Senado muda Lei Maria da Penha e organizações pedem que Temer vete a proposta.
O Senado aprovou, na
terça-feira (10), Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher, projeto que
altera a Lei Maria da Penha, a fim de permitir ao delegado de polícia conceder
medidas protetivas de urgência às mulheres que sofreram violência e a seus dependentes,
uma prerrogativa que hoje é exclusiva dos juízes. A medida foi votada
simbolicamente na Casa e anunciada como positiva, mas integrantes do Ministério
Público, Defensores Públicos Gerais e organizações feministas criticam as
mudanças. Elas pedem que o presidente Michel Temer vete a proposta.
O projeto determina que a
concessão de medidas pelo delegado só será admitida em caso de risco real ou
iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher e de seus
dependentes. A autoridade policial deverá comunicar a decisão ao juiz e também consultar
o Ministério Público em até 24 horas, de acordo com a proposta, para definir
pela manutenção da decisão. Entre as medidas que podem ser aplicadas em caso de
violência, estão a proibição de o agressor manter contato ou se aproximar da
ofendida, de seus familiares e das testemunhas, vetando-o de frequentar
determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da
agredida, e o encaminhamento da mulher à rede de apoio às vítimas de violência.
Na justificativa da proposta
de autoria do deputado Sergio Vidigal (PDT-ES), consta que ela acelerará a
apreciação dos pedidos, a fim de garantir segurança, e que objetiva promover
melhorias no sistema de combate à violência doméstica e familiar contra a
mulher. Nesse sentido, também determina que deve ser priorizada a criação de
delegacias especializadas de atendimento à mulher (Deam), núcleos
investigativos de feminicídio e equipes especializadas para o atendimento e
investigação de atos graves de violência contra a mulher; estabelece que a vítima
de violência deve ser atendida, preferencialmente, por outras mulheres; e fixa
diretrizes para a escuta de vítimas e testemunhas, como a garantia de que sejam
ouvidas em local isolado e específico e de que não haverá contato com
investigados ou suspeitos.
A mudança, contudo, está
longe de ser consensual. Antes mesmo da aprovação da proposta, várias
instituições manifestaram-se contra, entre as quais o Grupo Nacional de
Direitos Humanos e a Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e
Familiar Contra a Mulher do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos
Ministérios Públicos dos Estados e da União; a Comissão Especial para Promoção
e Defesa dos Direitos da Mulher do Colégio Nacional de Defensores Públicos
Gerais, bem como as organizações que elaboraram o anteprojeto de lei Maria da
Penha (Cepia, Cfemea, Cladem e Themis) e outros grupos feministas, de mulheres
e de defesa dos direitos humanos.
Diante das mudanças, Leila
Linhares Barsted, diretora da ONG CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação
e Ação e uma das redatoras do texto da Lei Maria da Penha, antecipou a Agência
Brasil que organizações que atuam em defesa dos direitos das mulheres pedirão
que o presidente Michel Temer vete a proposta.
Ela explica que, em vez de
significar avanços, o projeto aprovado subverte a lógica da Lei Maria da Penha
e seu foco em garantir acesso das mulheres à Justiça e à rede de apoio, como
instituições de acolhimento e de atenção à saúde. “Nós, mulheres que
trabalhamos na proposta original, queríamos realmente garantir às mulheres o
acesso à Justiça, que é uma garantia prevista não apenas na Constituição, mas
especificamente no caso das mulheres, em convenções internacionais das Nações
Unidas e da Organização dos Estados Americanos [OEA]”, relembra Leila.
Acesso à Justiça
Ela explica que a norma em
vigor prevê a competência do Judiciário na determinação de medidas, dando à
polícia o dever de orientar a vítima sobre medidas protetivas e outras
questões, como registro de ocorrência, além de apoiá-la para buscar pertences
em casa. Para Leila, além do direito das mulheres de ter acesso ao Judiciário,
isso é importante porque é neste momento que a vítima é acompanhada pela
Defensoria Pública, recebe apoio e informações sobre seus direitos. “É uma
maneira de fortalecer essas mulheres, sabendo dos seus direitos e requerendo,
de forma eficaz, as medidas protetivas, e de afastar mecanismos de conciliação
tão comumente utilizados”, diz, relatando que, nas delegacias, as mulheres
costumam ser discriminadas.
Questionada sobre a eficácia
do Judiciário nesse combate, já que 900 mil processos sobre violência doméstica
tramitam na Justiça brasileira , a advogada e representante brasileira no
Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a Mulher da OEA afirma que “a
concessão de medidas protetivas é um ato rápido, enquanto o processo criminal
tem que obedecer ao rito de ampla defesa” e destaca que os problemas existentes
não pode levar à substituição do Judiciário pelas delegacias de polícia.
A Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público (Conamp) alertou, em nota técnica, que ela pode
impedir que as mulheres violentadas apresentem seus pleitos à Justiça. A
proposta, para o Conamp, abole a “capacidade postulatória direta da vítima para
o juiz para as medidas protetivas de urgência, pois agora apenas se o delegado
de polícia entender necessário ele é quem representará ao juiz para a aplicação
de outras medidas protetivas”.
Direitos do acusado
O órgão defende que a
alteração é ilegal. Apontando que a decisão por medidas protetivas de urgência
“é uma grave ingerência nos direitos fundamentais do investigado”. “A proibição
de aproximar-se dos parentes da vítima pode importar, inclusive, na supressão
do direito de visita regulamentado por decisão judicial, criando a situação
absurda de um despacho policial revogar decisão judicial. E restringir o
direito fundamental à liberdade do cidadão”.
Opinião semelhante é exposta
por Leila Linhares Barsted. Ao mesmo tempo que o Estado tem o dever de punir
agressores a fim de que as mulheres sejam protegidas e possam viver sem
violência, diz, ele não pode negar direitos aos acusados. “Não podemos ampliar
o poder de polícia de limitar a liberdade de indivíduos”.
Agência Brasil
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