PALAVRA DO SENHOR – O meu Reino não é deste mundo. Por Edjamir Silva Souza - Padre e Psicólogo.
A Solenidade de Cristo Rei que celebramos hoje foi instituída
pelo Papa Pio XI (1925). Em 1925 o mundo via surgia regimes totalitários
(Comunismo na Rússia/ Fascismo na Itália/ Nazismo na Alemanha) que levaram à 2ª
Guerra Mundial (1 de Setembro de 1939 – 2 de Setembro de 1945). Foi dentro
desse contexto que a Igreja reafirmou que Jesus é o Rei e Senhor do Universo. É
interessante lembrar que próximo ano (Ano Jubilar) essa Solenidade comemorará
100 anos.
O propósito desta solenidade, que conclui o ano litúrgico,
não é fazer de Jesus, de sua mensagem (Reino) ou mesmo sua Igreja mais um
regime totalitário que recrutam cristãos como se fossem militantes de uma
guerra odiosa.
Ao longo desse ano (2024) acompanhamos Jesus a partir do
evangelho de Marcos, durante todo o Tempo Comum. Marcos, por ser o primeiro dos
evangelhos, foca em Jesus como o anunciador do Reino de Deus. Um Reino que é
para todos (cf Mc. 4, 26-41) e que deve ser plantado “aqui” e “agora”: “eu
nasci e vim dar testemunho da verdade” (cf. Jo 18, 37).
O título de rei não pega bem em Jesus. Ele sempre o recusou:
“Quando Jesus percebeu que queriam levá-lo para proclamá-Lo Rei, retirou-se
novamente, sozinho para o monte” (Jo 6,15). Nesta cena, Jesus deixa para traz
as multidões e os discípulos que queriam proclamá-lo Rei. Quando ainda hoje
muitos ficam a gritar em sintomas projetivos: “Viva Cristo Rei!”.
Diante da pressão de Pilatos Jesus acaba revelando que “O seu
Reino não é deste mundo” (cf. Jo 18, 36). O reino de Pilatos não é o reino de
Jesus. Mas, recordemos também, povo de Deus, quando o diabo levou Jesus a um
monte alto e “mostrou-lhe os reinos do mundo e disse: ‘te darei’ este poder e
esta glória, pois a mim foi entregue’” (Lc 4,5). Ainda neste mesmo texto “o
diabo levou Jesus ao pináculo do Templo” (v. 9), expressão do poder religioso
usado muitas vezes para espetáculos da fé e sem compromisso com a justiça do
Reino, e propôs ser “tratado como uma majestade sempre protegida por poderes
miraculosos” (v. 11). SÃO AS GLÓRIAS DO MUNDO E DO TEMPLO QUE SÃO REJEITADAS
POR JESUS.
De um lado, o mundo do poder, da fama, das conquistas
sanguinárias sempre cheias de mentiras, intrigas, vaidades e ambição. E o
resultado disso é um mundo de escravos, de pessoas lançadas na miséria, na
exclusão (inclusive pela religião que usa o poder erroneamente). ESTE É UM
MUNDO QUE PRODUZ MORTE.
O mundo ao qual Jesus propôs tem outras características que
ele foi anunciando ao longo do caminho: um mundo de compreensão, perdão,
fraternidade, de amor, respeito mútuo, inclusão, de paz, de partilha e
solidariedade. Para muitos, o Reinado de Jesus é marcado por gestos de
esperança e da verdadeira “paz como fruto da justiça” (cf. Is 32, 17. Tg 3, 18)
ESTE É UM MUNDO QUE PRODUZ VIDA.
“Tu dizes que sou rei” (Jo 18, 37). Para Jesus não interessa
esse discurso de realeza, mas uma conversa que produza vida também ao próprio
Pilatos ao qual Jesus queria libertá-lo das amarras dos poderes doentios.
“Eu sou a verdade” (Jo 14, 6). Percebam que ele não disse que
“tem a verdade”. A verdade no evangelho de João não é um conteúdo que se
possui, mas algo que se é. No diálogo com Nicodemos Jesus contrapôs quem
pratica a verdade com quem pratica a maldade (cf. Jo 3, 19-21). Portanto,
“verdade e amor são os caminhos do Senhor”. (Salmo 24(25)). É estar em harmonia
com o desígnio do Deus que coloca a vida do homem como um bem precioso. Esta
sim é a verdade: “Todo aquele que é da verdade, escuta a minha voz” (v. 37c).
Percebam mais uma vez que Jesus não diz “quem estar com a
verdade”, como se alguém possuísse a verdade e por causa dela fazer guerras,
disseminar ódio, julgar os outros de morte só pelo fato de não concordar com
seu pensamento. Esse tipo de discórdia pertence ao príncipe deste mundo (Jo 12,
31. Ef 2, 2. Cl 1, 13. 1Jo 5, 19.).
Quem colocou sua vida em sintonia com o amor (mandamento de
Jesus) ouve a voz da plena verdade (cf. Jo 8,47). Compactuar com todo projeto
de vida e liberdade é sinal visível de quem entendeu a lógica do Reino de Deus.
A dignidade do ser humano é o conteúdo essencial do anúncio
do REINO DE DEUS. Pilatos não pôde compreender isso, pois há um mundo perverso
que o circunda.
Quantas vezes a igreja confundiu e ainda confunde o Reino de
Jesus com o reino de Pilatos. Quantas vezes encontramos membros de dentro das
comunidades (papas, cardeais, bispos, padres, monges, consagrados, leigos) com
nostalgia de uma cristandade “fabricada por mãos humanas” de puro poder e
prestígios, esquecendo que o reino de Deus não está “neste” mundo específico (o
mundo de Pilatos).
“Fez de nós um reino” (Ap 1, 6). O que podemos fazer de
melhor nesta terra como vontade de Jesus é formar bons cristãos e bons cidadãos
para que se empenhem em viver um cristianismo sadio que tem nas suas origens a
luta pela paz, pela dignidade humana, pelo respeito e pelo bem comum. O RESTO É
GLORIA DO TEMPLO E GLÓRIA HUMANA.
O Reino de Jesus é um reino de serviço empenhado na bem
aventurança “fome e sede de justiça” (Mt 5, 6). Este é o Reino da Verdade e da
Liberdade de quem quer o bem comum. Muitos falam de verdade e liberdade, mas é
preciso ter cuidado para cair no clichê usado por pessoas que usam a Palavra de
Deus apenas para confundir o povo que não percebe o nível de suas iniquidades.
“Todos o serviam” (Dn 7, 14b). Ao Senhor Deus sejam dados
louvor e glória. E a nossa gratidão a Deus pelos muitos (papas, cardeais,
bispos, padres, monges, consagrados, leigos) que servem a Jesus e ao seu Reino,
na construção de um mundo melhor, diferente dos reinos marcados por tantas
mentiras e maldades.
Neste domingo dedicado aos leigos, recuperemos na igreja a
fraternidade que impulsiona (pastores e rebanho) no único propósito: serviço ao
Amor. Só assim afugentamos a ambiguidade de uma compreensão errônea do Reino de
Deus que, em nossas comunidades, destacam mais os reinos deste mundo que o
próprio Reino de Deus.
Concluímos nossa reflexão com uma pergunta: O que fica mais
em evidência em nossas comunidades é o reinado de Jesus ou o reinado dos muitos
“procuradores romanos”?
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo.
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