Anatel apura fraude na obtenção de celular usado para planejar golpe.
Medida busca aprimorar ações de prevenção às fraudes
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vai apurar
como o tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, um dos militares que a
Polícia Federal (PF) acusa de ter participado do planejamento de um golpe de
Estado, em 2022, conseguiu habilitar ao menos duas linhas de telefone celular
apresentando cópias de documentos de pessoas com quem não tinha relação e que,
segundo os investigadores, não sabiam da fraude. A medida visa ao aprimoramento
das ações de prevenção às fraudes.
“A Anatel instaurou procedimento administrativo com o
objetivo de dar tratamento às medidas a serem adotadas pelas prestadoras de
telefonia móvel quanto ao cadastro de titulares de linhas móveis pré-pagas”,
informou a Anatel, nesta sexta-feira (22), após ser questionada pela Agência
Brasil sobre a aparente facilidade com que o tenente-coronel obteve os dois
números e a responsabilidade das operadoras telefônicas.
Reportagem publicada pela Agência Brasil mostra que, segundo
informações da PF, em dezembro de 2022, Oliveira usou dados da Carteira
Nacional de Habilitação e do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo
do engenheiro Lafaiete Teixeira Caitano para obter um número de telefone da
operadora TIM, registrado em Brasília (DDD 61). Conforme os investigadores,
poucos dias antes, Caitano e Oliveira se envolveram em um acidente
automobilístico sem gravidade, em um trecho da BR-060, entre Goiânia e Brasília.
O engenheiro, então, forneceu ao militar as cópias de seus documentos para que
este acionasse o seguro.
“A equipe de investigação chegou à conclusão de que Rafael de
Oliveira usou os dados de Lafaiete Teixeira Caitano, terceiro de boa-fé, para
habilitar número telefônico que, posteriormente, foi usado na ação clandestina
de 15 de dezembro de 2022. Essa conclusão converge com o processo de
'anonimização', técnica prevista na doutrina de Forças Especiais do Exército,
com a finalidade de não permitir a identificação do verdadeiro usuário do
prefixo telefônico”, apontou a PF ao pedir a autorização do ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para deter, preventivamente,
Oliveira e mais quatro investigados na Operação Contragolpe: o general da
reserva Mário Fernandes; os tenentes-coronéis Hélio Ferreira Lima e Rodrigo
Bezerra Azevedo e o policial federal Wladimir Matos Soares.
Ainda segundo a PF, Oliveira usava um segundo número
telefônico, com o código de área de Belo Horizonte (31), habilitado pela
empresa Vivo, em nome de Luis Henrique Silva do Nascimento, sobre o qual não há
detalhes. “Pelo que consta, o prefixo telefônico [...] foi habilitado no dia
24/06/2022 […] A linha foi rescindida na data de 21/04/2023. […]”, relatam os
investigadores na representação policial entregue a Moraes. Aos policiais
federais, a Vivo informou que, entre 27 de maio de 2022 e 10 de dezembro de 2022,
o aparelho telefônico no qual o número investigado foi inicialmente habilitado
foi utilizado por 1.423 linhas.
“Essa circunstância reforça que o prefixo telefônico
habilitado para a ação do dia 15/12/2022 decorre do emprego de técnicas de
anonimização em massa utilizado pelo grupo investigado”, apontam os
investigadores, referindo-se à data em que o grupo planejava sequestrar e,
eventualmente, assassinar o ministro Alexandre de Moraes. O plano chegou a ser
colocado em ação, inclusive com o monitoramento do ministro, mas foi abortado
por razões ainda não esclarecidas.
Regras
Em resposta às perguntas da Agência Brasil, a Anatel
esclareceu que a Lei nº 10.703, que trata do cadastramento de usuários de
telefones celulares pré-pagos, bem como outras normas, estabelece regras que as
prestadoras do serviço de telefonia devem seguir, zelando pelo correto
cadastramento dos assinantes e adotando medidas para prevenir fraudes.
No curso do processo administrativo, a Anatel avaliará a
eficácia da implementação da biometria, podendo adotar medidas complementares
para prevenir fraudes por meio de habilitações indevidas. Desde novembro de
2021, quando foi implementado o Projeto Cadastro Pré-Pago, qualquer consumidor
pode acionar uma linha móvel pré-paga por meio do próprio telefone celular. O
processo, contudo, exige que o responsável pela linha insira seus dados
pessoais, envie uma foto sua e do seu documento de identificação e informe
dados como o CPF, a data de nascimento e o CEP residencial.
“Tais informações são verificadas pela prestadora, para que o
procedimento de ativação prossiga”, explica a Anatel, assegurando que o
“criterioso processo de validação cadastral” buscou “garantir maior segurança
aos usuários do serviço”. Basta, contudo, uma pesquisa na internet para
identificar ações judiciais movidas por consumidores vítimas desse tipo de
fraude e decisões condenando empresas de celular a indenizar pessoas cujos
dados pessoais foram usados criminosamente.
Algumas dessas vítimas relatam só ter tomado conhecimento da
fraude muito tempo depois de uma linha telefônica ter sido habilitada em seu
nome. Na última terça-feira (19), o engenheiro Lafaiete Teixeira Caitano, cujos
documentos foram usados pelo tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, foi
surpreendido por uma ligação da Agência Brasil, cuja reportagem o informou da
fraude com seus dados.
“Credo! Não estava sabendo desta operação [Contragolpe, da
PF]. Não me fala um trem deste não! Estou no trabalho. Trabalhei o dia todo e
não vi nada. Nunca soube nada sobre um outro telefone em meu nome além do meu.
Nenhuma operadora jamais me comunicou isso e este número com o qual estamos
conversando é o único que habilitei”, comentou Caitano, confirmando ter batido
no carro de Oliveira e ter fornecido ao militar cópia de seus documentos.
“Disponibilizei os documentos para fazermos todo o trâmite junto à seguradora.”
A Anatel disponibiliza, em sua página na internet, um campo
com dicas de segurança contra fraudes e golpes, indicando inclusive os tipos
comuns. Além disso, em respeito às normas em vigor, as empresas do setor de
telecomunicações mantêm um site, o Consulta Pré-Pago, no qual é possível
consultar se há alguma linha pré-paga ativa cadastrada com determinado CPF. A
agência reguladora recomenda que, em casos de suspeita de fraude, o consumidor
entre em contado com a operadora e registre um boletim de ocorrência. Se
necessário, o consumidor pode acionar a própria Anatel e registrar denúncias,
reclamações ou solicitar informações adicionais.
A Agência Brasil perguntou à TIM e a Vivo como o
tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira conseguiu, segundo a PF, habilitar
as duas linhas telefônicas em nome de outras pessoas. A reportagem também
procurou saber quantos casos semelhantes as empresas já registraram e quais as
medidas adotadas para minimizar o risco desse tipo de fraude. As operadoras
delegaram a tarefa de responder ao Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia
e de Serviço Móvel, Celular e Pessoa (Conexis), que representa algumas das principais
companhias do setor (Algar; Claro; Vivo; TIM; OI e Sercomtel).
“As empresas associadas à Conexis Brasil Digital investem de
forma recorrente, em conformidade com a legislação vigente, em diversas
tecnologias de segurança e prevenção a fraudes para proteção de seus clientes e
da sociedade. Também disponibilizam consulta para os clientes verificarem
habilitação indevida em seu nome, pelo Portal de Consultas: cadastropre.com.br.
Os usuários também podem, se necessário, entrar em contato com a prestadora
para efetuar o cancelamento. As empresas ressaltam que estão à disposição para
cooperar com as autoridades e reforçam o compromisso com a segurança e
privacidade de seus clientes", informou a Conexis.
Agência Brasil
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