Morte de Marielle foi idealizada por Domingos e Chiquinho Brazão e meticulosamente planejada por Rivaldo Barbosa, diz PF.
Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do RJ, deputado
federal e ex-chefe da Polícia Civil foram presos neste domingo (24), em
operação que mira os mandantes do crime.
A Polícia Federal aponta nas investigações que a morte da
vereadora Marielle Franco foi um crime idealizado pelos irmãos Domingos e
Chiquinho Brazão e "meticulosamente planejado" pelo delegado Rivaldo
Barbosa, que assumiu o comando da Polícia Civil do Rio de Janeiro um dia antes
do crime, em março de 2018.
A informação está no documento em que o ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), expede os mandados de prisão contra
os três. As ordens foram cumpridas pela PF neste domingo (24). Moraes tirou o
sigilo dos documentos após as prisões.
Os irmãos Brazão são apontados como os mandantes do crime
pelos investigadores. Já o delegado Rivaldo Barbosa é suspeito de participar
ativamente do plano e também obstruir as investigações do assassinato.
Concluída a investigação, o próximo passo cabe à
Procuradoria-Geral da República (PGR), que pode denunciar os suspeitos à
Justiça.
Segundo a PF, Rivaldo Barbosa "foi o responsável por ter
o controle do domínio final do fato, ao ter total ingerência sobre as mazelas
inerentes à marcha da execução, sobretudo, com a imposição de condições e
exigências".
Conforme a investigação, o delegado deu uma "garantia
prévia de impunidade" aos mandantes do crime. Os presos negam as
acusações.
Irmãos Brazão
Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
(TCE) do Rio de Janeiro e Chiquinho Brazão, deputado federal pelo União Brasil.
Os irmãos são políticos com longa trajetória no estado do Rio
de Janeiro. Historicamente, essa família tem um reduto eleitoral e político em
Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, região dominada por milicianos. O nome de
Domingos Brazão foi citado no processo de Marielle desde o primeiro ano das
investigações, em 2018. Ele sempre negou envolvimento com o crime.
Segundo a PF, os dois encomendaram a morte de Marielle por
uma disputa de terras que envolvia interesses da milícia e grilagem.
Para que o crime desse certo, segundo a PF, contrataram dois
serviços:
>o assassinato, praticado pelo ex-policial militar Ronnie
Lessa, que está preso e fechou um acordo de delação premiada;
>e a "garantia de impunidade", por meio de uma
organização criminosa na Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro comandada
por Rivaldo Barbosa.
A decisão de Moraes revela que foi prometido a Ronie Lessa
“terrenos em novas áreas a serem loteadas pelos irmãos Brazão” depois da
execução do homicídio.
Segundo o documento, Rivaldo fez uma única exigência: que
Marielle não fosse executada no trajeto de deslocamento para a Câmara dos
Vereadores do Rio de Janeiro, chegando ou saindo dela.
"Tal exigência tem fundamento na necessidade de se
afastar outros órgãos, sobretudo federais, da persecução do crime em comento,
de modo a garantir que todas as vicissitudes da investigação fossem manobradas
por Rivaldo", diz a PF nos documentos da investigação.
Neste domingo (24), o ministro Ricardo Lewandowski e o
diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disseram que a motivação do crime é
"complexa".
O ministro leu um trecho do relatório da PF que cita
"diversos indícios do envolvimento dos Brazão, em especial Domingos, em
atividades criminosas como milicias e grilagem de terras. Ficou delineada
divergência no campo político em regularização fundiária e direito à
moradia".
"Me parece um trecho significativo sobre o assassinato
de Marielle, que se opunha a esse grupo que queria regularizar terras para fins
comerciais, enquanto o grupo de Marielle queria utilizar essas terras para fins
sociais, de moradia popular", disse o ministro.
Infiltrado no PSOL
De acordo com o texto, os irmãos Brazão infiltraram um
miliciano no PSOL, partido de Marielle, para monitorar a vereadora.
Esse miliciano, então, teria levantado que Marielle pediu
para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia.
Além disso, os investigadores falam de uma “descontrolada”
reação de Chiquinho Brazão sobre a atuação de Marielle na votação do Projeto de
Lei 174/2016 – projeto de Chiquinho que sobre regularização de loteamentos e
grupamentos existentes em Jacarepaguá.
Segundo a decisão, as testemunhas foram "enfáticas"
ao apontar que a atuação de Marielle passou a prejudicar os interesses dos
irmãos Brazão no que diz respeito à exploração de áreas de milícias.
No entendimento da vereadora, as iniciativas de regularização
fundiária pela caracterização de Áreas de Especial Interesse Social (AEIS)
deveriam atender ao déficit habitacional da cidade.
"No entanto, tais instrumentos teriam sido empregados de
forma distorcida pelos irmãos Brazão, apenas para viabilizar a exploração
econômica de espaços territoriais que, não raro, eram dominados por
milicianos", diz a decisão.
Esquema estrutural de corrupção
A investigação também revelou um esquema estrutural de
corrupção na Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro, conduzido por Rivaldo
Barbosa. Não foi a primeira vez que o delegado garantiu a impunidade de
criminosos.
Ele mantinha acordos com os grandes contraventores da cidade
para encobrir a autoria e motivação dos crimes violentos ligados à exploração
de jogos ilegais.
“Esses ajustes indicam a razão pela qual homicídios de grande
repercussão na capital fluminense jamais eram esclarecidos”, diz o texto.
O que dizem os suspeitos
A defesa de Domingos Brazão afirmou que ele é inocente e
divulgou a seguinte nota:
"Domingos Brazão, que desde o primeiro momento sempre se
colocou formalmente à disposição das autoridades para prestar todos os
esclarecimentos que entendessem necessários, foi surpreendido neste domingo
(24) pela determinação do Supremo Tribunal Federal. Em tal contexto, reforça a
inexistência de qualquer motivação que possa lhe vincular ao caso e nega
qualquer envolvimento com os personagens citados, ressaltando que delações não
devem ser tratadas como verdade absoluta — especialmente quando se trata da palavra
de criminosos que fizeram dos assassinatos seu meio de vida — e aguarda que os
fatos sejam concretamente esclarecidos."
A defesa de Chiquinho Brazão não havia se posicionado até a
última atualização desta reportagem.
O advogado de Rivaldo Barbosa, Alexandre Dumans, disse que
seu cliente não obstruiu as investigações. "Ao contrário. Foi exatamente
durante a administração dele que o Ronnie Lessa foi preso", afirmou o
advogado.
Por Andréia Sadi, Paula Paiva Paulo
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