Morre Francisco, o papa de hábitos simples que lutou para mudar a Igreja.
Primeiro pontífice latino-americano deixa legado de
tolerância e diálogo. Promoveu reformas importantes, acolheu minorias e
priorizou os pobres.
Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, morreu aos 88 anos
às 2h35 pelo horário de Brasília, 7h35 pelo horário local, desta segunda-feira
(21). As informações foram confirmadas pelo Vaticano. O pontífice ocupou o
cargo máximo da Igreja Católica por 12 anos.
"O Bispo de Roma, Francisco, retornou à casa do Pai.
Toda a sua vida foi dedicada ao serviço do Senhor e de Sua Igreja. Ele nos
ensinou a viver os valores do Evangelho com fidelidade, coragem e amor
universal, especialmente em favor dos mais pobres e marginalizados. Com imensa
gratidão por seu exemplo como verdadeiro discípulo do Senhor Jesus,
recomendamos a alma do Papa Francisco ao infinito amor misericordioso do Deus
Trino", diz comunicado oficial.
Nascido em 17 de dezembro de 1936 em Buenos Aires, na
Argentina, Francisco foi o primeiro papa latino-americano da história. Ele
também foi o primeiro pontífice da era moderna a assumir o papado após a
renúncia do seu antecessor e, ainda, o primeiro jesuíta no posto.
À frente da Igreja Católica por quase 12 anos, Francisco foi
o papa número 266. Em 13 de março de 2013, durante o segundo dia do conclave
para eleger o substituto de Bento XVI, Bergoglio foi escolhido como o novo
líder – inclusive contra a sua própria vontade, segundo ele mesmo admitiu.
Relembre a carreira do papa mais abaixo.
Alta após quadro de bronquite
Francisco ficou internado por cerca de 40 dias com um quadro
de bronquite. A primeira hospitalização foi no início de fevereiro. Nos dias
seguintes, o papa começou a ter dificuldades para discursar durante audiências
religiosas. Ele admitiu publicamente que estava com dificuldades respiratórias
e chegou a pedir para um auxiliar fazer a leitura do sermão.
No dia 14 de fevereiro, o papa foi internado no hospital
Agostino Gemelli para fazer exames e tratar a bronquite. Mesmo hospitalizado,
ele continuou participando de algumas atividades religiosas. No domingo (16),
ele pediu desculpas por faltar à oração semanal com fiéis na Praça de São
Pedro.
Já na segunda-feira (17), o Vaticano informou que Francisco
estava com uma infecção polimicrobiana — causada por um ou mais microrganismos,
como bactérias, vírus ou fungos. O quadro de saúde do papa foi descrito como
"complexo".
No dia seguinte, em um novo boletim, o Vaticano anunciou que
o pontífice estava com uma pneumonia bilateral. A infecção é mais grave do que
uma pneumonia comum, já que pode prejudicar a respiração e a circulação de
oxigênio pelo organismo de uma forma geral.
Até a publicação desta reportagem, o Vaticano não havia dado
detalhes sobre o funeral do papa Francisco. A Igreja Católica deve se reunir
nas próximas semanas para decidir quem será o novo papa.
Os desafios do papado de Francisco
Apesar de ter sido eleito papa contra a própria vontade, a
carreira de Francisco no catolicismo foi uma escolha própria do argentino.
Formado em Ciências Químicas e professor de Literatura, o religioso filho de
imigrantes italianos acabou optando por se dedicar aos estudos eclesiásticos.
Seu perfil jovial e descontraído — ele gostava de fazer
piadas e brincadeiras — o tornou uma opção popular entre os colegas cardeais e
uma escolha antes de mais nada conjuntural.
A Igreja Católica vivia então um de seus momentos mais
delicados. A popularidade em baixa e os escândalos de pedofilia envolvendo
padres em todo o mundo são apenas alguns dos desafios que o pontífice
enfrentaria durante seu papado.
A modernidade também levou Francisco a lidar com outros
assuntos delicados para a Igreja, como os direitos LGBTQIA+ e o sexismo.
Ele foi elogiado por avanços como o de permitir bênçãos de
padres a casais do mesmo sexo, colocar mulheres em cargos mais altos no
Vaticano e permitir que elas votassem no Sínodo dos Bispos — a reunião em que
bispos debatem e decidem questões ideológicas e regimentos internos.
Mas também foi criticado por avançar menos do que o esperado
na questão feminina. Francisco terminou seu papado sem permitir sacerdotes do
sexo feminino, reivindicação histórica de parte das católicas.
O papa defendia que apenas cristãos do sexo masculino
poderiam ser ordenados para o sacerdócio, usando como base a premissa da Igreja
Católica de que Jesus escolheu homens como apóstolos.
Discursos políticos e combate à pobreza
O pontífice também ficou marcado por discursos políticos
durantes sermões. Não poupou críticas a líderes de países em guerra, como o
russo Vladimir Putin e o israelense Benjamin Netanyahu. Ele também apontou o
dedo para a União Europeia ao citar a crise dos refugiados, que começou durante
seu papado, em 2015.
Em uma das imagens mais impressionantes e sem precedentes na
Igreja Católica, rezou sozinho na sempre lotada Praça São Pedro, no Vaticano,
quando a Covid-19 se espalhou pelo mundo e fez vários países decretarem
quarentena.
Mas o combate à pobreza sempre foi sua prioridade. Ao ser
apontado como o novo papa, ele escolheu o nome de seu novo título em homenagem
a São Francisco de Assis, protetor dos pobres. O lema de seu papado foi
"Miserando atque eligendo" — "Olhou-o com misericórdia e o
escolheu", em português.
As reformas da Igreja Católica também foram outra marca do
papado de Francisco. Ele iniciou um processo de reforma das estruturas da
Cúria, que é o governo do Vaticano, com atenção especial para a parte econômica
e financeira.
Francisco, ‘um grande reformador’
Aos 80 anos, com dores no quadril que, por vezes, o faziam
perder o equilíbrio, ele não falava de renúncia, como seu predecessor Bento XVI
teve a audácia de fazer.
"Estou indo em frente", disse ele na ocasião,
contrariando declarações mais melancólicas feitas antes disso, em março de
2015: "Tenho a sensação de que meu pontificado será breve, quatro ou cinco
anos".
Francisco parecia impulsionado por uma missão urgente:
incentivar uma Igreja desertada em alguns países a acompanhar com misericórdia
os católicos em situações irregulares.
"Podemos falar de uma revolução, nos passos do Concílio
Vaticano II" (1962-1965), que abriu a Igreja ao mundo moderno, disse à AFP
o especialista em Vaticano Marco Politi, em 2016.
Politi classifica Francisco como "um grande reformador”
que tentou fazer “com que a Igreja abandonasse a sua obsessão histórica em
tabus sexuais".
Ele foi o primeiro papa a ter convidado um transexual ao
Vaticano e se recusou a julgar os homossexuais. Para Francisco, a Igreja era um
“hospital de campanha, não um posto alfandegário", que separa os bons e
maus cristãos, disse Politi.
O argentino foi eleito, entre outros, para continuar a
reestruturação econômica da Santa Sé iniciada sob Bento XVI com, por exemplo, o
fechamento de contas suspeitas no banco do Vaticano, por muito tempo acusado de
lavagem de dinheiro.
"Em termos de doutrina, ele [papa Francisco] não mudou
nada. Neste sentido, nunca fez parte dos progressistas", afirmou Politi.
Segundo o especialista, o papa não tinha a intenção de ordenar padres casados
ou mulheres, e se mostrou horrorizado com o aborto. Ele gostaria que seu
trabalho reformista tivesse "uma continuidade".
O papa tinha um forte consenso entre os fiéis e, também,
entre alguns agnósticos e não-crentes. Mas ele não agradava aos
ultraconservadores, que tentavam desacreditá-lo.
Bergoglio antes de ser papa
Francisco nasceu em Buenos Aires, em 1936. Seus pais, ambos
italianos, chegaram à Argentina em 1929, junto de uma leva de imigrantes
europeus em busca de oportunidades de trabalho na América.
Arcebispo da capital argentina, ele era considerado um homem
tímido e de poucas palavras, mas com grande prestígio entre seus seguidores. O
religioso era admirado pela sua total disponibilidade e seu estilo de vida sem
ostentação.
O argentino também era reconhecido por seus dotes
intelectuais, por ser considerado dialogante e moderado, além de ter paixões
pelo tango e pelo time de futebol San Lorenzo.
Antes de seguir carreira religiosa, Bergoglio formou-se
técnico químico. Depois, ingressou em um seminário no bairro de Villa Devoto.
Em março de 1958, entrou no noviciado da Companhia de Jesus, congregação
religiosa dos jesuítas, fundada no século 16.
Em 1963, Bergoglio estudou humanidades no Chile e voltou à
Argentina no ano seguinte para ser professor de literatura e psicologia no
Colégio Imaculada Conceição de Santa Fé.
Entre 1967 e 1970, foi estudar teologia e acabou sendo
ordenado sacerdote no dia 13 de dezembro de 1969. Em menos de quatro anos
chegou a liderar a congregação jesuíta local, um cargo que exerceu de 1973 a
1979.
Foi reitor da Faculdade de Filosofia e Teologia de San
Miguel, entre 1980 e 1986, e, depois de completar sua tese de doutorado na
Alemanha, serviu como confessor e diretor espiritual em Córdoba. Em 1992,
Bergoglio foi nomeado bispo titular de Auca e auxiliar de Buenos Aires.
Em 1997, ele virou arcebispo titular de Buenos Aires. Em
2001, foi nomeado cardeal e primaz da Argentina pelo papa João Paulo II. Entre
2005 e 2011, ocupou a presidência da Conferência Episcopal do país durante dois
períodos, até que deixou o posto porque os estatutos o impediam de continuar.
Na Santa Sé, Bergoglio foi membro da Congregação para o Culto
Divino e a disciplina dos Sacramentos; da Congregação para o Clero; da
Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida
Apostólica; do Pontifício Conselho para a Família e a Pontifícia Comissão para
a América Latina.
Por Redação g1
Nenhum comentário