ACARÍ RN: 'Espetáculo' de águas no semiárido do RN desaparece com seca histórica.
À esquerda, açude Gargalheiras em
2011, quando ainda ocorria a 'sangria', a cascata artificial; à esquerda, nos
dias atuais, sob a seca (Foto: Canindé Soares e Anderson Barbosa/G1)
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O sertanejo que mora no Seridó
potiguar nunca sofreu tanto com a falta de chuvas. “Minha mãe dizia que nós
tínhamos um mar de água doce na porta de casa, e que jamais nos preocuparíamos
com a seca. Agora, só nos resta rezar”, lamenta o agricultor Fabiano Santos.
Como ele, mais de 11 mil pessoas que vivem em Acari e 44 mil em Currais Novos
dependem do açude Gargalheiras, que está com 5,6% da capacidade. As prefeituras
dizem que a situação é desesperadora. O Seridó é uma das regiões mais afetadas
pela seca no Nordeste, e fica no semiárido do Rio Grande do Norte, conhecido
pela pouca folhagem e sombra da vegetação.
Para a Companhia de Águas e Esgotos
do Rio Grande do Norte (Caern), a única solução é racionar. Nas duas cidades, a
empresa impôs rodízios para não ter que suspender o abastecimento. Já o
escritório local do Departamento de Obras Contra a Seca (Dnocs) diz que não há
obras em andamento e a única coisa a fazer agora é torcer para que as chuvas
venham logo. Na região, não há boas precipitações desde o início do ano. O
Dnocs é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Integração Nacional e
tem como papel principal executar políticas para o beneficiamento de áreas e
obras de proteção contra as secas e inundações.
O G1 foi ver de perto o
"mar" dos seridoenses. A primeira parada foi em Acari, a pouco mais
de 200 quilômetros de Natal. Eleito uma das sete maravilhas do estado em um
concurso realizado por um jornal, o Gargalheiras (cujo nome oficial é açude
Marechal Dutra) foi inaugurado em 1959. Ao longo de 55 anos, as águas
transpuseram a parede da barragem, que tem 25 metros de altura, pelo menos 30
vezes.
A última sangria, em maio de 2011,
com uma lâmina d'água de mais de 1 metro, formou uma cachoeira artificial que
se tornou ponto turístico durante duas semanas. Agora a paisagem é outra. O
reservatório, um dos maiores do estado, pode armazenar até 44,5 milhões de
metros cúbicos de água, mas está no nível mais baixo da história (5,6%). A
medição mais recente foi feita pelo Dnocs no dia 21 de outubro.
Pelo tamanho do reservatório e
importância econômica para toda a região, o sertanejo acreditou que os efeitos
da seca haviam se tornado lembranças do passado. “A alegria do homem do campo
foi embora, evaporou. Só ficou a preocupação”, afirma Francisco das Chagas
Barbalho, de 59 anos.
Funcionário de carreira, ele
trabalha há mais de 30 anos no escritório do Dnocs em Acari. “Na região, a
última chuva considerável, cerca de 80 milímetros, caiu em janeiro. Aqui e
acolá vem uma garoa, que não dá para nada. O Dnocs não tem o que fazer. É pedir
a Deus um inverno bom”, acrescenta.
“A sangria do Gargalheiras é um
espetáculo que atrai milhares de pessoas. Turistas movimentam a economia da
cidade. A pesca se fortalece. Hoje não tem mais nada disso”, lamenta Celso
Medeiros, que já presidiu a colônia de pescadores da região e agora toma conta
de uma das pousadas mais tradicionais de Acari. “Há três anos aqui vivia cheio
de gente. Os onze quartos da pousada estavam sempre lotados. Hoje não dá quase
ninguém. Quem quer ver uma beleza dessa seca? É muito triste assim como tá”,
afirma.
Com o nível da água baixo, é
possível descer pelas margens da barragem e andar pelo leito do rio. José é um
dos que ainda arriscam passar horas lá e sair com poucos peixes na mão. “É
necessidade. Mesmo dando muito, pouco ou quase nada, é daqui que eu tiro o
sustento da minha família. Há três anos pescava até 30 quilos por dia de
tilápia e camarão. Hoje nem chega a 5 quilos. Dá para comer um pouco e o resto
a gente vende”, diz. Sentado numa pedra, quase embaixo da imponente parede do
açude, ele deposita na fé a esperança de dias melhores: “Só Deus para nos ajudar”.
Francisco Medeiros, conhecido como
Titi, tem 50 anos e diz ser um dos pescadores mais ativos da região. “Pesco
desde os 12 anos, e nunca vi uma coisa tão triste assim. Mal dá para viver. Sem
dinheiro, atrasam as contas de água, luz e gás. Tem o seguro do defeso, que
ajuda, mas que só começa a ser pago no mês que vem. Recebemos um salário mínimo
por três meses quando a pesca é proibida por causa da desova. Este ano, como
está muito ruim, estão dizendo que vão pagar quatro meses. Sei não”, comenta.
Enquanto aguarda pela recuperação do
Gargalheiras, ele mostra o pouco do camarão que conseguiu pegar. “Com o açude
cheio, o camarão é graúdo. E dá para pegar mais de 30 quilos. Hoje só tem
assim, bem miudinho. Só serve para moer e fazer linguiça de camarão. É trabalho
dobrado para ganhar bem menos”, reclama.
Rodízio de água
A Prefeitura de Acari diz que busca
parcerias para tentar minimizar os efeitos da estiagem. José Ari Bezerra
Dantas, secretário de Agricultura, Meio Ambiente e Abastecimento do município,
conta que desde o início da estiagem prolongada, ainda em 2012, 13 poços
artesanais foram perfurados nas comunidades rurais. “Cinco poços foram
perfurados pela Secretaria Estadual de Recursos Hídricos; os outros oito pelo
Exército, por meio da Operação Pipa. Estamos tentando outros 15 poços no
Dnocs”, afirma.
O secretário também destaca atuação
da Operação Pipa no município, que por meio de carros-pipa retira água do
Gargalheiras, leva para a central de tratamento da Caern e devolve à população
abastecendo as cisternas das comunidades mais afastadas. Contudo, José Ari
admite que as medidas não são suficientes. Para ele, a situação é mais
preocupante do que se imagina. “É desesperadora. Pode perguntar para a Caern.
Se não chover até o fim do ano, o Gargalheiras vai entrar no volume morto, que
é uma água muito suja. Provavelmente será preciso intensificar o rodízio de
água aqui no município”, acrescenta.
Gerente do escritório da Caern em
Acari, Adelson Santos concorda com o secretário. Ele explica que o rodízio
implantado até o momento é de 24 horas. Enquanto metade da cidade recebe água,
as bombas são fechadas para a outra parte. No dia seguinte, a situação se
inverte. “É necessária. Se não fosse esse sistema, já estaríamos sem água.”
Ainda de acordo com Santos, o
chamado volume morto é o resto, quando o manancial atinge menos de 5% de sua
capacidade de armazenamento. Nesta condição, a água se torna imprópria para o
consumo humano em razão da mistura com a lama e demais dejetos que estão no fundo
do leito. “Ainda dá para utilizar, mas daí carece de um tratamento químico mais
forte. No ritmo que vem baixando o nível, as águas do Gargalheiras devem chegar
ao volume morto até o fim do ano”, estima.
“Se não chover até lá, é claro que a
água vai baixar ainda mais, até chegar num ponto em que o tratamento será
ineficaz. Daí não vai ter outro jeito senão suspender a distribuição de água em
Acari. Isso, consequentemente, afetará também todo o município de Currais
Novos”, complementa o gerente da Caern.
Situação crítica e prejuízos
Para o governo do Rio Grande do
Norte, esta é a pior seca dos últimos 50 anos. Dos 167 municípios do estado,
152 estão em situação de emergência por causa da estiagem prolongada. O
decreto, o sétimo consecutivo desde abril de 2012, foi publicado pela
governadora Rosalba Ciarlini no final do mês passado.
A Secretaria Estadual de Agricultura
estima um prejuízo de R$ 4,6 bilhões para a produção agropecuária potiguar, o
que representa uma redução de 56,9% na contribuição do setor rural para a
formação do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Norte, que é a soma de
todos os bens e serviços produzidos no estado.
Reservatórios baixos
De acordo com o decreto, a maior
parte dos reservatórios localizados no estado estão com percentual de
armazenamento inferior a 50% da capacidade máxima. O documento acrescenta que,
desses reservatórios, há 15 açudes com armazenamento inferior a 10% da
capacidade máxima. O governo reforça que a situação tem deixado a zona rural
dos municípios sem água para produção agrícola e pecuária e também para consumo
humano.
Relatório da Caern de 13 de agosto
revelou a existência de cinco municípios com colapso no abastecimento em
virtude da escassez de recursos hídricos. A previsão é que mais oito cidades
possam vir a ter seus sistemas de abastecimento de água interrompidos até
dezembro. Até o momento estão em colapso no abastecimento os municípios de
Rodolfo Fernandes, Tenente Ananias, Paraná, Antônio Martins e Carnaúba dos
Dantas. Em novembro do ano passado, o G1 visitou nove cidades em colapso e
constatou que, na maioria, a população precisava usar os recursos do Bolsa
Família para comprar água.
A Empresa de Pesquisa Agropecuária
do Rio Grande do Norte (Emparn) informou que os índices pluviométricos das
cidades apresentam desvios negativos de até 35% abaixo da média. No decreto, o
governo explica que as chuvas de inverno foram insuficientes para a formação de
estoques de água potável para o suprimento da população rural nos principais
reservatórios, tais como açudes, tanques, poços tubulares, barreiros e
cisternas.
G1 RN
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