PALAVRA DO SENHOR – O Cristo da Fé, nos dias da Carne.
Depois de celebramos o Tempo da Páscoa, retomamos a caminhada
do Tempo Comum iniciado com o Batismo de Jesus (mês de Janeiro). O Tempo Comum aprofunda o Mistério de Cristo
na vida do povo de Deus: É o Cristo da fé, nos dias da carne (Jesus histórico).
Acabamos de celebrar uma solenidade (Corpus Christi) onde se
ensinava que, em Jesus, Deus teve um corpo e que se nos deu como alimento:
“Isto é o meu corpo (...), tomai e comei”. No Sacramento da Eucaristia se dilui
(indissoluvelmente) o humano e o divino; portanto, a mística da comunhão é uma
adesão à vida total de Jesus Cristo, na carne.
O cardeal Raniero Catalamessa certa vez disse “é preciso
voltar a compreender: o que pensavam de Jesus seus contemporâneos? Como parecia
para quem o conheceu “nos dias de sua carne”? (...), pois nós não conhecemos o
Jesus “segundo a carne” (cf. 2Cor 5, 16); conhecemos o Cristo que encontramos
na fé da Igreja, o Cristo “espiritual”. Este também deve ser o objetivo, porque
o Jesus da história é o mais perto de nossa situação atual de lutas, alegrias,
sofrimentos; longe das “engenhosas fábulas”” (CATALAMESSA, Raniero. O Verbo se
fez Carne”; trad. Cornélio DallÁlba. São Paulo: ed. Ave Maria, 2012. p. 658).
Mas, que meio temos para chegar ao Jesus que nasceu em Belém,
viveu em Nazaré e morreu em Jerusalém aos 30 anos? A resposta é: os evangelhos!
Antes de mergulhar no texto de hoje, permitam-me algumas questões: em nossas
comunidades, nossos grupos mergulham mais nos evangelhos ou nos manuais
devocionais? Conhecemos “o Jesus segundo
a carne”? Ou as pregações “engenhosas cheias de fábulas” de gurus
espiritualizados?
Vamos à reflexão a partir do Evangelho proposto para este
domingo (Lc 9, 18-24). O Texto começa com esta informação: “Certo dia, Jesus
estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estava com ele” (v. 18a). O
texto, no Grego, diz: “Ele estava sozinho orando, e os discípulos estavam com
ele”. Mas, como isso é possível, estava orando sozinho na companhia dos seus
discípulos? Lucas quer indicar, como já fez em outras ocasiões, que os
discípulos acompanham Jesus, mas não o seguem. É caminho paralelo. Ele está na
solidão e os discípulos não são solidários com ele.
No v. 18b se diz “Então, Jesus perguntou-lhes: ’quem diz o
povo que eu sou?’”. A pergunta analisa o efeito da pregação que eles fizeram ao
povo. A resposta do povo sugere um fracasso da pregação dos discípulos, pois o
povo não reconhece Jesus como o Filho de Deus: “uns dizem que és João Batista;
outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que
ressuscitou” (v.19). Todos O relacionam com figuras do passado, ninguém entende
a novidade da Boa Nova de Jesus. É UM POVO ENRAIZADO NO PASSADO.
“E vós, quem dizeis que eu sou? Pedro respondeu: ‘Tu és o
Cristo de Deus’” (v. 20a). A resposta parece muito acertada, mas no decorrer do
texto vai ficando evidente que o “Messias” que os discípulos esperavam seria
aquele valente guerreiro, vingativo, que viesse fazer justiça ao Povo de
Israel: “ o leão da Tribo de Judá. A imagem desse Messias valente é evocada, em
tons de deboche, pelos inimigos de Jesus, quando ele estava na cruz: “Não és tu
o Cristo, salva-te a ti mesmo e a nós”. (Lc 23,29). É uma resposta tão errada
de Pedro que Jesus reage: “Jesus proibiu severamente que contassem isso a
alguém” (Lc 9, 21). Recorde-se que João Batista apresentou Jesus como
“Cordeiro” e não como Leão.
O verbo “repreender” usado aqui com o Pedro é o mesmo usado
contra os demônios. Jesus “quis exorcizar” esta imagem equivocada que se tem do
Filho de Deus. Como contraste, anuncia: ”O Filho do Homem deve sofrer muito,
ser rejeitado pelos Anciãos, pelos Sumos Sacerdotes e Doutores da Lei, deve ser
morto e ressuscitar no terceiro dia” (9,22).
Nos evangelhos Jesus anuncia a si mesmo como Filho de Deus,
isto é, Deus na condição humana. Essa apresentação de si despertava ódio por
parte dos representantes do Sinédrio, pois acreditavam ter credenciais de
domínio para julgar os homens e condená-los. Assumindo a nossa condição humana,
o Filho de Deus, se apresenta como alguém que não veio condenar (cf. Jo 17, 3),
contrariando as credenciais do próprio Sinédrio, mas salvar o ser humano já tão
fadado do peso dessas prerrogativas: perseguir, julgar, excluir, condenar e
matar.
Por isso que Jesus apresenta o Sinédrio (os anciãos/o sumo
sacerdote e os escribas (teólogos)) – o órgão jurídico de Israel – como
responsável de sua condenação morte. O Sinédrio que se apresentava como
representante de Deus, quando o Filho de Deus veio até nós, não O reconhece e
pede até a Sua morte.
“Se alguém quer me seguir (...) tome sua cruz cada dia e
siga-me” (Lc 9, 23.). Essa é a resposta de Jesus a quem o acompanha, mas não o
segue. O negar a si mesmo é não ter medo de ser excluído, por causa da
coerência com o evangelho. O negar a si mesmo, não é aquele terrorismo
proselitista que esvazia as pessoas ao ponto de despersonalizá-las,
infantilizá-las e manipulá-las.
Jesus não oferece a cruz a ninguém, mas sabia que
acompanhá-Lo é perigoso e requer maturidade humana e espiritual. Há uma dura
possibilidade de que o discípulo que acompanha Jesus enfrente rejeição, todo o
tipo de insultos e solidão. O EVANGELHO NEM SEMPRE GERA UMA BOA REPUTAÇÃO.
Em outra ocasião Jesus dizia que o discípulo que “busca a
glória uns dos outros, não entende o Reino de Deus” (cf. Jo 5, 44). Por isso,
não deve dar muita razão a sua imagem pessoal, reputação, carreira; pois quem
vive se poupando de críticas, de falsidades, etc..não tem o perfil de ser livre
para seguir Jesus (cf 2Cor 11, 18.21b-30), no máximo só consegue agradar as
instituições (representadas pelo Sinédrio) com o intuito de ganhar algo em
troca: querer aplausos.
“Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, e quem perder a
sua vida, por causa de mim, salvará” (Lc 9,24). Esta é conclusão do evangelho
de hoje e seu eco chega à nossa geração (adolescentes, jovens, casais, idosos).
Quem vive para si destroe sua existência. Mas, se abraçamos a causa do
evangelho (“Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres, libertar os
presos...” (cf Lc 4, 18-19)) – que é causa humanitária – teremos vida autêntica
e Deus nos salvará. Não existe um Cristo desencarnado, só na cabeça dos
espiritualistas que não caminha pelo evangelho.
Concluo com uma provocação filosófica para quem quer seguir
Jesus e testemunhá-Lo: “Não viva para que sua presença seja notada, mas que sua
ausência seja sentida” (Bob Marley). Faça o bem e saia de cena. Que são João
Batista, homem de fé, coerência e austeridade, interceda por nós.
Boa Semana!! Boas festividades e viva São João!!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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