PALAVRA DO SENHOR – A esperança que nos liberta.
Celebramos hoje a Festa da Apresentação do Senhor. A liturgia
deste dia é uma reflexão sobre a manifestação do projeto de Jesus como luz do
mundo e o cumprimento das promessas do Reino de amor de Deus.
A 1ª LEITURA (MALAQUIAS 3,1-4) é um texto de reconstrução do
povo de Israel. Houve a reconstrução do templo de Jerusalém, por isso a
esperança do povo de Israel está muito envolvida nestes elementos: templo,
renovação do sacerdócio e renovação do culto.
O termo Malaquias (Hebraico: Mal’akh Yah = meu
mensageiro/anjo) pode indicar um mensageiro anônimo, pois ao dizer que “eis que
enviarei meu mensageiro” (3, 1) quer dizer enviarei Mal’akh Yah, aquele que
prepara um caminho. Nos evangelhos sinóticos (cf. Mt 3 ,1-12. Lc 3, 1-18 e Mc
1-7) Jesus vai dizer que esta profecia se cumpre em Joao Batista. Ele é o
mensageiro/anjo da aliança que desejais (Ml 3 1). Este mensageiro é alguém
desejado.
Há três grandes instituições em Israel: monarquia, sacerdócio
e o profetismo. Em meio a estas três grandes tradições veterotestamentária
apareceram as expectativas messiânicas, onde o Messias seria um grande rei que
veria estabelecer a paz.
Em Deuteronômio (18,15) Moisés já apresentava a expectativa
da vinda de um profeta como ele. No Novo Testamento encontramos a pergunta: “Tu
és o profeta?” (Jo 1, 21), como uma questão reminiscente desse messianismo
profético. Mas há outra expectativa de que o Messias seria um sumo sacerdote
que daria condições de um culto pleno. Ao longo dessa semana ouvimos a Carta
aos Hebreus onde a missão de Jesus é lida nessa chave de interpretação do Sumo
Sacerdócio (cf. Levítico 16).
Estes textos se alinham dentro da expectativa e desejo de que
esta figura venha ser apresentada no Santuário. E qual será a missão deste
mensageiro da Aliança? Vejamos: “Quem poderá resistir ao dia de sua vinda?. E
quem ficará de pé quando ele aparecer?” (Ml 3, 2. cf Josué 1, 5). Aqui ressoa o
profeta Joel quando falou do “dia do Senhor que virá como um juiz” (cf Jo 2,
31). E porque a resistência ao ponto de despertar a ira? “Ele vem como fogo do
fundidor e como a potassa dos lavadeiros. Ele se sentará como aquele que funde
e purifica a prata. Unificará os filhos de Levi e os acrisolará com o ouro e
prata. De modo que eles serão para o Senhor os que apresentam oferenda conforme
a justiça” (Ml 3,3).
O profeta Malaquias se volta contra a qualidade dos
sacrifícios que são oferecidos, de modo que, o anjo da aliança purificará os
filhos de Levi e eles apresentarão oferendas conforme a justiça.
Essa profecia, lida à luz do Novo Testamento, ela sai dos
contornos do Templo, para ser o próprio Jesus, na sua carne e no seu corpo, que
se oferece o sacrifício que agrada a Deus. Paulo ainda complementa a teologia
do culto e do sacrifício que agrada a Deus, dizendo que “ofereçais vós mesmos,
como vitimas agradáveis, os vossos corpos” (Rm 12, 1-3). Portanto, não temos
que retornar para estes cultos de sacrifícios de vitimas mortas.
O cristianismo faz uma boa síntese do verdadeiro culto que
agrada a Deus. As oferendas e os sacrifícios são “suprimidos”, para dizer que,
em Jesus Cristo, a vida é uma oblação oferecida que agrada a Deus.
NO SALMO 23 (24) encontramos uma reminiscência que nos lembra
da entrada da Arca, saindo da casa de Obede-Edom (cf 2Samuel 3, 11-15) e faz a
procissão até o Jerusalém: “levantai-vos, ó portas eternas, afim de que entre o
Rei da Glória”. No contexto da liturgia de hoje, esta entrada se aplica a Jesus
que entra nos braços de Maria.
A 2ª LEITURA (HB 2, 14-18) o autor encontra uma comunidade
com sinais de cansaço e desânimo e faz um convite ao povo “a não abandonar as
assembleias”, pois Jesus, que tem a mesma condição humana, participa da mesma
condição frágil para destruir, com a sua morte, aquele que tinha o poder da
morte, isto é, o diabo.
Em que consiste o poder da morte? O texto diz que, por medo
da morte as pessoas se submetiam a escravidão do mundo. Para os cristãos, a
morte é adormecer no Senhor. Paulo até diz que “morrer é lucro” (Filipenses 1,
21).
O autor sagrado diz que o diabo dispõe desse medo da morte
(física) ou da perda. Pensemos por um instante em nossos muitos medos: medo de
que a vida não de certo, medo de não ser valorizado, medo de não ser
compreendido e acolhido pelos outros, os medos atuais de não ter muitas
visualizações e likes nas postagens, medo de envelhecer, medo dos julgamentos,
medo de ser expulso ou reprovado, medo do outro (assim estamos lhe dando poder
sobre nós)...tudo isso nos submete às servidões deste mundo e a vida fica condicionada
a certas limitações. Esse é o medo que faz a gente perde a liberdade e a
altivez da vida de quem já foi libertado por Jesus Cristo.
Nesses tempos, temos escutado as pessoas dizerem: “Está
amarrado em nome de Jesus!” (ditado popular). Não estamos amarrados, estamos
livres para crescer em Jesus Cristo (cf. Gálatas 5, 1). Jesus não amarra
ninguém. “Estar amarrado” é a teologia do medo, da subserviência e da
escravidão.
Conta-se na história que os guerreiros do Vietnã encontraram
alguns guerreiros escondidos, vinte anos depois, sem saber que a guerra tinha
acabado. Nós temos que anunciar a nós mesmos que já fomos libertados: “Não há
mais condenação para quem está em Cristo” (Romanos 8, 1). Paulo diz: “Essa é a
esperança que não decepciona” (Romanos 5, 5). A Palavra de Deus precisa ser
potente dentro de nós, pois se estamos em Cristo, já somos vitoriosos: “Se Deus
é por nós, quem será contra nós” (Romanos 8, 31). Eis a esperança que nos
liberta.
O autor sagrado supera em nós aquela imagem de religião
docetista: “Ele não veio se preocupar com os anjos” (Hebreus 2, 16), mas com o
que há de mais humano. Só quem abraçou as feridas humanas e da história tem
condições e maturidade de libertar e salvar. A sadia altivez faz a gente se
encontrar e re-encontrar no mundo criado e amado por Deus. Isso causa a boa
coragem de boas motivações para viver.
No evangelho de hoje (Lucas 2, 22-40) Simeão não contempla em
Jesus, nada de extraordinário, apenas um menino frágil. É sob o desígnio do
Espírito que eles contemplam que em Jesus está a salvação que é para todos os
povos: “Luz para iluminar as nações”. (cf. Is 42, 6. 49, 6). O servo de Isaías
é concretizado em Jesus.
A catequese do Messias dominador (presente na teologia do
domínio nos dias de hoje) não se sustentou em Jesus, por isso que sua
simplicidade causa admiração. Todos eles deverão fazer um caminho para entender
que tipo de messianismo será o de Jesus. Também nós devemos fazer o mesmo
caminho.
“O menino será sinal de contradição” (Lucas 2, 34). Quem ler
o evangelho de Lucas (que muito fala em misericórdia) compreenderá o tipo de
contradição que será este menino. Israel tem uma expectativa alta do Messias,
mas esta criança será: “um sinal de contradição”.
Sendo misericordioso, manso e humilde ele balança as
estruturas arcaicas deste mundo hostil. Ao preferir os pequenos, os excluídos,
os pobres deste mundo, ele faz os grandes e os perversos ranger os dentes de
ódio e ciúmes.
As opções que Jesus fará como adulto causará constrangimento
e será caminho de fé. Os pais de Jesus e muitos outros farão esse caminho ora
com alegria ora com o coração “comprimido de dor” pela rejeição do mundo.
É comum que quando uma criança venha à este mundo se tenha
muitas expectativas ao seu respeito, mas também há sempre sinais de
contradições com o que todo mundo aguarda, pois ninguém veio para viver
plenamente no desejo dos outros. Você sabe dizer como a sua família lhe
aguardou? O que diziam sobre você? E o que você tem sido?
Na vida nova em Cristo, sua vida tende a ser um sinal de
libertação para os pobres, os excluídos, os pequenos ou mantemos os costumes,
tradições e fardos pesados sem o sabor da novidade do evangelho? Nossa
consagração é para ser um sinal de contradição ou manter a via das meras
tradições que não geram vida e liberdade?
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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