Menção a doações legais de campanha como propina abre nova frente de investigação.
BRASÍLIA
- O depoimento do presidente da UTC, Ricardo Pessoa, deu uma nova dimensão ao
escândalo da Petrobras ao misturar em sua delação premiada doações legais de
campanha, recursos que financiaram candidatos. Na época do escândalo do
mensalão, as investigações eram sobre pagamento a políticos por meio de caixa
dois. A investigação sobre doações legais foi apontada ontem como um
diferencial desse depoimento por ministros do Supremo Tribunal Federal. O
empresário diz que boa parte dos recursos, mesmo os declarados, repassados a
políticos é compensada por desvios de contratos com a Petrobras. Para
investigadores, isso pode ser considerado ilegal, mesmo havendo registro no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Outra interpretação é que, se a denúncia se
comprovar, haveria corrupção, pelo fato de o empresário ser obrigado a doar
para obter contratos, e ainda lavagem de dinheiro, porque recursos da estatal
poderiam ter sido drenados para doações de políticos do governo.
Apesar
da apreensão em torno dos desdobramentos dos depoimentos de Pessoa, o Palácio
do Planalto reforçará a estratégia de tentar desqualificar a delação com o
argumento de que as cifras apontadas pelo empresário em relação à campanha de
Dilma e de outros políticos, como o ministro Aloizio Mercadante (Casa Civil)
eram declaradas como doações legais. A presidente Dilma Rousseff aprovou, de
Nova York, o tom ofensivo usado pelos ministros Mercadante, Edinho Silva
(Comunicação Social) e José Eduardo Cardozo (Justiça) em entrevista no sábado
com a tese de que todas as doações foram legais e menções a políticos do PSDB
que também receberam doações da UTC.
A própria Dilma acertou a tática de
colocar Cardozo no centro das explicações, para dar uma “resposta de governo”
às acusações que envolvem a campanha da reeleição. Mas, interlocutores do
governo avaliavam ontem que é “arriscado” botar o ministro da Justiça no processo,
já que ele começa a ser pressionado pelo PT por causa da atuação da Polícia
Federal nas investigações da Operação Lava-Jato, lembrando que ela é
subordinada ao Ministério da Justiça. Nos bastidores, Cardozo retruca, dizendo
que a autonomia da PF foi uma conquista do próprio PT.
‘A ORIGEM SUJA DAS DOAÇÕES’
Tesoureiro
da campanha de reeleição de Dilma, Edinho Silva disse que os R$ 7,5 milhões
doados por Pessoa estavam declarados. O mesmo fez Mercadante sobre os R$ 500
mil doados à sua campanha ao governo de São Paulo, em 2010. As duas doações —
de R$ 250 mil cada — constam da prestação de contas da Constram, de 29 de julho
de 2010, com o recibo 13001092017; e da UTC, de 27 de agosto, com recibo
13001092079. O empreiteiro é dono das duas empresas, e teria dito que
Mercadante recebeu R$ 250 mil de forma legal e R$ 250 mil por fora. O ministro
fez questão de mostrar os recibos.
Pessoa
falou, também, em pagamentos ilegais a parlamentares. Seriam recursos, chamados
de “pixulecos”, para conseguir obter decisões favoráveis no Tribunal de Contas
da União (TCU) e enfraquecer a CPI da Petrobras. Essa parte do esquema lembra
mais o escândalo do mensalão, em que havia vários tipos de pagamentos não
contabilizados parlamentares, especialmente com recursos de caixa dois.
O
líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), disse que o discurso da doação
legal feita pelo Palácio do Planalto não se sustentará. Hoje, os presidentes
dos partidos de oposição devem se reunir para discutir o caso:
—
Essa tese de caixa um, de caixa legal, não tem como prosperar, porque o delator
tem tudo documentado, mostrando o achaque dos emissários do PT, que as doações
são oriundas de propina. Nenhum político tem como saber a origem da doação. Mas
isso não vale para quem está na cena do crime, flagrado nas negociatas com
contratos na Petrobras. O TSE agora sabe a origem suja dessas doações.
(Cristiane Jungblut).
O Globo
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