Governo Bolsonaro promoveu 'desmanche' no combate à corrupção, diz Transparência.
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Organização, que divulgou
ranking de percepção da corrupção, afirma que ex-presidente usou mandato para
destruir aparato de controle e garantir a 'impunidade' a familiares e aliados.
A Transparência
Internacional afirma, em relatório divulgado nesta terça-feira (31), que ações
e omissões do governo de Jair Bolsonaro (PL) promoveram um “desmanche
acelerado” e um retrocesso no combate à corrupção no Brasil.
A avaliação faz parte do
relatório global que mede a percepção sobre a corrupção em 180 países. O Brasil
ficou em 94ª lugar no ranking mundial, considerado um desempenho ruim pela
organização.
Para a entidade, um dos
fatores foi Bolsonaro ter utilizado o mandato, desde o primeiro dia de governo,
para se blindar e blindar a família de investigações sobre denúncias de
corrupção “fartamente comprovadas”.
O ex-presidente também
garantiu proteção, avalia o relatório, ao usar o chamado “orçamento secreto” --
emendas parlamentares cuja distribuição de recursos é definida pelo relator do
Orçamento e não têm critérios claros ou transparência -- para esvaziar o apoio
à tramitação de processos de impeachment no Congresso Nacional.
A consequência, afirma a
entidade, foi a “destruição” de mecanismos, aparatos e credibilidade de
instituições de controle e fiscalização do país.
No ambiente de retrocesso no
combate à corrupção, os anos Bolsonaro avançaram, segundo avaliação da
entidade, para uma “degeneração sem precedentes” do regime democrático brasileiro,
o que levou o país aos ataques golpistas nas sedes dos Poderes em Brasília, no
início de janeiro.
“Os dois processos, de
desmonte do arcabouço anticorrupção e da degradação da governança democrática,
estão estreitamente relacionados”, indica o relatório Retrospectiva Brasil
2022.
Para a instituição, o
retrocesso dos últimos quatro anos só foi possível graças a interferências do
então presidente em instituições independentes e à omissão de agentes públicos
nomeados por Bolsonaro.
A “peça central”, de acordo
com a Transparência, foi a indicação de Augusto Aras para o cargo de
procurador-geral da República, que “não apenas desarticulou o enfrentamento à
macrocorrupção, mas foi também responsável por uma retração histórica nas
funções de controle constitucional dos atos do governo”.
“Muito mais do que frear
processos específicos, ele [Bolsonaro] neutralizou o sistema de freios e
contrapesos da democracia brasileira, desmontando os três pilares que o
sustentam: jurídico, político e social. Com isto, sua blindagem foi muito além
da delinquência passada. Ele garantiu impunidade para cometer novos e muito
mais graves crimes”, diz o documento.
Causa e recomendações
O relatório aponta como
fatores para o “desmonte do arcabouço anticorrupção”:
fragilização das
instituições;
ameaças ao sistema
eleitoral;
esquemas de corrupção
revelados;
ataques ao Supremo Tribunal
Federal;
desmonte das políticas de
proteção ambiental.
Menciona ainda:
recomendações aos Três
Poderes;
e pontos positivos e
negativos no Legislativo e Judiciário.
Fragilização das
instituições
Segundo o documento, o
governo do ex-presidente Jair Bolsonaro teria interferido na atuação de outras
instituições, como a Polícia Federal e a Petrobras.
A entidade cita, por
exemplo, a troca de presidentes da Petrobras por insatisfação do governo
anterior com o aumento do preço dos combustíveis.
Ameaça ao sistema eleitoral
A entidade avalia que o
ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores “levantaram dúvidas em relação à
segurança das urnas eletrônicas, tentando reiteradamente minar um sistema que
se provou confiável ao longo dos anos”.
Um dos casos citados pela
Transparência Brasil é a apresentação feita por Bolsonaro para embaixadores de
vários países na qual repetiu suspeitas já desmentidas por órgãos oficiais
sobre a segurança das urnas eletrônicas.
O relatório lembra ainda
que, após o segundo turno, o partido do então presidente Bolsonaro entrou no
Tribunal Superior Eleitoral com pedido de verificação do resultado das
eleições, sem apresentar provas de fraude.
Investigações contra
corrupção
A Transparência lista
episódios em que o então presidente e aliados foram citados em esquemas com
indícios de corrupção. As apurações não caminharam, segundo a entidade, devido
à interferências de Bolsonaro.
Para a organização, os casos
desmontaram a narrativa criada por Bolsonaro de que não havia mais corrupção no
governo.
O relatório também elenca
como causas para o desempenho ruim do país no ranking mundial de corrupção:
o arquivamento da denúncia
que apura a participação do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em um esquema de
“rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio;
a utilização de servidores
da Receita Federal para ajudar na defesa de Flávio Bolsonaro na denúncia de
participação do esquema de “rachadinhas";
o levantamento que aponta
que ao menos 51 imóveis foram comprados pela família Bolsonaro com dinheiro
vivo;
o suposto esquema para
liberação de verbas pelo Ministério da Educação, no qual foram citados o então
presidente Jair Bolsonaro e o então ministro Milton Ribeiro, e os indícios de
irregularidades na compra de kits de robótica com verbas do Ministério da
Educação e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação;
a utilização da Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para obras
com verbas do chamado “orçamento secreto” e de uso eleitoral;
e uma recomendação aprovada
pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso para que o Tribunal de Contas da
União (TCU) deixasse de suspender obras e serviços públicos sem antes consultar
o Congresso.
Ataques contra o STF
A Transparência
Internacional menciona o perdão da pena concedido por Bolsonaro ao deputado
aliado Daniel Silveira (PTB-RJ), que tinha sido condenado a oito anos e nove
meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal. "O ato do presidente foi
interpretado como um gesto de confronto contra o tribunal”, diz.
“Desde que assumiu, suas
investidas autoritárias se depararam com a resistência institucional do STF, o
que o levou a atacar marcadamente a Corte e seus ministros que passaram,
inclusive, a serem hostilizados nas ruas e nas redes por apoiadores do
ex-presidente”, conclui a entidade.
Desmonte da proteção
ambiental
A Transparência aponta ainda
que o governo Jair Bolsonaro manteve a “desarticulação” de políticas,
mecanismos e órgãos de proteção ambiental no país. A instituição menciona como
consequências desse movimento o aumento no desmatamento em terras indígenas e
de áreas de mineração ilegal.
O assassinato do indigenista
Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips também demonstrou, segundo
a instituição, falhas na proteção de defensores ambientais.
Recomendações
No documento, a
Transparência Internacional faz uma série de recomendações ao novo governo com
o objetivo de retomar a agenda de transparência e integridade.
Estão entre as propostas:
Devolver a autonomia a
instituições como a Polícia Federal, Receita Federal e a Controladoria Geral da
República (CGU);
Respeitar a lista tríplice
para a indicação do próximo procurador-geral da República;
Não fazer uso de mecanismos
como o “orçamento secreto”;
Respeitar a Lei de Acesso à
Informação, reavaliando sigilos indevidos impostos pela administração de Jair
Bolsonaro;
Remover do cargo
funcionários de alto escalão do governo que estejam sob investigação ou
processados por corrupção e delitos relacionados;
Fortalecer estruturas de
investigação de crimes ambientais.
Outros poderes
Em relação ao Congresso
Nacional e ao Judiciário, a Transparência Internacional destacou o envolvimento
desses Poderes com o chamado “orçamento secreto”.
Do lado do Legislativo, o
“orçamento secreto” ganhou o selo de ponto negativo. Segundo a entidade, a
prática ajudou a fortalecer Bolsonaro junto a parlamentares sem posição
ideológica clara – o chamado “Centrão” – e prejudicou o financiamento de
políticas públicas e favoreceu esquemas de corrupção. Outro ponto elencado como
negativo foi a aprovação de mudanças na Lei das Estatais.
No Judiciário, o julgamento
que derrubou o “orçamento secreto” ganhou destaque positivo. Em dezembro, o STF
considerou inconstitucional a prática.
Por outro lado, o Poder
Judiciário contribuiu, segundo avalia a Transparência, para o cenário de
desmonte de combate à corrupção ao derrubar e arquivar investigações. A
entidade critica ainda o ativismo judicial de ministros do STF ao combater
ataques antidemocráticos com violações a garantias constitucionais de “maneira
continuada”.
Por Ana Paula Castro e Kevin
Lima, TV Globo e g1 — Brasília
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