PALAVRA DO SENHOR – Hospitalidade e Escuta
O TEMA DA HOSPITALIDADE tem
sido frequente na liturgia, nestes últimos dias. É um tema caro ao Povo de
Israel que começou sua história peregrinando desde Abraão. A leitura atenta da
Palavra de Deus vai intuindo que só quem tem mente aberta e coração dilatado é
capaz de discernir o Mistério de Deus.
A liturgia nos lembrou,
estes dias, do pecado de Sodoma e de Gomorra. Embora o Gênesis tenha acusado de
pecado, por questões sexuais, estas duas cidades, o profeta Ezequiel (cf. 16,
49-50) descreveu a destruição de Sodoma e Gomorra como resultado de um povo
orgulhoso, sem compaixão, de injustiça social: com abundância de comida e a
negligencia com os pobres e necessitados. A destruição se deu por arrogância e
falta de hospitalidade.
No início do cristianismo os
missionários eram chamados de discípulos do caminho. A Igreja era itinerante e
os cristãos eram chamados à hospitalidade. ACOLHER É UM PRINCÍPIO EVANGÉLICO: A
Carta aos Hebreus (13,1ss) diz: “Perseverai no amor fraterno, não vos esqueçais
da hospitalidade, pois graças a ela alguns hospedaram anjos sem o perceber”. Na
Carta a Tito (1, 7s) se diz que, entre as coisas que se espera daquele que é o
epíscopo (bispo): “Que ele seja administrador de Deus irrepreensível, não
arrogante, não dado à ira, não dado ao vinho, não seja violento, não seja
avarento. Pelo contrário, que ele seja hospitaleiro, amigo do bem, santo,
justo, tenha o domínio de si”.
Na 1ª leitura (Gn 18, 1-10)
no relato da visita do Senhor a Abraão e a promessa do Filho, escutamos a
fraterna atitude do Patriarca Abraão para com o Senhor que lhe visita junto ao
carvalho de Mambré: “Meu Senhor, se ganhei tua amizade, peço-te que não
prossigas viagem sem parar junto a mim, teu servo. Mandarei trazer um pouco de
água para vos lavar os pés, e descansareis debaixo da árvore. Farei servir um
pouco de pão para refazerdes vossas forças, antes de continuar a viagem. Pois
foi para isso mesmo que vos aproximastes do vosso servo”. Eles responderam:
“Faze como disseste”. Abraão entrou logo na tenda (...)” (v.v 3-6).
O Salmo Responsorial 14(15)
que cantamos neste domingo também fala de hospitalidade: “Senhor, quem entrará
em tua casa?”. E o salmista responde: “Aquele que caminha praticando a justiça,
que diz a verdade do coração, que não inflama as pessoas com mentiras, que não
faz o mal ao seu próximo, que não insulta o seu vizinho, que não aprecia os
malvados, mas honra ao Senhor. Aquele que sustenta o que falou mesmo com
danos”. E continua: “Não dá dinheiro para usura e não aceita subornar contra os
pobres e inocentes”. O salmista canta a autenticidade de quem é verdadeiro, que
não trata mal as pessoas e nem usa o dinheiro para a o crime, mas que tem as
mãos limpas de todo o tipo de maldade.
Na 2ª Leitura Colossenses
(1, 24-28). Paulo testemunha a alegria de ter acolhido o Mistério de Jesus em
sua vida, em favor dos irmãos de comunidade. Na Carta aos Gálatas. (4,19) o
apóstolo diz que gerar Cristo nos cristãos não é fácil: “meus filhos, por vós,
sinto de novo, as dores de parto até Cristo ser formado em vós”.
Quem um dia acolheu Jesus
tem que estar aberto a certas dores do processo de aprendizagem. Acolher
(hospitalidade) mexe com a gente e muda o ritmo da vida.
Os processos de humanização,
socialização, fraternidade, são altamente desafiadores. Para alguns até
cansativos e dolorosos, mas tem um resultado muito bonito.
Paulo testemunha que para
fazer chegar o Mistério de Cristo às comunidades enfrentou todo o tipo de
desafios. Mas, procurou apresentar o amor de Cristo a todos e “um por um”.
Em Lucas 10, 38-42 ouvimos
que Jesus caminhando para Jerusalém é recebido na casa de seus amigos: Marta,
Maria e Lázaro (parece que só as duas estão em casa). Marta é a primeira a
acolher o Senhor, manifesta a alegria de receber sua presença. Mas é Maria que,
além de acolhê-lo, fica para ouvi-lo e aprender as coisas do Reino.
Jesus disse, certa vez, que
sua família “é todo aquele que escuta e vive a sua palavra” (cf. Lc 8,19-21. Mt
12, 46-50). Betânia é uma casa bem familiar a Jesus. Mas, alguém ali ainda
precisa aprender a “parar um pouco” para “ouvi-lo”.
É óbvio que faz parte da
hospitalidade as duas atitudes, mas como diz a Sagrada Escritura: “tudo tem seu
tempo e sua hora” (cf. Eclesiastes 3, 1-8)
“Maria estava aos pés do
Senhor” (v. 39). Estar aos pés é uma expressão bem típica do discipulado: Em
Lucas (8, 35) se diz: “As pessoas foram ver o que havia acontecido e chegaram
junto de Jesus e encontraram o homem, de quem havia saído os demônios, SENTADO
AOS PÉS DE JESUS”. Em João (Atos 19- 25-42) se diz: “Ao pé da cruz estavam sua
mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cleófas e Maria Madalena (...) o
discípulo amado”. Em Atos (22,3) Paulo
fala de si – em relação a Gamaliel, neto de Hilel – Paulo diz que é “judeu
nascido em Tarso da Cilicia, mas criado
nessa cidade “aos pés” de Gamaliel”. Portanto, O texto de hoje está nos dizendo
que Maria estava numa atitude de discípula, aprendendo, mas Marta estava
“agitada, ocupada e fazendo muitas coisas”.
A cultura judaica prioriza o
homem como aquele que escuta, medita, ensina a Palavra de Deus e posiciona a
mulher apenas como mãe, esposa e dona de casa. Jesus, rompendo com certas tradições, testemunha que as mulheres estão
“aos pés”, como discípulas, mas também como missionárias exercendo ministérios.
Na comunidade da Nova
Aliança se supera os desequilíbrios entre homens e mulheres. Elas têm a
liberdade e isso não pode ser tirado. Jesus as convida a saírem da agitação,
para ser discípulas e missionárias.
“Tu andas agitadas por
muitas coisas, agora, uma coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e
não será tirada” (Lc 10, 41-42). Às vezes, estamos tão agitados sobre os fardos
pesados da vida, querendo obsessivamente organizar as coisas e não percebemos
que o “demônio do dever” tem se sobreposto acima da nossa liberdade.
Carlos Drummond de Andrade
diz: “A conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira que, por medo da
bagunça, preferimos normalmente optar pela arrumação”. Nem sempre organizar-se
demais ou sistematizar demais são sinais de que estamos fazendo a coisa certa.
Por vezes, a sistematização leva a segregação e a excluir pessoas e coisas
realmente importantes.
Há comunidades, grupos e
pessoas que andam tão “agitadas” e “preocupadas” com o esteticismo litúrgico,
as reformas de patrimônios, no frenesir do “fazer tantas coisas” que nem
percebem o quão estão se esvaziando do que e essencial: “Buscai em primeiro
lugar o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6, 33).
“A arte de Escutar” a nós
mesmos e aos outros tem sido um apelo de nossos tempos. Talvez isso se explique
os desencontros de casais, de irmãos, colegas de trabalho, pessoas da
sociedade.
SABER ACOLHER, ESCUTAR,
COMPREENDER E COMPARTILHAR DEVE SER UMA PRIORIDADE ABSOLUTA NA VIDA DE NOSSAS
COMUNIDADES. A Igreja deve ser o lugar privilegiado do acolhimento da proposta
do Evangelho, mas também saber acolher as pessoas.
Em Betânia aprendemos que o
equilíbrio na vida comunitária: Marta (ajudar – viver pára) e Maria (escutar –
estar com) são essenciais para o ser humano. Lembre-se que, no final da vida,
seremos examinados pelo Amor.
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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