Aécio Neves vira réu no Supremo por corrupção e obstrução de Justiça.
A Primeira Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (17) receber a denúncia contra
o senador Aécio Neves (PSDB-MG) por suposta prática de corrupção passiva e
obstrução de Justiça. Com isso, o senador será transformado em réu pela primeira
vez.
Por unanimidade, os cinco
ministros da turma (Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa
Weber e Alexandre de Moraes) admitiram a abertura de processo por corrupção e,
por 4 votos a 1, por obstrução de Justiça – neste caso, o único voto contrário
foi o de Alexandre de Moraes.
Com a aceitação da denúncia,
Aécio passa a responder ao processo penal na condição de réu e poderá contestar
a acusação com novas provas. Só ao final da ação poderá ser considerado culpado
ou inocente, em julgamento a ser realizado pela mesma turma do Supremo.
O julgamento começou no
início da tarde com as manifestações da acusação e da defesa do parlamentar.
O advogado de Aécio, Alberto
Zacharias Toron, contestou as acusações de corrupção e obstrução de Justiça. O
subprocurador da República Carlos Alberto Coelho, responsável pela acusação,
disse haver “farto material probatório” para incriminar o senador (leia mais
abaixo).
Aécio foi acusado em junho
do ano passado, em denúncia da Procuradoria Geral da República, de pedir
propina de R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, dono da J&F, em
troca de favores políticos; e também de tentar atrapalhar o andamento da
Operação Lava Jato. Uma conversa entre os dois foi gravada pelo empresário.
Junto com o parlamentar,
foram denunciados pela PGR a irmã dele, Andréa Neves da Cunha, o primo
Frederico Pacheco de Medeiros e Mendherson Souza Lima, ex-assessor parlamentar
do senador Zezé Perrela (MDB-MG), todos por corrupção. A primeira teria pedido
o dinheiro a Joesley e os outros dois teriam recebido e guardado quatro
parcelas de R$ 500 mil em espécie.
Após as manifestações da
procuradoria e dos advogados, os ministros rejeitaram, por unanimidade, um
pedido da defesa para ter acesso a provas que integram outras investigações,
relacionadas a Marcello Miller.
Depois, negaram também, por
maioria, fatiamento do caso para enviar à primeira instância as acusações
contra Andréa, Frederico e Mendherson, por não terem foro privilegiado.
Dos cinco ministros da
Primeira Turma, quatro entenderam que as condutas estavam imbricadas, de modo
que não seria conveniente separar os processos. O único a votar pelo
desmembramento foi o relator, Marco Aurélio Mello.
Os ministros também
rejeitaram de modo unânime uma contestação à validade das provas usadas na
investigação.
A defesa sustentou que foram
baseadas na delação da J&F, alvo de questionamento pela suposta orientação
do ex-procurador Marcello Miller aos executivos da empresa, quando ainda
integrava a PGR.
Os ministros negaram o
pedido, considerando que a validade do acordo e a manutenção ou não das provas
será analisada em momento posterior, em ação própria.
Votos dos ministros
Relator do inquérito no STF
e responsável por supervisionar as investigações, Marco Aurélio Mello disse em
seu voto que as suspeitas de corrupção e obstrução serão analisados com mais
profundidade durante o processo, no qual a defesa poderá contestar novamente as
acusações com mais provas.
O ministro considerou que
não configuram obstrução de Justiça a atuação de Aécio Neves na discussão de
projetos de lei – para aprovar novas formas de abuso de autoridade e perdoar
prática de caixa 2.
“A articulação política é
inerente ao presidencialismo de coalisão, e não pode ser criminalizada, sob
pena de ofensa a imunidade material dos parlamentares, nesse ponto, mostra-se
insuficiente o que veiculado na peça acusatória”, disse o ministro.
Em outra parte do voto,
porém, Marco Aurélio viu tentativa de embaraço às investigações na pressão
exercida sobre membros do governo e Polícia Federal para escolher delegados
para conduzir os inquéritos da Operação Lava Jato.
“Ocorre que há transcrições
de conversas telefônicas ligações realizadas pelo senador das quais se extrai
que estaria tentando influenciar na escolha de delegados da Polícia Federal em
inquéritos alusivos a Operação Lava Jato [...] Surgem sinais de pratica
criminosa”, disse.
Segundo a votar, Luís
Roberto Barroso considerou que os indícios de corrupção são mais sólidos que os
de obstrução, mas viu indícios para receber a denúncia pelos dois crimes.
"Acompanho o ministro
relator e penso que claramente houve a utilização do cargo de senador para a
pratica de crime”, disse o ministro.
No voto, ele também disse
que recomendaria a suspensão do mandato – disse que desistiu por causa da
decisão do plenário do STF no ano passado que condicionou tal medida a
aprovação do Senado.
“Como não há fato novo, em
respeito a separação de poderes, não estou encaminhando nesse sentido”, disse
Barroso.
Acusação
Representando a Procuradoria
Geral da República (PGR), responsável pela acusação, o subprocurador da
República Carlos Alberto Coelho disse haver “farto material probatório” no caso
e que por isso, a defesa se concentrou, segundo ele, em apontar nulidades
jurídicas na investigação.
Coelho lembrou, contudo, que
a investigação conta com gravações da Polícia Federal do primo de Aécio,
Frederico Pacheco de Medeiros, recebendo dinheiro do diretor da JBS Ricardo
Saud, entre março e abril do ano passado, a mando de Joesley Batista, conforme
combinado previamente com o senador.
Em relação à acusação de
corrupção, o subprocurador disse que Joesley aceitou dar R$ 2 milhões a Aécio
em razão de seu cargo.
“Não há dúvidas de que o
empresário apenas aceitou pagar R$ 2 milhões a Aécio Neves porque esse ocupava
o cargo de senador da República. Os autos deixam claro que não fez o pagamento
por prodigalidade, altruísmo ou solidariedade. Sabia que Aécio estava pronto
para prestar contrapartidas”, disse Coelho.
O subprocurador também
contestou a tese da defesa de que Joesley teria sido induzido pela PGR a forjar
um crime do senador, a partir da orientação do ex-procurador Marcello Miller.
“Não houve em sua execução
[gravação da conversa] qualquer participação do MP ou da PF. Foi realizada
inteiramente pelo colaborador por iniciativa sua e posteriormente entregue à
PGR”.
Defesa de Aécio
Pela defesa de Aécio, o
advogado Alberto Zacharias Toron começou contestando a acusação de obstrução de
Justiça, sob o argumento de que o crime envolve impedir investigação sobre
organização criminosa.
“Não se trata de acusação de
organização criminosa e não há notícia relativamente à prática de estar
inserido em organização criminosa”, disse o advogado.
Toron ainda contestou a
acusação de que Aécio teria tentado obstruir a Justiça na discussão de projeto
de lei contra o abuso de autoridade. Disse que, na tramitação do texto, o
senador propôs eliminar o chamado “crime de hermenêutica”, pelo qual um juiz
poderia ser punido por decisão posteriormente derrubada por instância superior.
“Ele teve condutas claras no
sentido do pleito da Ajufe [associação dos juízes federais]. Como se dizer que
essa conduta significou embaraço? Ainda que assim não fosse, isso se insere na
atividade parlamentar dele”, afirmou o advogado.
Toron também buscou explicar
acusação de que Aécio tentou escolher delegados para conduzir investigações da
Operação Lava Jato. Disse que numa ligação com o então diretor da Polícia
Federal, Leandro Daiello, ele apenas demonstrou insatisfação com o andamento de
inquérito. “Manifesta contrariedade com delegados e não passou disso”.
Em relação à acusação de
corrupção, disse que o crime deve estar atrelado a um “ato de ofício”.
Segundo o advogado, a
denúncia fez “cortina de fumaça” ao não demonstrar uma contrapartida concreta
de Aécio em favor de Joesley.
“É ele [Joesley] que sugere
pagamento em dinheiro. É ele Joesley que fala na questão da Vale”, disse o
advogado.
Toron reafirmou que o pedido
de dinheiro a Joesley partiu de Andréa Neves, irmã de Aécio, para pagar
advogados – a intenção inicial era vender um apartamento da mãe do senador ao
empresário.
Defesa de Andréa Neves
Defensor de Andréa Neves, o
advogado Marcelo Leonardo contestou a validade de interceptações no celular
dela, pelo qual pediu dinheiro a Joesley e marcou encontro do empresário com
Aécio. Disse que não havia autorização para o grampo.
Marcelo Leonardo também
atacou a validade da delação da J&F pela suposta participação do então
procurador Marcelo Miller nas negociações pelo lado dos executivos, citando
documentos da própria PGR que levaram à rescisão do acordo de colaboração.
“A prova daí resultante é
ilícita pela participação indevida de um membro do Ministério Público que
atuava dos dois lados [...] Está evidente que desde o início houve o
direcionamento para que houvesse a entrega do senador Aécio”, disse o advogado.
Ele também reafirmou a
versão de que Andréa procurou Joesley para vender um apartamento da mãe.
“Quando se pega a conversa de Aécio com Joesley ambos fazem referência ao
apartamento. Fica evidenciado que a conversa foi exclusivamente à venda do
apartamento e não há nenhuma gravação de que Andréa tivesse feito pedido de R$
2 milhões”.
Defesa do primo de Aécio
Em nome de Frederico
Medeiros, primo de Aécio, Ricardo Silveira de Mello disse que a participação
dele se limitou à busca do dinheiro, sem conhecimento de que seria propina. “Em
momento algum há referência a participação de Frederico na solicitação daquela
vantagem”, disse. Acrescentou que Aécio disse a Frederico que se tratava de um
empréstimo.
O advogado também citou
declaração de Aécio isentando o primo de responsabilidade no episódio. “O
simples fato de receber o numerário por si só não constitui ilícito penal”,
disse.
Defesa de Mendherson Souza
Lima
Representando o ex-assessor
parlamentar Mendherson Souza Lima, que guardou o dinheiro destinado a Aécio,
Antonio Velloso Neto defendeu o fatiamento da denúncia e envio da parte
relativa ao cliente para a primeira instância, pelo fato de não ter foro
privilegiado.
Em relação à acusação de
corrupção, o advogado disse que ele não participou do pedido de propina.
“Nada foi imputado que
pudesse trazê-lo a essa relação [...] Onde o dolo, onde sua participação? MP
não descreve a participação [na solicitação de vantagem indevida]”, disse.
G1
Nenhum comentário