Grupo ligado a Bolsonaro era a favor de braço armado em plano golpista e previa 'apoio dos CACs', disse Cid à PF
Tenente-Coronel Mauro Cid - Flickr photos
Em depoimento, ex-ajudante de ordens relatou a existência de
núcleo mais radical envolvido em trama antidemocrática; ex-presidente
pressionava aliados para identificar suposta fraude nas urnas, jamais
comprovada.
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair
Bolsonaro (PL), afirmou em depoimento à Polícia Federal que havia no entorno do
ex-presidente um grupo de aliados “radicais" favorável a “um braço armado”
no plano golpista. Segundo o relato do militar, após o ex-presidente decidir
reverter o resultado das eleições em 2022, haveria o apoio de Colecionadores,
Atiradores e Caçadores (CACs).
“Que o segundo grupo de 'radicais' era a favor de um braço
armado; que gostariam de alguma forma incentivar um golpe de estado; que queria
que ele [Bolsonaro] assinasse o decreto; que acreditavam que quando o
presidente desse a ordem, ele teria o apoio do povo e dos CACs”, disse Cid em
depoimento à PF. O militar firmou uma delação premiada, já homologada pelo
Supremo Tribunal Federal (STF).
O governo de Jair Bolsonaro concedeu em média 691 registros
de novas armas por dia para CACs entre 2019 e 2022, conforme mostrou
levantamento feito pelo g1. Ao todo, foram concedidos 904.858 registros para
aquisição de armas ao longo de quatro anos, sendo 47% desse total liberados em
2022, de acordo com dados do Exército obtidos por meio da Lei de Acesso à
Informação.
Cid também relatou aos investigadores que o grupo radical no
entorno de Bolsonaro queria o ex-presidente assinasse o decreto golpista com
base em uma interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição Federal, que
trata do papel das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem. O tema já
havia sido decidido pelo STF, que descartou a hipótese de o poder civil se
submeter ao militar. Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente
da Corte, “nenhum elemento de interpretação – literal, histórico, sistemático
ou teleológico – autoriza dar ao artigo 142 da Constituição o sentido de que as
Forças Armadas teriam uma posição moderadora hegemônica”.
Em depoimento à PF, Cid contou que o ex-presidente
pressionava aliados para uma identificação de suposta fraude nas urnas, uma
especulação que foi descartada por diversas instituições e pelas próprias
Forças Armadas durante o processo eleitoral. “Jair Bolsonaro queria uma atuação
mais contundente do general Paulo Sérgio em relação à Comissão de Transparência
das Eleições montada pelo Ministério da Defesa”, afirmou o ex-ajudante de
ordens em sua delação premiada.
A PF afirma que, de acordo com o material analisado, havia
duas frentes de atuação, uma mais conservadora, que agia para desacreditar as
urnas eletrônicas e o processo eleitoral, e uma segunda, que defendia ações
"que resultariam em uma ruptura do Estado Democrático de Direito por meio
de decretação de Estado de Defesa", diz trecho do relório da investigação.
Cid não especificou neste trecho da delação quem integrava o
que ele intitula como "segundo grupo de radicais", que defendia uma
ação militar. Cita apenas alguns nomes que, segundo ele, compunham o primeiro
grupo, como o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, o presidente do
PL, Valdemar Costa Neto, o major da reserva do Exército Angelo Martins
Denicoli.
Cid disse ainda que Bolsonaro costumava repassar “possíveis
denúncias” de fraudes nas urnas sem fundamento para Pazuello, e para o
ex-ministro da Saúde, e Paulo Sérgio, então ministro da Defesa, “para que fosse
apuradas”.
Segundo o militar, além de Pazuello e Paulo Sérgio, o
presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e o major da reserva do Exército Angelo
Martins Denicoli também apoiavam Bolsonaro na investida contra as urnas. “O
grupo tentava encontrar algum elemento concreto de fraude, mas a maioria era
explicada por questões estatísticas; que o grupo não identificou nenhuma
fraude”, disse Cid à PF.
De acordo a delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o
senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) também integraria o grupo empenhado em
desacreditar as urnas eletrônicas. Segundo Cid, o senador usava um documento do
Ministério Público Militar que dizia que o Brasil estava em GLO (Garantia da
Lei e da Ordem), por causa das eleições, e que por isso as Forças Armadas
poderiam pegar uma urna eleitoral sem autorização do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) para realizar testes de integridade.
Em nota, o senador disse que "em nenhum momento"
cogitou, afirmou ou mesmo pensou em "sequestrar, ou confiscar uma urna
eletrônica". "As ações que empreendi após as eleições de 2022 são de
domínio público e estão devidamente documentadas, não se baseiam em conjecturas
ou delações", diz Heinze, em nota.
Procurada, a assessoria de Pazuello afirmou que o deputado
decidiu não se manifestar sobre as denúncias. Já a assessoria de Valdemar disse
só vai se posicionar nos autos. A defesa de Paulo Sérgio esclareceu que o
ex-ministro da Defesa "sempre agiu corretamente, é inocente e confia na
Justiça". A defesa de Bolsonaro ainda não respondeu.
Por Sarah Teófilo — Brasília
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