Exclusivo: servidores do INSS sofreram ameaças após barrarem descontos ilegais de associações.
Após as ameaças, o INSS mudou regras de fiscalização e
reabilitou entidades descredenciadas; com o recuo no controle, repasses a
associações saltaram para R$ 4,3 bilhões.
O Jornal Nacional teve acesso com exclusividade a novos
detalhes sobre desvios ilegais em benefícios de aposentados e pensionistas do
INSS. Há cinco anos, mais um servidor do instituto denunciou à Polícia Federal
que passou a sofrer ameaças depois de descredenciar associações irregulares.
Em setembro de 2020, a mãe de um servidor do INSS recebeu uma
mensagem no celular. O texto pedia o endereço do filho para "fazer uma
surpresa".
Três dias depois, outro servidor do INSS recebeu uma ameaça
no celular. “Estamos de olho”, dizia a mensagem, que também citava o nome da
mãe dele, o modelo do carro dela e dois endereços do servidor. Esse servidor é
o mesmo que já tinha feito uma denúncia de irregularidades à Polícia Federal.
Os dois servidores atuavam para combater fraudes contra
aposentados por meio de descontos ilegais na folha de pagamento.
Eles procuraram a Polícia Federal em Brasília para prestar
queixa. Dois inquéritos foram abertos, mas as investigações foram transferidas
para a PF no Paraná, já que o número de telefone de onde partiram as ameaças
era de lá.
Na denúncia, um dos servidores diz:
“Em decorrência de decisões proferidas em processos
administrativos de apuração de irregularidades, foram encerrados 3 acordos. Nos
últimos dois meses, outros dois foram suspensos, situação que reflete
diretamente no repasse financeiro das entidades acordantes."
"Considerando que as mensagens contêm informações acerca
da minha atividade profissional e o interesse em minha exata localização, temo
que as ações tenham como objetivo causar intimidação ou coação."
No depoimento, o servidor listou dez entidades que foram
descredenciadas em 2019 e 2020 por conta de irregularidades.
Outro servidor disse à PF que estavam “reforçando um trabalho
de controle e que acredita que as mensagens, que entendeu como ameaças, seriam
decorrentes do trabalho de suspensão e/ou cancelamento de referidos
acordos".
Um mês depois das ameaças, o então presidente do INSS,
Leonardo Rolim, editou uma portaria que transferiu essa atribuição de
fiscalização para outro setor.
Essa movimentação coincide com uma mudança de rota no
controle dos descontos no INSS. Entre janeiro de 2019 e outubro de 2020, dez
entidades foram canceladas e nenhum novo acordo foi assinado.
Já a partir de outubro de 2020 até abril do ano passado, 24
novas entidades foram credenciadas e outras seis, que tinham sido
descredenciadas, foram reabilitadas.
Dados do Portal da Transparência mostram que essas novas
associações, juntas, foram aumentando exponencialmente os descontos.
Em 2020, descontaram R$ 36 milhões. Em 2024, R$ 2,4 bilhões.
Entre janeiro e março de 2025, foram R$ 655 milhões. Ao todo, essas entidades
receberam R$ 4,3 bilhões.
Depois de três anos, os inquéritos foram encerrados sem
chegar ao autor das ameaças. Mesmo após o relato dos servidores, a Polícia
Federal não ouviu representantes das associações e não realizou nenhuma
diligência no INSS e nem nas entidades.
O inquérito que levou à Operação Sem Desconto, que revelou
várias irregularidades nessas entidades, só foi aberto em abril de 2024, depois
que a imprensa já tinha noticiado o caso.
O ex-presidente do INSS, Leonardo Rolim, já disse que a
mudança de atribuição das diretorias que analisavam os contratos das
associações ocorreu no processo de reestruturação do INSS e que ele deixou a
presidência do instituto em 2022 e não sabe o que aconteceu com os contratos
depois disso.
Por Jornal Nacional
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