PALAVRA DO SENHOR – A fé e dialética dos afetos . Pe. Edjamir Silva Souza.
A capacidade de surpreender-se faz nascer o filósofo, o amigo
da sabedoria (aquele que desperta o desejo de explorar novos horizontes), mas
também o fazer nascer um bom cristão.
O que acontece quando alguém não se surpreende/encanta com
mais nada? Cai na indiferença (patológico) e vem o tédio (do latim taedere =
estar cansado, não gostar de algo). O tédio está muito próximo de outro
sentimento que é a nostalgia que sempre nos empurra para um armário (um afeto
reprimido), para um passado.
Com essa idéia do surpreender-se entramos no texto do
evangelho proposto para este domingo (Marcos 6, 30-34).
Os discípulos retornam da missão e querem se reunir com Jesus
para dizerem o que viram, o que fizeram e o que ensinaram (v. 30), Porém, Jesus
provoca uma nova saída. A dinâmica da missão não se sustenta apenas nos
“retiros”, “reuniões” ou “isolamentos”, mas é no ir ao encontro com os outros
que alimenta ainda mais a arte do surpreender-se e do compreender o Reino.
Na perspectiva da missão o texto diz que no caminho “Jesus
viu uma numerosa multidão e teve compaixão, pois eram como ovelhas sem pastor”
(v. 34).
“Ter compaixão”. No seguimento de Jesus é fundamental a
dialética dos afetos. É a partir “da linguagem afetiva” e não “da linguagem
angelical” (cf. 1Cor 13, 1ss) que compreendemos a dinâmica do Reino.
Jesus surpreende a muitos, pois seu modo de “estar”, de se
“relacionar”, de “expressar afetos” com as pessoas não são pelas vias de um
catecismo, uma normatividade canônica (legalismo) ou uma autoridade
autoritária, mas pela linguagem do coração.
Nesse sentido, a fé aproxima pessoas, ela não é incolor,
vive-se no sorriso, na palavra, no gesto, num aperto de mão, num afago, numa
selfie. A fé não é uma coisa estranha que nos isola ou nos eleve acima dos
demais. A fé dialoga com os aFÉtos (1Ts 5, 23).
Em Jesus alcançamos sabedoria para o tempo: tempo para
alimentar o corpo (não adianta pregar para estômagos vazios), tempo para
refletir, tempo para orar, para dormir, para dar sentido à vida, para estar com
o outro.
A fé compromete-nos na transformação nossa e do mundo, na
luta contra as injustiças, na promoção das pessoas e na inclusão dos mais
frágeis. A fé nos leva a escutar a Palavra da Vida e não a palavras cheias de
superstições e coisas abstratas.
Na linguagem da 1ª leitura (Jr 23, 1-6), No canto do Salmo
(23/22). Na 2ª Leitura (Ef 2, 13-18) e no Evangelho (Mc 6, 30-34) é nos
apresentado a figura do Bom Pastor que apascenta as pessoas para o caminho da
vida, mas os maus pastores levam as pessoas a uma existência cheia de ilusão,
no caminho da morte, ou seja, “a própria morte os apascenta” (salmo 48 (49),
15).
O conteúdo dos ensinamentos de Jesus era o Reinado de Deus.
Seu método não consistia em explicações descritivas a respeito desse mistério,
e sim na vivência dele entre as pessoas. Isso atraía a multidão, cansada de
tantos discursos vazios. Por isso, trata-se de um ensinamento “novo”, como de
quem tem “autoridade” (Mc 1,27). A existência humana de Jesus era a explicação
do Reinado de Deus “com gestos”.
“Ai dos pastores” (Jr 23, 1), “ai de vós” (Mt 23, 23ss) e “ai
de nós” se concentrarmos nossa vida
apenas, nos surpreendendo com o que temos e conquistamos e esquecermos
de “olhar”, “surpreender” e ter “compaixão” dos outros. Seremos cobrados pela
apatia e nossas indiferenças para com o próximo.
Nossa existência se enriquece quando temos um coração mais
sensível. O mundo no qual vivemos estão repletos de pessoas que vivem como
“ovelhas sem pastor”, sem maiores sentidos de vida, sem propósitos nem
objetivos.
Não somos apenas uma carne para cuidar, ou uma alma para
salvar, mas somos seres humanos vivos, livres, cheios de desejos, de
transcendência.
Às vezes, Jesus nos convida a ir a um lugar tranquilo,
sereno, para conversar sobre isso, para reencontrar a beleza da vida: pensar na
luta dos trabalhadores, jovem em busca de oportunidades e de compreensão, no
esforço de muitos por justiça social. Quanta coisa boa para perceber em nós e
no nosso meio.
Não sejamos demasiadamente ocupados com uma vida vazia. A
compaixão preenche o coração e dá um novo fragor à existência!
Boa semana!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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