Anvisa tem maioria para manter proibição de cigarros eletrônicos. Medida está em vigor desde 2009.
A maioria dos diretores da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) votou nesta sexta-feira (19) por manter a proibição aos
cigarros eletrônicos no Brasil. Com esse placar, continua proibida a
comercialização, fabricação e importação, transporte, armazenamento, bem como
de publicidade ou divulgação desses produtos por qualquer meio, em vigor desde
2009.
Dos cinco diretores, três votaram a favor da proibição.
Faltam os votos de dois diretores.
Os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), conhecidos
como cigarros eletrônicos, são chamados de vape, pod, e-cigarette, e-ciggy,
e-pipe, e-cigar e heat not burn (tabaco aquecido). Dados do Inquérito
Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em
Tempos de Pandemia (Covitel 2023) revelam que 4 milhões de pessoas já usaram
cigarro eletrônico no Brasil, apesar de a venda não ser autorizada.
O diretor-presidente da Anvisa e relator da matéria, Antonio
Barra Torres, votou favorável à manutenção da proibição desses dispositivos.
“O que estamos tratando, tanto é do impacto à saúde como
sempre fazemos, e em relação às questões de produção, de comercialização,
armazenamento, transporte, referem-se, então, à questão da produção de um
produto que, por enquanto, pela votação, que vamos registrando aqui vai
mantendo a proibição”.
Antonio Barra Torres leu por cerca de duas horas pareceres de
32 associações científicas brasileiras, os posicionamentos dos Ministérios da
Saúde, da Justiça e Segurança Pública e da Fazenda e saudou a participação
popular na consulta pública realizada entre dezembro de 2023 e fevereiro deste
ano, mesmo que os argumentos apresentados não tenham alterado as evidências já
ratificadas pelos diretoras em 2022.
Em seu relatório, Barra Torres se baseou em documentos da
Organização Mundial de Saúde (OMS) e da União Europeia, em decisões do governo
da Bélgica de proibir a comercialização de todos os produtos de tabaco aquecido
com aditivos que alteram o cheiro e sabor do produto. Ele citou que, nesta
semana, o Reino Unido aprovou um projeto de lei que veda aos nascidos após 1º
de janeiro de 2009, portanto, menores de 15 anos de idade, comprarem cigarros.
Ele mencionou ainda que a agência federal do Departamento de
Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (U.S Food and Drug Administration)
aponta que, mesmo com a fiscalização, há comércio ilícito desses produtos.
O diretor ainda apresentou proposições de ações para
fortalecimento do combate ao uso e circulação dos dispositivos eletrônicos de
fumo no Brasil.
Manifestações pela proibição
Durante a reunião da diretoria da Anvisa, foram ouvidas
diversas manifestações a favor e contra a manutenção da proibição do consumo de
dispositivos eletrônicos para fumar no Brasil. Foram exibidos 80 vídeos de
pessoas físicas e jurídicas de diversas nacionalidades.
A maior parte dos argumentos favoráveis à manutenção da
proibição foram relativos aos danos à saúde pública. A secretária da Comissão
Nacional para a Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e
seus Protocolos (Coniq) da Organização Mundial da Saúde (OMS), Adriana Blanco,
manifestou preocupação com a saúde pública dos países que liberaram o consumo
destes produtos e com o marketing estratégico da indústria do tabaco,
especialmente com o aumento do consumo por jovens.
“Ainda não temos uma resposta clara sobre os impactos do
longo prazo de utilização dos DEFs ou da exposição a seus aerossóis, mas as
evidências já nos mostram que não são isentos de riscos e que são prejudiciais
à saúde humana, especialmente para crianças, jovens e grupos vulneráveis.”
A representante da Organização Pan-Americana da
Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), no Brasil, Socorro Gross,
apontou que o Brasil é reconhecido internacionalmente pela política interna de
controle do tabaco desde o século passado. “Essa medida protege, salva vidas,
promove efetivamente a saúde pública e é um passo crucial para um ambiente mais
saudável e seguro para todas as pessoas”.
O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais
de Saúde (Conasems), Hisham Mohamad, fez comparações sobre a piora da situação
epidemiológica e o incremento do contrabando em alguns dos mais de 100 países
onde a comercialização do produto foi liberada. “Constatamos um grande número
de dependência especialmente das novas formas de nicotina que a indústria tem
empregado. E em localidades onde foram liberados, como nos Estados Unidos, a
maior parte vendida no comércio é de produtos ilegais”.
O ex-diretor da Anvisa e ex-ministro da Saúde (2006-2007)
José Agenor Álvares da Silva, relembrou o contexto em que o Brasil conseguiu
banir a adição de flavorizantes que favorecem a adesão da população jovem ao
fumo e inviabilizou a propaganda dos produtos fumígenos nos pontos de venda. “A
Anvisa, que tanto deu exemplo na condução da discussão sobre as vacinas contra
a Covid, tem agora uma oportunidade clara de mostrar para o Brasil e para o
mundo o seu compromisso com a saúde pública do povo brasileiro”, fez o apelo à
diretoria da agência.
A diretora de análise epidemiológica e vigilância de doenças
não transmissíveis do Ministério da Saúde, Letícia de Oliveira Cardoso, apontou
que não existem estudos científicos que comprovem que os cigarros eletrônicos
protegem, substituem ou amenizam os efeitos nocivos dos cigarros normais “Tanto
os cigarros eletrônicos como os cigarros convencionais de tabaco apresentam
riscos à saúde e não devem ser consumidos pela população. Esta precisa ser
informada sobre os riscos de dispositivos eletrônicos de fumar”.
O ex-fumante Alexandre Carlos Vicentini deu seu depoimento
sobre como ficou viciado no produto. “Além das várias cores e sabores, o pior
de tudo é o teor de nicotina que tem dentro desses aparelhinhos. O que é
simplesmente um fator de dependência terrível para mim.”
Contra a proibição
Também foram apresentados argumentos pedindo a regulamentação
do consumo pela Anvisa e pela venda dos produtos, apontando a redução de danos
aos fumantes de cigarro comum, combate à venda de ilegal de produtos
irregulares, sem controle toxicológico e de origem desconhecida. A gestora nas
áreas de assuntos regulatórios, qualidade e logística Alessandra Bastos Soares
defendeu a regulamentação adequada ao consumo de cigarros eletrônicos para que
os consumidores que decidiram pelo uso possam fazê-lo em segurança. “Desejo
que, no futuro, nenhum cidadão levante o seu dedo em riste acusando a Anvisa de
omissão por não ter uma regra adequada para cuidar de um tema que já é tratado
como pandemia do Vape”, alertou.
Já o diretor da British American Tobacco (BAT) - Brasil,
anteriormente conhecida como Souza Cruz, Lauro Anhezini Júnior, afirmou que
consumidores estão sendo tratados como cidadãos de segunda classe. O
representante da indústria de cigarros brasileira pediu que as decisões sejam
tomadas com base na ciência. "Não é a ciência apenas da indústria, é a
ciência independente desse país que também comprova que se tratam de produtos
de redução de riscos. Cigarros eletrônicos são menos arriscados à saúde do que
continuar fumando cigarro comum".
O diretor de Comunicação da multinacional Philip Morris
Brasil (PMB), Fabio Sabba, defendeu que a atual proibição dos DEFs tem se
mostrado ineficaz frente ao crescente mercado ilícito e de contrabando no país.
“Ao decidir pela manutenção da simples proibição no momento que o mercado está
crescendo descontroladamente, a Anvisa deixa de cumprir o seu papel de
assegurar que esses 4 milhões de brasileiros ou mais consumam um produto
enquadrado em critérios regulatórios definidos. É ignorar que o próprio mercado
está pedindo regras de qualidade de consumo”.
Além de representantes da indústria de tabaco, houve
manifestações de proprietários de casas noturnas, bares e restaurantes e de usuários dos
cigarros eletrônicos. O representante da Livres, uma associação civil sem fins
lucrativos delicada à promoção da liberdade individual, Mano Ferreira, condenou
a proibição anterior que não conseguiu erradicar o consumo desses produtos e,
ao contrário, impulsionou o mercado ilegal e informal, especialmente entre os
jovens. “Uma regulamentação eficaz permitiria não apenas uma fiscalização mais
vigorosa, excluindo os produtos mais perigosos do mercado, mas também
facilitaria a transição de fumantes tradicionais para alternativas menos
nocivas”.
O usuário de vapes Preslei Aaron Bernardo Ribeiro, de 36
anos, garante perceber melhora em seu quadro geral de saúde. “Por 20 anos, fui
fumante e utilizei métodos tradicionais, mas não consegui cessar o meu
tabagismo. Mas, com o uso do cigarro eletrônico, consegui parar de fumar o
cigarro tradicional de uma forma muito eficiente, rápida e fácil”.
A preocupação do presidente da Associação Brasileira de Bares
e Casas Noturnas, Fábio Bento Aguayo, foi a dominação do comércio desse produto
pelo crime organizado, facções criminosas e milícias. “O estado brasileiro
deixa de ganhar, deixa de arrecadar recurso [com tributos] para combater essas
atividades ilegais. Brigamos pela regulamentação para defender a sociedade para
ter um produto que tem a garantia sobre a procedência dele”.
Histórico
Desde 2009, uma resolução da Anvisa proíbe a comercialização
dos dispositivos eletrônicos para fumar no Brasil. Porém, produtos ilegais
podem ser adquiridos pela internet, em estabelecimentos comerciais
regularizados e pelas mãos de ambulantes mesmo com a proibição de venda. O
consumo, sobretudo entre os jovens, tem aumentado.
Em fevereiro deste ano, a Anvisa encerrou a consulta pública
para que a sociedade pudesse contribuir para o texto sobre a situação de
dispositivos eletrônicos para fumar no Brasil. A proposta de resolução colocada
em discussão pela agência foi a de manutenção da proibição já existente.
Durante a consulta pública, foram enviadas 13.930 manifestações, sendo 13.614
de pessoas físicas e 316 de pessoas jurídicas. Deste total, contribuições de
fato, com conteúdo, aos dispositivos propostos pelo texto da consulta pública,
foram 850.
Em 2022, a Anvisa aprovou, por unanimidade, relatório técnico
que recomendou a manutenção das proibições dos Dispositivos Eletrônicos para
Fumar (DEF) no Brasil e a adoção de medidas para melhorar a fiscalização para
coibir o comércio irregular, bem como a conscientização da população sobre os
riscos destes dispositivos.
O que são
Desde 2003, quando foram criados, os equipamentos passaram
por diversas mudanças. Os dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs) envolvem
diferentes equipamentos, tecnologias e formatos, tais como cigarros eletrônicos
com sistema aberto (onde a pessoa manipula os líquidos a serem utilizados), com
sistema fechado (refis padronizados e fechados), com tabaco aquecido
(dispositivo eletrônico utilizado com refil de folhas de tabaco), com sistema
fechado tipo pod (semelhantes a pen drives), e vaporizadores de ervas, dentre
outros.
A maioria dos cigarros eletrônicos usa bateria recarregável
com refis. Estes equipamentos geram o aquecimento de um líquido para criar
aerossóis (popularmente chamados de vapor) e o usuário inala o vapor.
Os líquidos (e-liquids ou juice) podem conter ou não nicotina
em diferentes concentrações, além de aditivos, sabores e produtos químicos
tóxicos à saúde, como que contém, em sua maioria, propilenoglicol, glicerina,
nicotina e flavorizantes.
No site da Anvisa, é possível ter mais informações
sobre os cigarros eletrônicos.
Agência Brasil
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