Prefeito é preso acusado de pagar vereadores em troca de apoio político.
Cenas de corrupção explícita: um
prefeito afastado, oito vereadores presos. Que cidade é essa? O repórter
Eduardo Faustini foi até lá perguntar: cadê o dinheiro que estava aqui?
“Desviar dinheiro da prefeitura,
depois que a gente se acostuma com isso aqui, é um vício. Não pensa nos
estudantes, nas crianças que estão sem merenda. Pensa só no dia seguinte para
poder tirar o dinheiro. O que tiver a gente tira tudo, não deixa nada”, diz um
empresário que ajudou uma quadrilha a desviar milhões de reais da prefeitura de
Joaquim Gomes, no interior de Alagoas.
Envie sua denúncia sobre corrupção!
Ele só deu entrevista sob a condição
de não ter a identidade divulgada, porque se diz ameaçado pelos bandidos.
Eduardo Faustini: Você anda armado?
Empresário: Ando armado.
Eduardo Faustini: E esse dinheiro
era desviado de quais secretarias?
Empresário: Secretaria da
Administração, da Saúde e da Ação Social e da Educação.
Ou seja, dinheiro da merenda
escolar, dos medicamentos, das obras de que a cidade tanto precisa. Depois de
um ano cometendo falcatruas, ele resolveu denunciar tudo ao Ministério Público
e contar tudo ao repórter Eduardo Faustini.
Eduardo Faustini: Cadê o dinheiro
que estava aqui?
Empresário: Uma parte está com a
gente, e a outra está no bolso do prefeito.
Depois das denúncias do empresário,
as investigações levaram a cenas como as que você vai ver.
Câmara dos Vereadores de Joaquim
Gomes, 8 de outubro deste ano. É uma quarta-feira, e os vereadores estão em
sessão ordinária. Policiais começam a cercar a câmara. A movimentação atrai a
população. Ninguém sabe o que vai acontecer, principalmente os vereadores.
No meio do discurso de um dos
vereadores, o delegado que comanda a operação entra no plenário. “Eu queria
falar com o presidente”, pede.
Um vereador faz sinal de positivo
para a câmera, como se estivesse tudo bem. Só que oito vereadores recebem voz
de prisão. Inclusive ele, que não perde o otimismo ao ser conduzido pela
polícia, o próprio presidente da casa e ainda o vereador que estava discursando.
Todo mundo em cana. Dos 11 vereadores de Joaquim Gomes, só três não foram
presos.
E a população não perdoa. “Ladrão!
Ladrão”, gritam moradores.
A operação da Polícia Civil e do
Ministério Público recebeu o nome de ‘mensalinho’, inspirada no famoso escândalo
do mensalão.
Por que ‘mensalinho’? Porque o
prefeito comprou apoio político, pagando a um grupo de vereadores em dinheiro
vivo, como mostram imagens gravadas dentro de um carro.
Quem paga é o então prefeito, Toinho
Batista, do PSDB.
Prefeito: Está faltando quatro.
Vereador: Tem quanto aqui?
Prefeito: Seis mil.
Esse mensalinho era pago em
parcelas.
Vereador: Quanto tem aqui?
Prefeito: Dois. No dia 10 tem outra
parte.
Repórter: Qual era a razão daqueles
pagamentos?
Carlos David Correia Lima, promotor:
Garantir apoio político ao prefeito afastado. Garantir que, na Câmara dos
Vereadores, não fosse instaurado nenhum procedimento fiscalizatório, que as
matérias de interesse do seu governo à época fossem aprovadas com a maior
serenidade possível.
Mas por que o então prefeito gravou
a entrega da propina? Quem explica é a vice-prefeita de Joaquim Gomes, que
assumiu a prefeitura depois do afastamento de Toinho Batista.
“Quem gravou esse vídeo foi o
próprio prefeito, para poder ter os vereadores na mão”, afirma Ana Genilda
Couto.
Com as cenas de corrupção explícita,
Toinho poderia chantagear os vereadores se eles resolvessem parar de apoiar as
falcatruas.
Prefeito: R$ 800 com R$ 1,2 mil faz
R$ 2 mil, não é isso?
Vereador: É.
Prefeito: R$ 2 mil. E amanhã eu lhe
dou os R$ 3 mil.
Dentro do carro, o prefeito molhou a
mão de quatro vereadores, que também pegaram dinheiro para outros colegas.
Prefeito: O do Adriano e do Márcio.
Além dos oito vereadores, o esquema
envolvia um secretário municipal e empresas, algumas de fachada.
Como você viu no início desta
reportagem, o repórter Eduardo Faustini localizou o dono de uma das empresas
que passaram milhões de reais em notas fiscais falsas para a prefeitura, as
chamadas notas frias.
Eduardo Faustini: Quando pega em uma
nota dessa, que que você sente?
Empresário: Parece uma geladeira,
tão fria que é as bichinhas.
A nota fria foi usada pra que o
então prefeito e alguns secretários fingissem que compraram um bem ou pagaram
por um serviço para a cidade. Eles recebiam a nota e depositavam o valor na
conta da empresa. O dono da empresa sacava o dinheiro, pegava uma comissão e
dava o resto para o prefeito.
“Tinha duas empresas em conluio que
forneciam notas fiscais ao prefeito. Ao todo, 20% do valor era distribuído
entre essas duas empresas, entre os sócios das duas empresas, e 80% era
repassado para o prefeito”, explica o promotor.
Empresário: Há desvio de tudo, né?
Merenda...
Eduardo Faustini: Se a criança não
está recebendo a merenda...
Empresário: Se não tomar café em
casa, ela não vai comer, não. Essa aqui é uma nota de quentinha, R$ 17.515,
certo? Só que essas quentinhas seriam destinadas aos garis, só que os garis
nunca comeram essas quentinhas. Tem esquema no remédio, tudo tem acordo.
Você já viu um corruptor ter pena de
alguém? Pois é, aqui você também não vai ver. Mesmo assim, o depoimento desse
homem é chocante.
Empresário: Não, a gente fica
preocupado, não. A gente fica preocupado só em tirar o dinheiro.
Eduardo Faustini: Mesmo sabendo que as
pessoas tão morrendo nos hospitais por falta de remédio.
Empresário: Não, a gente não se
preocupa com isso, não. Preocupa somente em tirar o dinheiro.
Depois do afastamento do prefeito,
foi assim que a nova gestão encontrou a cidade: “Não tinha medicamento nos
postos de saúde, não tinha no hospital. Merenda estava faltando, os postos,
sucateados, as escolas, sucateadas”, conta o promotor.
Alunos de uma escola pública têm que
pegar duas conduções para ir à aula: um ônibus escolar e caminhões. “Aquele é
nosso carro, aquele dali”, diz um aluno.
É o chamado pau-de-arara. Os
assentos são tábuas mal pregadas. Mais um perigo em um transporte que já é
perigoso.
Eduardo Faustini: Como você se sente
vendo aquelas crianças andando de pau-de-arara e essas pessoas desviando tanto
dinheiro?
Empresário: As pessoas só querem
pensar em si, né? Ninguém pensa no próximo, não.
Eduardo Faustini: Quanto você
calcula que foi movimentado?
Empresário: Uns R$ 900 mil.
Eduardo Faustini: De todas as
empresas?
Empresário: Não, só da gente.
Contando as outras, uns R$ 3 milhões.
Antes desse escândalo, o então
prefeito Toinho Batista já respondia a um processo por desvio de dinheiro da
saúde. Foi condenado, mas recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Esse caso
ainda não foi julgado. Agora, o ex-prefeito e o resto da quadrilha vão
responder por associação criminosa, corrupção ativa e passiva e outros crimes.
O empresário também vai responder na Justiça.
Além de Toinho, os oito vereadores
que você viu sendo presos foram afastados. No lugar deles, assumiram suplentes.
O Fantástico procurou os vereadores e o prefeito afastados para que eles se
explicassem, mas não recebeu resposta.
“Joaquim Gomes é o símbolo da
corrupção. Uma cidade esquecida pela má vontade dos gestores, dos políticos que
insistem em tratar o patrimônio público como extensão dos seus quintais”,
lamenta o promotor Carlos David Correia Lima.
Agora a gente quer saber: senhor
Toinho Batista, senhor empresário, senhores vereadores presos: cadê o dinheiro
que estava aqui?
G1
Nenhum comentário