PEC da Blindagem pode barrar ações contra corrupção no uso de emendas.
Especialistas alertam que falta transparência na execução dos
recursos
A proposta de emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, que
proíbe a abertura de ações criminais contra deputados e senadores sem
autorização do Parlamento, pode favorecer a corrupção no uso das emendas
parlamentares. O alerta vem sendo feito por especialistas e organizações que
trabalham com o combate à corrupção.
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que
reúne diversas entidades da sociedade civil, denunciou, em nota, que a PEC
fortalece a impunidade e fragiliza a transparência, sobretudo “ao admitir o
voto secreto em decisões que tratam da responsabilização de parlamentares”.
O diretor do MCCE, Luciano Santos, afirmou à Agência Brasil
que o crescimento dos volumes de dinheiro das emendas parlamentares favoreceu o
aumento da corrupção no país. Em 2025, o orçamento federal destinou cerca de R$
50 bilhões para emendas, valor semelhante ao previsto para 2026.
“Temos clareza de que se está buscando exatamente uma
blindagem por conta dessas investigações sobre as emendas. Não faz o menor
sentido fazer essa blindagem dos políticos, especialmente sabendo que existem
diversas investigações em curso”, destacou o especialista.
Luciano argumenta que falta mais controle, transparência e
rastreabilidade na execução desses recursos públicos.
“É de fora que tá vindo o controle. É o Supremo quem está
exigindo que o Congresso e o Executivo possam ter práticas e medidas para
evitar que aconteçam os desvios nas emendas. Não dá para fazer uma lei onde a
autorização precisa vir do Congresso. A história demonstra que isso não dá
certo”, disse.
Nos últimos anos, as emendas parlamentares têm sido alvos de
diversas operações da Polícia Federal (PF) e de inquéritos abertos no Supremo
Tribunal Federal (STF) por falta de transparência no uso desses recursos.
Para o advogado e jurista Marco Aurélio de Carvalho,
coordenador do grupo Prerrogativas, a grande motivação para a aprovação da PEC
está nas investigações sobre pagamentos dessas emendas.
“Eles já estão blindados, de alguma forma, pela falta de
transparência. A PEC, na verdade, vai trazer uma tranquilidade a mais. É quase
uma ação entre amigos. Quase todos, ou boa parte, está envolvida em ações
suspeitas no pagamento de emendas. Eles vão ter interesse de se proteger
mutuamente”, avalia o advogado.
Inviabilizar o país
O coordenador da Central das Emendas, plataforma que reúne
dados sobre a execução das emendas parlamentares, Bruno Bondarovsky, afirmou à
Agência Brasil que essa PEC dificulta que o dinheiro público liberado por
emendas seja bem aplicado.
“A transparência já é limitada devido ao modelo atual, que
pulveriza os recursos sem o devido controle. A eficiência locativa é baixa por
haver poucas restrições técnicas. Se as investigações de corrupção ficarem
limitadas, essas emendas serão um ralo que pode inviabilizar o país”, alertou.
No final de agosto, o ministro do STF Flávio Dino mandou a PF
investigar 964 emendas individuais de parlamentares de transferência especial,
chamadas “emenda Pix”, que somam R$ 694 milhões.
Emendas parlamentares vêm sendo alvo de bloqueios
bilionários. Em dezembro de 2024, Dino suspendeu o pagamento de R$ 4,2 bilhões
em emendas por suspeitas de irregularidades.
Nesta semana, Dino suspendeu o repasse de “emendas Pix” para
nove municípios. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) em dez
cidades só não encontrou irregularidade em um município.
A execução das emendas parlamentares é um dos principais
motivos de disputa entre o Supremo e o Congresso. Em março deste ano, o
Parlamento aprovou novas regras para emendas a partir das orientações do STF,
mas críticos apontam que as mudanças não foram suficientes para dar
transparência e rastreabilidade aos recursos.
Em nota, a Transparência Internacional, outra organização que
trabalha com o tema da corrupção, lembrou que, entre 1998 e 2001, o Congresso
barrou 253 investigações, autorizando apenas uma. Nessa época, vigorou a regra
da autorização do Parlamento para abertura de ações penais contra
parlamentares.
“[Deputados e senadores] se mostram avessos a qualquer tipo
de medida de transparência ou controle [sob emendas parlamentares] e se
preocupam mais com a possibilidade de responsabilização pelos desvios do que
com a necessidade de interrompê-los. A urgência da blindagem se origina
justamente no avanço das investigações sobre esses desvios, que já alcançam
quase uma centena”, afirmou a entidade.
Por sua vez, o Instituto Não Aceito Corrupção afirmou que a
PEC tem a pretensão “óbvia” de se obter impunidade assegurada pela legislação.
“O que se propõe, a partir desta ignominiosa iniciativa, é a
criação de uma verdadeira casta com alcunha jocosa de prerrogativa parlamentar
para um nobre grupo de intocáveis, de pessoas acima do bem e do mal,
afrontando-se também o princípio da isonomia constitucional”, disse a
organização.
Proteger o Parlamento
Os defensores da PEC 3 de 2021 afirmam que a proposta visa
proteger o exercício do mandato parlamentar contra interferências indevidas do
Judiciário e contra supostas “perseguições políticas”, conforme argumentam
parlamentares da oposição.
O relator da PEC na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA),
rejeita o argumento de que a proposta limite as ações criminais contra
parlamentares.
“Isso aqui não é uma licença para abusos do exercício do
mandato, é um escudo protetivo da defesa do parlamentar, da soberania do voto
e, acima de tudo, do respeito à Câmara dos Deputados e ao Senado”, justificou.
O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) defendeu que o Congresso
Nacional não barraria investigações contra quem cometeu crimes.
“Quem cometer crime vai pagar, uai. É simples assim, a gente
vota e a gente mostra que essa casa é contra criminoso”, disse Nikolas durante
a sessão.
Na avaliação do diretor do MCCE, Luciano Santos, o argumento
dos parlamentares não é válido porque, quando valeu a regra de autorizar
investigações contra deputados e senadores, quase todos os processos foram
barrados.
“É absolutamente impossível acreditar que isso aconteça. Nós
vimos parlamentares que foram cassados pelo Judiciário e que dependiam de
votação no Congresso, e que isso leva muito tempo e o corporativismo
efetivamente protege. A autoproteção ali é enorme”, finalizou.
Agência Brasil
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