Advogado diz que houve conivência de servidores com fraudes do INSS
Eli Cohen começou a investigar fraudes nas aposentadorias em
2022
Considerado uma das primeiras pessoas a apontar a ilegalidade
de grande parte das mensalidades associativas descontadas dos benefícios
previdenciários de milhões de aposentados e pensionistas, o advogado Eli Cohen
afirmou aos integrantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que uma fraude tão extensa e
complexa não funcionaria sem a conivência de servidores públicos e o
envolvimento de ocupantes de cargos públicos de alto escalão.
“Esse crime não poderia ter sido realizado se você não
tivesse no seu bolso o presidente do INSS, todo o Departamento de Benefícios do
INSS e, na minha opinião - e tenho certeza de que os senhores vão chegar lá -,
um ministro da Previdência”, disse Cohen ao depor a CPMI, nesta segunda-feira
(1).
Inquerido por deputados federais e senadores por cerca de
oito horas, Cohen disse que tomou conhecimento das fraudes em dezembro de 2022,
ao ser contratado por dois dirigentes de duas entidades autorizadas pelo INSS a
oferecer a seus associados a possibilidade de optarem por pagar as mensalidades
associativas com descontos em suas aposentadorias e pensões. Segundo o
advogado, seus dois primeiros clientes eram pessoas simples, também
aposentadas, usadas como laranjas no esquema que envolvia várias associações e
entidades associativas.
“Eles foram ao escritório porque não conseguiram comprar uma
geladeira. O nome deles estava sujo […] Eu os atendi e - tenho até vergonha de
falar - em dez minutos eu sabia que era uma fraude endêmica”, contou Cohen.
Em abril deste ano, a Operação Sem Desconto, deflagrada pela
Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), tornou público
que milhões de autorizações de descontos de mensalidades associativas foram
fraudadas ao longo dos últimos anos, muitas vezes sem que os aposentados e
pensionistas sequer soubessem da existência das entidades com que estavam
contribuindo financeiramente. No mesmo dia da operação, o então presidente do
INSS, Alessandro Stefanutto, foi exonerado do cargo e outros cinco dirigentes
do instituto, afastados.
“[Essa fraude] só foi possível porque todo mundo combinou de
não enxergar nada, de não querer enxergar nada”, acrescentou Cohen, garantindo
que já em março de 2023, apresentou uma notícia-crime à Polícia Civil de São
Paulo, compartilhando todas as informações e provas que havia reunido em poucos
meses de investigação. O que, segundo ele, motivou o Ministério Público a se
reunir com ele.
“Investigaram um pouco e, de repente, passaram a não mais
investigar”, afirmou Cohen, explicando que, diante da inércia das instituições
públicas que deveriam averiguar suas denúncias, recorreu à imprensa.
“Lancei mão de um outro instrumento que nós temos, o
jornalismo investigativo, que ampliou as nossas investigações”, contou o
advogado ao comentar a razão do próprio inquérito policial que resultou na
realização da Operação Sem Desconto estar embasado em matérias jornalísticas,
publicadas principalmente pelo site Metrópoles.
“Eu só utilizo o jornalismo investigativo quando as
autoridades se recusam, prevaricam. A verdade é essa”, comentou Cohen.
Fraudes
Para o advogado, a origem da chamada Farra do INSS remonta ao
ano de 2003, quando o governo federal publicou a Medida Provisória 130,
autorizando o desconto em folha de pagamento dos valores referentes ao
pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil
concedidos por instituições e sociedades financeiras e mercantis.
“A MP tinha um apelo social interessante: que [os empregados
celetistas e também] o aposentado tivesse acesso a um crédito sem burocracia. O
problema é como ela foi operada”, ponderou o advogado, assegurando que a medida
acabou priorizando os interesses das instituições financeiras.
Ele relembra que a partir de 2025 aparecem as reclamações de
fraude nos consignados. "Buscando nos Tribunais de Justiça de todo o
Brasil, você encontra [ações judiciais movidas] por [cerca de] 400 aposentados,
em 2006, dizendo que não pediram empréstimo", ressalta, acrescentando que
já era um indício fraudes. Para ele, “o problema do desconto consignado vem de
2005 e perdura até hoje”.
“Tudo que estou falando aqui está provado e vou deixar com o
presidente [da CPMI] tudo separado para que vocês possam ter acesso às fontes
de tudo que eu falar aqui", garantiu. "Esse modelo que eu vou
explicar funciona para todos os sindicatos e associações. Todos. Só mudam os
personagens. O que não muda são as vítimas: o aposentado [e pensionista]”,
concluiu o advogado.
Lacunas
Parlamentares da base governista questionaram aspectos do
depoimento de Cohen. “O depoente pode ter razão em quase tudo, mas pode ter
razão em quase nada. E pode ter sido omisso [sobre alguns fatos]”, comentou o
deputado Rogério Correia (PT-MG), destacando que o advogado não apresentou a
CPMI nenhuma prova documental para sustentar suas acusações. “Não podemos dar
fé um depoimento [se] ele não apresentou uma prova, nenhum documento”.
“Acho muito importante a colaboração do sr. Eli, que eu acho
que traz vários fatos relevantes”, acrescentou o deputado Paulo Pimenta
(PT-RS). “O que precisamos [fazer] é, eventualmente, preencher os espaços que
estão abertos nessa conexão criminosa”, concluiu Pimenta.
O parlamentar destacou o fato do depoente ter citado o nome
de várias das pessoas já investigadas pela PF, sem mencionar outros, como o de
José Carlos Oliveira, ex-presidente do INSS e ex-ministro do Trabalho e
Previdência durante o governo Bolsonaro.
“O senhor citou vários servidores do ministério […] mas a
pessoa principal [a ser]investigada, a que está em toda a imprensa, a que
concedeu [assinou] o ACT [Acordo de Cooperação Técnica] com a Ambec [uma das
associações investigadas], essa não foi citada.”
Agência Brasil
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