável pela investigação
desde o início, Alexandre Fernandes, explicou que uma das linhas de
investigação é de que a morte do pedreiro tenha ligação com a motocicleta notificada
por roubo.
A primeira versão dada por
Bitinho na prisão por receptação de veículo roubado foi de que o veículo tinha
sido adquirido como forma de pagamento por serviços de pedreiro prestados a um
policial militar de Santa Rita. Inclusive, há registro de que Wilson Batista
Feitosa havia informado aos policiais militares no momento da prisão que a moto
apreendida era de um PM.
Posteriormente, já no
inquérito que apura a morte de Wilson Batista, a mãe dele mudou a versão e
informou à Polícia Civil que a motocicleta em questão havia sido comprada em
uma feira livre. O policial militar em questão prestou depoimento à comissão
corregedora, conforme relatório do procedimento administrativo que resultou na
exclusão da delegada Maria Rodrigues Vasconcelos.
À época, o soldado da
Polícia Militar negou que tinha dado a motocicleta a Wilson Batista Feitosa, o
Bitinho, e que acredita que o pedreiro tenha usado o nome do policial pois os
dois eram conhecidos, em uma tentativa de se livrar da prisão. Sobre o dinheiro
usado para pagar o advogado, o PM confirmou que emprestou a quantia de R$ 700
ao pedreiro, mas como um gesto humanitário, tendo em vista que a família de
Bitinho havia procurado o policial militar para pedir ajuda.
Ainda de acordo com o
delegado que investiga o homicídio, Wilson Batista Feitosa tinha antecedentes
criminais. “A família havia nos informado que ele tinha ligação com o tráfico
de drogas, mas não sabemos se era somente usuário ou se era traficante. Esse
fato também está sendo investigado no inquérito e na possível motivação da sua
morte”, explicou.
De acordo com a Corregedoria
da Polícia Militar, após a conclusão do procedimento administrativo que
resultou na exclusão da delegada, o corregedor-geral da Secretaria de Segurança
e Defesa Social determinou outras investigações, inclusive contra o policial
militar. A Corregedoria da Polícia Militar informou que a diligência ainda não
tinha sido concluída até o mês de abril.
G1
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