PALAVRA DO SENHOR – A sabedoria do coração
A PRIMEIRA LEITURA (Sb 9, 13-18) é um convite à sabedoria do alto: “Acaso alguém teria conhecido o teu desígnio, sem que lhe desses Sabedoria e do alto lhe enviastes teu espírito? Só assim se tornam retos os caminhos dos que estão na terra.”(v. v.v.17-18a).
O SALMO DE HOJE (89(90), 3-4. 5-6. 12-13. 14. 17) é uma extensão desta primeira leitura que reza: “Vós fazeis voltar ao pó todo o mortal (...). Ensinai-nos a contar os nossos dias e dai ao coração sabedoria” (v.v. 3. 12).
Já temos certa maturidade para entender que não é a Lei de Moisés, mas Espírito que nos dá a Sabedoria da Salvação. E a sabedoria é Jesus. O Espírito nos põe no caminho de Jesus e na vivência com Ele vamos discernindo, no coração, o que é Sabedoria de Deus e o que é Sabedoria dos homens.
“Saciai-nos de manhã com vosso amor e exultaremos de alegria o dia todo” (v. 14). Sim, se o Senhor nos acompanhar, se nos educar no seu amor, certamente a “nossa vida será fecunda” (v.17b).
A SEGUNDA LEITURA (Fl 9b-10.12-17) é um trecho da menor Carta de Paulo (e Timóteo), pois tem apenas um capitulo. Na prisão, que o evangelho lhe colocou (v. 13), Paulo encontra Onésimo que diz “ter o feito nascer para Cristo” (v. 10). Onésimo era um escravo (servo) de Filêmon e estava fugitivo. O texto nos faz pensar o quanto é pesado ao ser humano o trabalho desumano e escravo. Há muitas relações de trabalho que são marcadas por assédio moral, psicológico e físico. Assim como em outros momentos da história, nestes nossos dias, estamos descobrindo que situações como estas ainda perduram inclusive em instituições denominadas cristãs ou por empresários que se dizem cristãos.
“Se me considera teu amigo, recebe-o como a mim próprio” (v. 17). O apóstolo Paulo pede que Onésimo seja readmitido naquela casa (de Filêmon) como alguém de seu coração (v. 12b) e que o acolha não mais como escravo, mas como um irmão e pessoa humana (v.v. 16). Vejam, o que a sabedoria do amor de Deus faz nas estruturas humanas: Ele não é escravo, mas pessoa humana é irmão. AQUI ESTÁ A REVOLUÇÃO DO EVANGELHO.
Como não lembrar São Francisco de Assis nos ensinando que a até mesmo a Criação é uma irmã querida que deve ser amada, respeitada e cuidada. Só uma pessoa que está de bem com o Evangelho da Vida, conectada respeitosamente com a vida, poderia dizer: “Irmão vento, irmão sol, irmão lua. Irmão lobo tu és meu irmão (...)”.
Está em comunhão com a sabedoria de Deus (1ª leitura e salmo) e com a Igreja (Fl 17) é buscar reumanizar as relações, lutar pela liberdade e a vida de todos. Se há alguém na comunidade que não tem compromisso com a essa realidade tão própria do Evangelho, é uma pessoa vazia de Deus, este não tem discernimento no Espírito.
É missão da Igreja suscitar a alegria da liberdade, no Espírito, ao ser humano. Portanto, não convém dizer “está amarrado em nome de Cristo” (Ditado Popular). Nas voltas da vida, quem um dia zombou dos outros e lhe negou os direitos humanos, hoje, julgado pelos seus crimes, apela por esse reconhecimento. CUIDADO QUE O MUNDO DÁ VOLTAS E ACUSA AS NOSSAS HIPOCRESIAS E MÁ FÉ.
O EVANGELHO (Lc 14, 25-33). Ensina que a proposta encarnada por Jesus, em sua ação messiânica, nem sempre é agradável aos nossos ouvidos, simplesmente porque ainda somos movidos pelo marqueting dos valores dominantes: riqueza, presunção, competitividade, vaidade, orgulho. Ser discípulo de Jesus implica renuncias e disposição para enfrentar qualquer lógica que se opõe a proposta de liberdade e vida que o Evangelho propõe.
Jesus sempre deixou claro que o caminho do Reino de Deus tende a ser diferente do mundo. Por isso, ao olhar para as multidões que o seguiam não acreditava muito que ela tinha interesse de segui-Lo, mas apenas realizar suas necessidades. Mas, Ele sabia que havia ali pessoas que não só gostavam de ouvi-Lo, mas também se identificavam com a proposta do Reino. Ele tinha consciência que seus discípulos eram “um pequeno rebanho” (Lc 12, 32), como “um pouco de sal” (Mt 5, 13), “fermento na massa” (Mt 13, 33), “grão de mostarda” (Mt 13,31).
Essa é uma realidade que bate de frente com a nossa vaidade de acharmos que Igrejas lotadas, recorde de pessoas em estádios, em procissões, em encontros ou peregrinações; ruas e avenidas tomadas por construções de templos são sinais de seguimento ao Evangelho. Não demora muito pra percebermos que certos “frenesis religiosos” nada mais são do que “modinhas religiosas”. Às vezes, são grupos sem nenhum compromisso com a liberdade, a justiça e a dignidade humana, mas ao contrário, muitos pregam retrocessos frente às boas lutas e conquistas que o Evangelho alcançou para a vida em sociedade. E dizem fazer isso em nome de Jesus, Nossa Senhora ou algum anjo que lhe falou.
“Desapegar-se” (Lc 14, 26) para “Amar mais” (cf. Mt 22,36-40. Mc 12, 30-31. Lc10, 27). O amor por Cristo não é uma concorrência com os amores necessários à condição humana: pai, mãe, irmãos, amigos... O amor por Jesus não cria muros de separação (Ef 2,14-16), não exclui (Atos 10, 34); porém, estabelece uma ordem de “precedência”. O Evangelho é radicalidade do amor, mas não radicalismos. Em Cristo, todas as formas de amar estão ligadas a Deus. Portanto, é justo e santo.
A questão não é o outro, pois Jesus também manda amá-lo (cf. Jo 15, 20), os problemas são os apegos que sufocam a liberdade e a dignidade humana.
Qual a necessidade das exigências de Jesus? As exigências de Jesus levam o ser humano à liberdade interior, mas também organiza a vida social. Jesus sempre ensinou que a pior escravidão será sempre aquele apego e a reverencia só a si mesmo.
O amor liberta, salva, dignifica o discípulo e qualifica a vida social. A liberdade nos leva ao Evangelho. Ela nos liberta das “modinhas religiosas” sem compromisso com a justiça do Reino. É fácil ser discípulo na devoção de quem quer algum benefício espiritual, desafiador é a renúncia de si mesmo para que o Reino de Deus aconteça dentro de nós e no meio de nós: o devocionismo leva à modinha, mas a luta pela justiça dilata o coração. Alguns, por medo, fogem da cruz; outros abraçam a cruz sem o medo da rejeição, são livres.
Esta é a sabedoria de Deus que abre caminhos de comunhão, esperança e libertação, por isso “as Palavras do Senhor são Espirito e Vida. A Palavra do Senhor é perfeita, conforto para a alma (...) sabedoria dos humildes” (Salmo 18(19)).
Neste final de semana celebramos a Festa de Independência do Brasil. Sabemos que o dom da liberdade é uma conquista diária, feita de modo respeitoso e tem sempre a finalidade a soberania e a liberdade de um povo. O Evangelho e a história já nos ensinaram que não existe liberdade quando curvamos as pessoas “aos senhores do dinheiro e do mercado”...isso sempre leva à escravidão e ao senhorio dos ditadores.
Há um desafio para todos nós em aprendermos humildemente que a liberdade acontece dentro de um clima democrático sadio onde as liberdades individuais e fundamentais são respeitadas. Liberdade sempre será quando nos tornamos “irmãos” e não alimentamos estruturas de senhores e escravos: “Remendo velho não combina com tecido novo” (cf. Lc 5, 36-38).
Boa semana!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
Nenhum comentário