Transexuais e travestis com identificação com gênero feminino poderão optar por cumprir pena em presídio feminino ou masculino, decide Barroso.
Ministro do STF se baseou em
documentos do governo federal elaborados por meio de interlocução com
associações representativas de grupos LGBTI.
O ministro Luís Roberto
Barroso (foto), do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta sexta-feira (19)
que presas transexuais e travestis com identidade de gênero feminino possam
optar por cumprir penas em estabelecimento prisional feminino ou masculino.
Nesse último caso, elas devem ser mantidas em área reservada, como garantia de
segurança.
Barroso ajustou os termos de
medida cautelar deferida em junho de 2019, na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 527.
Na cautelar deferida
anteriormente, o ministro havia determinado que presas transexuais femininas
fossem transferidas para presídios femininos. Quanto às presas travestis, ele
registrou, à época, que a falta de informações, naquele momento, não permitia definir
com segurança, à luz da Constituição Federal, qual seria o tratamento adequado
a ser conferido ao grupo.
Notável evolução
Ao ajustar os termos de sua
decisão, o ministro registrou que dois documentos juntados posteriormente aos
autos pelo governo federal acrescentam importantes informações à instrução do
processo e sinalizam uma “notável evolução” do entendimento do Poder Executivo
quanto ao tratamento a ser conferido a transexuais e travestis identificados
com o gênero feminino no âmbito do sistema carcerário.
São eles o relatório “LGBT
nas prisões do Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais e
experiências de encarceramento”, do Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos (MDH), e a Nota Técnica 7/2020, do Ministério da Justiça e
Segurança Pública (MJSP).
O relatório apresenta uma
ampla pesquisa de campo com a população LGBT encarcerada e chega à conclusão de
que a decisão mais adequada do ponto de vista da dignidade de tais grupos,
extremamente vulneráveis e estigmatizados, não implicaria apenas olhar para
questões de identidade de gênero, tais como direito ao nome, à alteração de
registro e ao uso de banheiro, mas também para as relações de afeto e múltiplas
estratégias de sobrevivência que eles desenvolvem na prisão.
Nesse sentido, aponta que o
ideal é que a transferência ocorra mediante consulta individual da travesti ou
da pessoa trans. Na mesma linha, a nota técnica também defende que a
transferência seja feita após a manifestação de vontade da pessoa presa. Ambos
os documentos defendem que a detenção em estabelecimento prisional masculino
deve ocorrer em ala especial, que assegure a integridade do indivíduo.
Diálogo institucional
Segundo Barroso, essa
evolução de tratamento dado à matéria no âmbito do Poder Executivo decorre do
diálogo institucional ensejado pela judicialização da matéria, que permitiu uma
“saudável interlocução” com associações representativas de interesses desses
grupos vulneráveis, o Executivo e o Judiciário.
Ele acrescentou não haver
“dúvida” de que a solução sinalizada por ambos os documentos se harmoniza com o
quadro normativo internacional e nacional de proteção das pessoas LGBTI, no
sentido de ser dever dos Estados zelar pela não discriminação em razão da
identidade de gênero e orientação sexual, bem como de adotar todas as
providências necessárias para assegurar a integridade física e psíquica desses
grupos quando encarcerados.
No Brasil, disse ele, o
direito das transexuais femininas e travestis ao cumprimento de pena em
condições compatíveis com a sua identidade de gênero decorre, em especial, dos
princípios constitucionais do direito à dignidade humana, à autonomia, à
liberdade, à igualdade, à saúde, e da vedação à tortura e ao tratamento
degradante e desumano.
Decorre também da jurisprudência
consolidada no STF no sentido de reconhecer o direito desses grupos a viver de
acordo com a sua identidade de gênero e a obter tratamento social compatível
com ela.
O ministro ressaltou ainda
que, dentre os Princípios de Yogyakarta, documento aprovado em 2007 pela
comunidade internacional com o objetivo de produzir standards específicos para
o tratamento da população LGBTI, o de número 9 recomenda que, caso
encarceradas, essas pessoas possam participar das decisões relacionadas ao
local de detenção adequado à sua orientação sexual e identidade de gênero.
Preceitos fundamentais
A ADPF 527 foi ajuizada pela
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) e questiona
decisões judiciais contraditórias na aplicação da Resolução Conjunta da
Presidência da República e do Conselho de Combate à Discriminação 1/2014, que estabeleceu
parâmetros de acolhimento do público LGBT submetido à privação de liberdade nos
estabelecimentos prisionais brasileiros.
A entidade argumenta que
alguns juízos de execução penal estariam interpretando a norma de forma a
frustrar a efetivação dos direitos desses grupos a tratamento adequado no
âmbito do sistema carcerário, resultando em violação aos preceitos fundamentais
da dignidade humana, da proibição de tratamento degradante ou desumano e do
direito à saúde.
Leia
a íntegra da decisão do ministro.
Por Assessoria
Nenhum comentário