PALAVRA DO SENHOR – A Porta é estreita, mas está aberta.
Que porta é esta que ao mesmo tempo em que está aberta, é
estreita? Que para entrar é preciso esforço, mas que alguns podem não entrar?
O trecho do evangelho deste domingo (Lc 13, 22-30) está
situado no caminho para Jerusalém: “Jesus caminhava para Jerusalém” (v. 22). É
próprio de Lucas apresentar o ministério de Jesus num longo caminho, uma longa
viagem, um novo êxodo. É uma forma de ligar a mensagem salvífica de Jesus ao
êxodo dos hebreus: da terra da escravidão à terra da libertação.
Jesus caminha para seu destino, para cumprir a causa de sua
vida e terá pela frente a dura condenação por parte de muitos religiosos.
No caminho, alguém lhe pergunta: “Senhor, é verdade que são
poucos os que se salvam?” (v. 23). Jesus não responde sobre a quantidade, mas
quem. E como que de forma a atacar a mentalidade nacionalista de sua época,
responde: “Esforçai-vos por entrar pela porta estreita. Porque muitos tentarão
entrar e não conseguirão. Uma vez que o dono da casa se levantar e fechar a
porta, vós ficareis do lado de fora” (v.v. 24-25a). Quem estava habituado a
ouvir Jesus com palavras doces e mansas, agora se surpreende com ele usando um
tom duro com alguns de seus ouvintes.
“São poucos os que se salvam?”. É importante colocar esta
pergunta dentro de um contexto. Ela surge de um letrado, de alguém que estudava
as tradições e as leis judaicas; portanto, era um Judeu. Os pagãos não pensavam
muito nessa questão, pois se dizia que eles não alcançariam a salvação.
No meio do judaísmo, naquela época, essa pergunta dividia
opiniões. A Mixná (coletânea de tradições do judaísmo desde o século IV a.C até
o século II d.C) dizia: “Todo o povo de Israel se salva”. Então, eles julgam-se
salvos. Para eles, poucos os israelitas que são pecadores é que não se salvam.
Mas, a salvação tem condições especiais aos israelitas. Eles acreditavam que
era um direito adquirido por causa de sua condição de “povo de Deus”, “povo das
promessas”, “povo dos beneficiários das promessas feitas desde a Abraão e sua
descendência até o Messias”.
Jesus desvia a questão para o que é essencial. A salvação não
é um direito que advém da religião, da raça, da pretensa a um povo, da
convivência com os mais religiosos, a salvação é uma opção que cada pessoa deve
fazer livremente e optando “por quem” e “pelo que”. A salvação não tem nada com
méritos, mas um dom gratuito de Deus. O que se precisa é acolher aquilo que se
propõe como justiça divina.
A entrada por essa porta não é porque é difícil ao ponto de
que as pessoas precisassem fazer sacrifícios dolorosos para entrar por esta
porta. O salmista já cantava: "Tu não queres sacrifícios, nem ofertas, nem
holocausto e nem oblações” (51, 16). O que Jesus pede é para abrir os olhos e
ficar vigilantes nos seus ensinamentos, pois por falta de sabedoria, poderia
fazer muita gente encontrar a porta fechada.
Jesus se opõe a um judaísmo que fechava as portas para que as
pessoas tivessem acesso à salvação, para o Reino de Deus. As portas estão
abertas para todos: “Virão gente do oriente, do ocidente, do norte e do sul e
sentarão a mesa do Reino” (v. 29).
Mas, alguns encontrarão a porta fechada. Quem são estes? “Vós
encontrareis a porta fechada e começareis a bater, dizendo: ‘Senhor, abre-nos a
porta! ’Ele responderá: ‘não sei de onde sois’, Então começareis a dizer: ‘nós
comemos e bebemos diante de ti, e tu ensinaste em nossas praças!’ ele, porém,
responderá: ‘não sei de onde sois. Afastai-vos de mim todos os que praticais a
injustiça’” (Lc 13, 25b-27). O texto não fala de quantidade, mas de pessoas que
estão em comunhão com Jesus.
“Comer e beber diante de ti” (v. 26a) pode ser uma alusão aos
inúmeros banquetes eucarísticos celebrados. E prosseguem: “ensinastes nas
nossas ruas” (v. 26b), quer dizer, foram nutridos pela Palavra de Jesus. Mas,
Jesus diz “não vos conheço” (v. 27) e, além disso, Ele repete o Salmo 6, 8 que
diz “Afastai-vos de mim, todos vós que praticais a injustiça/mal”.
É estranho dizer isso, mas Jesus não se importa muito com o
tipo de devoção (relação) que as pessoas possam ter com Ele e com o Pai, mas
Jesus está interessado na qualidade dos frutos que nascem do relacionamento com
Ele e com o Pai dado aos outros: atos de amor, de misericórdia, de compaixão,
partilha generosa, etc.
São estas coisas que nos põe em relação com Deus. Jesus
faz-nos intuir que Deus não nos perguntará se cremos Nele, mas se amamos como
Ele amou. Por isso que a resposta é dura: “eu não vos conheço”.... É como se
dissesse: ‘você não parece comigo, pois se parecesse comigo saberia que tenho
preocupações de como as pessoas se comportam umas com as outras. A religião não
salva, mas tem o poder de religare, então ela pode ser instrumento de salvação.
Mas, se ela não ajuda a compreender isso, então, escutaremos: “não vos
conheço”.
Quantos de nós estamos empenhados com ritos, adereços,
símbolos, vestes, louvores, celebrações, adorações, multiplicação de orações e
cultos, etc....achando que só isso seja o essencial para agradar a Deus. Jesus
ensina que é a dimensão ética da justiça (ser dom eucarístico para os outros)
que nos faz caminhar para a salvação.
“Ali haverá choro e ranger de dente, quando virdes Abraão,
Isaac, Jacó, junto com todos os profetas do Reino de Deus, e vós, porém, sendo
lançados fora. Virão homens do oriente e ocidente, do norte e do sul, e tomarão
lugar à mesa do Reino de Deus” (Lc 13 ,28-29). São duras as palavras de Jesus.
É o fracasso de quem se achou salvo, mas não encontrou a porta aberta. Não
encontrou a porta aberta por que está fechado ao Reino e ao próximo. A vergonha
deles será em saber que os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os
últimos.
Quem está preocupado com o culto a Deus, mas despreza os
pobres terá um destino final duro. Se Israel não transformar o conhecimento que
tem de Deus em amor ao próximo, será excluído. Inclusive, pelas mesmas pessoas
que um dia excluiu.
Não é costume de Jesus apresentar o Reino de Deus com
elementos litúrgicos (culto), mas com elementos de convivência e fraternidade.
O Reino é apresentado à medida de um banquete fraterno, uma festa onde “os
últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos” (v. 30).
Tenhamos cuidado com nossa presunção de achar que já estamos
salvos por sermos católicos; repito, cuidado com nossa presunção teológica e
legalista de achar que só os católicos serão salvos, ficar se vangloriando por
não pertencer aquela determinada religião que a gente acha que não será salva,
por não celebrarem como a gente celebra, por ser de uma determinada etnia,
classe social, gênero, por acreditar de modo diferente ou por se comportar de
modo diferente: CUIDADO! NÃO SE ENVENENE COM GENTE PRESUNÇOSA (cf. Sl 1).
Concluo com um ensinamento do Papa Francisco: “Deus não
pertence a nenhum povo”.
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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