Entenda como funciona o Mais Médicos e por que Cuba decidiu deixar o programa.
Nesta quarta-feira (14), o
governo de Cuba anunciou a saída dos médicos cubanos do programa Mais Médicos.
A decisão foi tomada em retaliação a exigências feitas pelo presidente eleito,
Jair Bolsonaro (PSL), para a continuação do programa.
Abaixo, entenda como
funciona o Mais Médicos e por que os cubanos são contratados em um regime
diferente daquele aplicado aos profissionais brasileiros e de outras
nacionalidades.
O que é o programa Mais
Médicos?
O Mais Médicos foi criado em
outubro de 2013, no governo Dilma Rousseff (PT). O principal eixo é a
contratação de médicos para atuar em postos de saúde de municípios e
localidades onde faltam profissionais. Além disso, o programa inclui ações de
expansão do número de vagas de cursos de graduação, especialização e residência
médica e melhoria de infraestrutura da saúde.
Que médicos podem
participar?
Há uma ordem na escolha dos
médicos. A prioridade é para aqueles com registro no país. Isso inclui médicos
brasileiros formados no Brasil, mas também estrangeiros formados aqui e
brasileiros ou estrangeiros formados fora do Brasil que tiveram seus diplomas
revalidados pelo governo brasileiro. Se ainda restarem vagas, a oferta é
liberada para médicos brasileiros formados no exterior que não tiveram o diploma
revalidado. Não sendo preenchidas as vagas, podem ser chamados médicos
estrangeiros formados no exterior e sem diploma revalidado no Brasil. Por fim,
se todas essas categorias não completarem o número de vagas oferecidas, são
chamados os médicos cubanos.
Quanto recebem os médicos do
programa?
O valor pago, atualmente, é
de R$ 11.865,60 (houve reajuste no início deste ano). Os cubanos, contudo,
recebem cerca de R$ 3.000. O governo brasileiro arca com o valor total da
bolsa, mas o governo de Cuba fica com a maior parte.
Como é o contrato e o
pagamento a Cuba?
Diferentemente do que
acontece com os médicos brasileiros e de outras nacionalidades, os cubanos
recebem apenas parte do valor da bolsa paga pelo Mais Médicos. Isso porque, no
caso de Cuba, o acordo que permite a vinda dos profissionais é firmado com a
Opas (Organização Panamericana de Saúde). O contrato, portanto, não é firmado
individualmente com cada médico, já que eles são funcionários do Ministério da
Saúde Pública de Cuba. Pelo contrato, o governo brasileiro paga à Opas o valor
integral do salário, que, por sua vez, repassa a quantia ao governo cubano.
Havana paga uma parte aos médicos (cerca de um quarto), e retém o restante.
Isso está previsto no acordo firmado com o governo brasileiro quando o Mais
Médicos foi criado.
Quais as exigências feitas
por Jair Bolsonaro (PSL)?
Segundo publicação do
presidente eleito em sua conta no Twitter, a continuidade do acordo foi
condicionada à "aplicação de teste de capacidade, salário integral aos
profissionais cubanos" e à "liberdade para trazerem suas
famílias".
O que disse o governo
cubano?
O Ministério da Saúde
Pública de Cuba decidiu não mais participar do Mais Médicos.
Em nota, afirmou que
Bolsonaro "com referências diretas, depreciativas e ameaçando a presença
de nossos médicos, disse e reiterou que vai modificar os termos e condições do
Programa Mais Médicos, com desrespeito para a Organização Panamericana da Saúde
e o que foi acordado por ela com Cuba, ao questionar a preparação de nossos médicos
e condicionar sua permanência no programa à revalidação do título e como única
forma a contratação individual." O texto também afirma que "as
mudanças anunciadas impõem condições inaceitáveis e descumprem as garantias
acordadas desde o início do programa".
Qual o tipo de atuação
desses médicos cubanos?
Os cubanos são o último
grupo na lista de prioridade para alocação de vagas. Ou seja, ficaram com as
vagas que não foram preenchidas por brasileiros e por estrangeiros de outras
nacionalidades. Assim, a maioria dos cubanos foi para locais que os outros profissionais
não quiseram ir. Isso inclui periferias de cidades grandes, municípios menores
e com menos estrutura e distritos indígenas.
Há restrição de
nacionalidade para os médicos estrangeiros?
Sim, mas apenas no caso
daqueles que não se formaram no Brasil. Eles não podem ser de países em que a
proporção de médicos por mil habitantes seja inferior a 1,8. Essa é a proporção
que o Brasil tinha em 2013, quando o Mais Médicos foi criado.
Há quantos médicos cubanos
trabalhando pelo Mais Médicos?
Atualmente, o programa soma
18.240 vagas distribuídas em cerca de 4.000 municípios. Destas, cerca de 8.500
(aproximadamente 47%) são ocupadas por médicos cubanos. Eles trabalham em 2.885
cidades, sendo que 1.575 municípios só possuem cubanos no programa (80% desses locais
têm menos de 20 mil habitantes). São 300 os médicos de Cuba que atuam em
aldeias indígenas, o que corresponde a 75% do total que atende essa população. Outras
4.721 (25,8%) vagas são ocupadas por brasileiros formados no Brasil e
3.430 (18,8%) por intercambistas
(médicos brasileiros formados no exterior ou de outras nacionalidades). Há
ainda outras 1.533 vagas que não foram ocupadas.
Como fica o programa? Haverá
alguma mudança imediata?
Ainda não se sabe. À Folha o
ministro da Saúde, Gilberto Occhi, disse que a pasta ainda não foi comunicada
oficialmente da decisão do governo de Cuba. "Estamos avaliando ainda.
Precisamos ser comunicados oficialmente para saber como será a transição",
disse. Questionada, a Opas disse ter comunicado o Ministério da Saúde na manhã
desta quarta-feira (14), após saber da decisão de Cuba. Ainda não há
informações de como deve ocorrer a saída dos profissionais cubanos, mas a
previsão é que os médicos deixem o país até no máximo 31 de dezembro -antes,
assim, da posse de Bolsonaro.
Há médicos brasileiros
suficientes para reposição?
Em tese sim, mas a reposição
levaria tempo. Hoje, há 1.533 vagas não preenchidas entre as 18 mil
disponíveis. Os últimos três editais abertos no programa tiveram vagas
preenchidas apenas com brasileiros. Ainda assim, a saída dos cubanos deixaria
um buraco de 8.000 profissionais, e boa parte da vaga está em locais mais
pobres e com menos estrutura, onde os médicos brasileiros nem sempre querem ir.
Seria preciso, portanto, criar novos incentivos para atrair profissionais a
essas localidades. Mauro Junqueira, presidente do Conasems (Conselho Nacional
de Secretários Municipais de Saúde), acredita que é possível suprir as baixas,
mas isso não acontecerá de forma imediata.
Do Folhapress
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