Sobre o tempo e o velho relógio da matriz - Por Fabiana Agra.
Relógio da Matriz de São Sebastião em Picuí PB - Foto: Reprodução/Redes Sociais |
Desde que o velho relógio da
matriz teimou em ressuscitar, que tive a certeza: há algo de estranho com a
passagem do tempo. Faz alguns dias que consertaram o dito, e as suas badaladas
estão me levando diretamente para o passado, tanto que quando soam as 4 horas
da tarde, eu me vejo procurando meu velho 3 em 1 para ir ouvir rock com os
amigos na ponte do rio Picuí.
E olha que não sou saudosista,
sou do agora, mas o bater monocórdico das horas do velho relógio da matriz
parece estar esgarçando o conceito de tempo cronológico que habita em mim;
acordo no meio da noite, com a primeira badalada da madrugada, e ao ligar a TV,
vejo que está passando "Amor com amor se paga" (calma, Fabiana, basta
sair do Canal Viva, ora pois). Mudo o canal da TV, e de repente, os anos
passados de agora estão mais distantes do que os anos da jovem infância, e os
anos da velha infância parecem pulular para um futuro distante. Tudo isso,
desde que teimaram - e conseguiram - consertar o velho relógio da matriz.
Será que o tempo está sendo
franzido e esgarçado, ou é apenas o impacto nos tímpanos trazido belo bater das
horas do velho relógio da matriz que está perturbando o equilíbrio interior?
Olho para o calendário do celular, nada mais distante e mais perto do que
aquele julho de 2013; e quando tento ler algo recente, vejo que nada é novo,
que tudo está sendo repetido ad infinitum.
Mas o pior acontece quando o relógio
dá a meia hora - nunca sei que horas são, e caio em um vácuo do espaço-tempo,
onde misturam-se todos os tempos para sinalizar tempo nenhum.
Talvez seja isso, talvez o tempo
não exista, apenas seja uma medida para dar sentido às nossas vidas, e essa percepção
foi acordada pelas badaladas do relógio da velha matriz, que parece ter sido
erguida ontem, após a pandemia que ocorreu não agora, mas que parece ser a
mesma.
Eu só sei que não sei de nada,
mas que desconfio de quase tudo e que, de certeza, sei que o tempo está
passando por uma anomalia, daquelas de fazer até mesmo ele desaparecer daqui.
De repente, o passado pode ressurgir, de repente o futuro poderá ser o agora,
de repente, ficaremos em tempo algum.
Não sei. Só sei que o velho
relógio da igreja matriz voltou a dar as horas e que, desde então, o tempo
ficou curto - e ficou longo.
De repente, o tempo deixou de
existir.
Por Fabiana Agra
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