Brasil gasta menos da metade da verba reservada a 'políticas de proteção para a criança e adolescente'.
Faltando um mês para o fim
do ano, ações ligadas à proteção da criança e do adolescente, que poderiam ter
impacto na redução do trabalho infantil, receberam menos da metade da verba
reservada para 2017. Nesta quarta-feira, dados do IBGE revelaram que o trabalho
infantil ilegal atinge cerca de 1 milhão de jovens no Brasil.
Até a semana passada, o
governo federal gastou R$ 1 bilhão em 13 ações sociais prioritárias, enquanto o
orçamento da União previa R$ 2,4 bilhões até o fim do ano. O levantamento foi
feito pelo GLOBO com base em ferramenta de acompanhamento da execução do
orçamento do Congresso.
A verba destinada a Centros
de Referência de Assistência Social (CRAS) em Minas Gerais, por exemplo, local
onde as famílias carentes são inicialmente atendidas, soma até agora R$ 73,1
milhões, contra R$ 169,8 milhões em 2016.
Os recursos repassados ao Rio de
Janeiro para serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade -
aqueles que oferecem atendimento a pessoas que se encontram em situação de
abandono, ameaça ou violação de direitos e que necessitam de acolhimento
provisório, somam até agora R$ 10,7 milhões, menos da metade dos R$ 26,6
milhões repassados em 2016, segundo dados do Portal da Transparência do governo
federal.
Para especialistas, essas
ações poderiam reduzir, por exemplo, o número de menores de idade que trabalham
nas ruas e melhorar a atuação das equipes municipais na prevenção do problema.
O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) reconhece que não usou ainda todos
os recursos à sua disposição, mas diz que o gasto neste ano foi de R$ 1,5
bilhão, que corresponde a 65% do total.
O Brasil havia se
comprometido a eliminar até 2015 a presença de crianças na lista das piores
formas de trabalho infantil, conhecida como Lista TIP, definida em 2006 pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e que inclui 93 tipos de tarefas.
Não conseguiu. De 2016 até agora, segundo outro levantamento do GLOBO,
fiscalizações do Ministério do Trabalho (MT) descobriram 3.299 crianças
exercendo algum tipo de trabalho desta lista — da venda de produtos nos sinais
de trânsito a serviços com objetos cortantes e colheita de pimenta no campo,
passando por carvoarias e matadouros. Em 2016, foram 1.717 casos. Este ano,
1.582.
— É inegável que houve
redução no trabalho infantil no Brasil, mas não o esperado e nossos números
continuam muito altos. O mais alarmante é que pelo menos metade delas está
exercendo trabalhos que expõem a riscos de mutilação, queimaduras, violência
física ou estupro. Quando não está na escola ou com a família, essas crianças
estão vulneráveis e entregues à propria sorte — afirma a ministra Kátia Arruda,
do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Segundo Kátia, 90% das
pessoas resgatadas em situação de trabalho escravo foram trabalhadores
infantis. Sem acesso à educação ou com acesso precário, elas não conseguem
romper o ciclo do trabalho arriscado e da pobreza.
A Constituição brasileira
permite o trabalho a partir de 14 anos de idade, mas na condição de aprendiz,
vinculado a um projeto de formação escolar. A socióloga Denise Cesário, gerente
executiva da Fundação Abrinq, afirma que empresas de médio e grande porte não
estão, no entanto, cumprindo determinação estabelecida em 2000, de reservarem
entre 5% e 15% de suas vagas para adolescentes e jovens entre 14 e 24 anos.
Se fosse seguida de forma
eficaz, diz Denise, o trabalho infantil diminuiria, mas são poucas as empresas
que cumprem e não há fiscalização.
A ministra Kátia Arruda
afirma que a conjuntura de crise e trabalho precário reaviva a necessidade de
enfrentamento ao trabalho infantil.
— Ainda há no país uma
banalização do trabalho infantil, consequência da cultura escravocata, quando a
criança escrava nascia trabalhando. Por isso muita gente acha normal. Mas o
fato é que quanto mais cedo se começa a trabalhar, mais baixa será a renda no
futuro devido ao baixo rendimento escolar — explica.
O Brasil tem 955 municípios
considerados focos de trabalho infantil, inseridos no programa de
acompanhamento do governo federal — a maior parte dos municípios está na Bahia
(125), seguida por Pará (87) e São Paulo (76). Uma pesquisa apresentada em
outubro passado pelo MDS sobre a eficiência dos programas de erradicação do
trabalho infantil mostra que é possível ainda aperfeiçoar o trabalho: apenas
48,7% deles fizeram em 2016 estudos e diagnósticos sobre o a situação atual do
trabalho infantil em seus territórios.
Dos 5.454 municípios que participaram do
Censo do Sistema Único de Assistência Social (Suas), menos da metade realizaram
busca ativa de famílias com situação de trabalho infantil para encaminhá-las
aos programas de assistência social.
Em outubro passado, o Grupo
Especial de Combate ao Trabalho Infantil do Ministério do Trabalho flagrou 118
crianças e adolescentes trabalhando em atividades de risco em Roraima,
incluindo carvoarias. No lixão da cidade de Boa Vista, 13 crianças estavam
trabalhando na coleta de recicláveis, atividade de risco à saúde. A capital de
Roraima registra ainda grande exposição de crianças nas ruas, devido à imigração
de venezuelanos e haitianos.
Na capital paulista, a mais
rica do país, tem sido comum ver crianças vendendo produtos nas ruas ou pedindo
dinheiro, muitas vezes acompanhadas por adultos da mesma família. Giovana
Cristina da Silva, de 18 anos, e os sobrinhos Yasmin, de 7 anos, e Thiago, de
5, vendem bala na calçada na região dos Jardins, área nobre da cidade.
— Se vender no sinal falam
que é trabalho infantil — diz Giovana, mostrando conhecimento da lei.
Jornal O Globo
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