PALAVRA DO SENHOR – Quando ajoelhamos, rezamos no chão da história.
Certa vez o salmista cantou: “a minha alma tem sede de Deus”
(41(42), 1-2). Há um belo hino moderno onde se diz que todas as criaturas tem
certa necessidade de transcender rumo ao infinito (Deus): “as águas da fonte
sentem saudade do mar (...). Dizem que todas as flores, olham para o azul do
infinito, dizem que no horizonte tudo é mais verde e bonito, dizem que as
flores do campo sentem saudade do sol e que bem cedo se enfeitam, se ajeitam,
se espreitam para ver o arrebol” (Pe. Zezinho. Dizem que é saudade). Parece que
tudo o que existe, tende ao outro e ao infinito.
O evangelho deste domingo (Lc 18, 1-8) inicia com a
expressão: “necessidade de orar sempre” (v. 1) para nos lembrar de que o ser
humano é feito de transcendência, isto é, a capacidade de expandir-se, de ir
além de si, que se realiza também na abertura ao outro (e ao grande Outro que é
Deus). Transcender é capacidade de evitar que as pessoas se sufoquem em si
mesmas, mudando o foco “do eu” “para o outro”.
REZAR ATRAVESSA AQUILO QUE SOMOS.
Rezar ou orar une contemplação e ação, fé e vida; como dizia
Romano Guardini: “Rezo porque vivo e vivo porque rezo”. O desafio de “orar
sempre” não se relaciona com a capacidade de multiplicar palavras e
celebrações, mas a capacidade de descobrirmos um estilo de vida orante que nos
ajude a abrir-se ao caminho da vida do Reino.
O Pe. João Torres (padre católico na Arquidiocese de
Braga-Portugal) escreveu um artigo em sua página ENTRE MARGENS (05/10/2025) que
diz: “Há padres que celebram seis, sete, oito missas num só final de semana.
Correm aldeias em aldeias, de igreja, em igreja, como quem tenta segurar um
edifício que já racha pelas suas fundações. E o que era dom, festa e encontro,
transforma-se em cansaço, repetição, ritual vazio. A eucaristia nasceu à mesa.
Jesus não instituiu um cerimonial, instituiu uma refeição. Partilhou o pão,
partilhou a vida, pôs-se ao lado dos pobres, dos pecadores, dos esquecidos. E
disse: ‘Fazei isto em memória de mim’. Mas esse “isto” não era apenas o rito.
Era a mesa aberta, a fraternidade, a comunhão que nasce da partilha. Hoje,
muitos já não reconhecem ali o gesto de Jesus. Uns vão à missa como quem cumpre
um dever. Outros esperam a comunhão rápida ou um pedido a ser atendido, ou uma
intensão por um defunto. E assim se perde o essencial: a experiência de sermos
corpo, de sermos comunidade, de sermos família. A igreja cansada e envelhecida,
multiplica missas. Mas multiplica vida? Multiplica mesas onde todos
cabem?”.
Quem reza está, necessariamente, condicionado aos desafios de
cada momento da história, pois não existe uma transcendência desconectada da
vida. Quem reza está conectado com maravilhas de Deus, os desafios, as dores,
as certezas e incertezas, as alegrias e tristezas da vida. Quando ajoelhamos,
fazemos isso no chão da história, por isso que a oração nos divina nos
humanizando.
No “chão da história” a oração nos ajuda a discernir a
vontade de Deus e as diretrizes do caminho. Orar nos ajuda a “se educar na
justiça”. E a educação da justiça nos é pedagógica para compreender o sentido
da vida. Assim, é a graça de Deus encontrando espaço no coração de quem ora
para realizar as suas maravilhas.
A 1ª Leitura (Ex 17, 8-13) conta um episódio da caminhada do
povo de Deus pelo deserto durante um confronto de Israel com os Amalecitas. O
livro dos Números (24,20), no oráculo de Balaão, refere-se aos Amalecitas como
“um dos povos mais antigos”, descendentes de Esaú (cf Gn 36,12). Os Amalecitas
eram uma tribo nômade violenta e agressiva que afrontou de modo hostil o povo
de Israel peregrina na fé, desde o Egito.
A catequese de Israel, com essa história, pretendia enfatizar
a importância da oração no enfrentamento das travessias e nas duras batalhas da
vida. A oração ajuda a obter a ajuda e a força de Deus que brotam desse diálogo
contínuo com o Deus salvador e libertador que acompanha o seu povo.
A 2ª leitura 2Tm 3, 14-4 se articula com o pedido de orar com
constância no testemunho da viúva, no Evangelho; mas também pelos braços
erguidos de Moisés, na Primeira Leitura. Paulo exorta a Timóteo que a oração
adquire seu conteúdo fundamental com a escuta da Palavra de Deus que nos ensina
os “caminhos da justiça de Deus” (3,16). Ela é “útil para ensinar, para
argumentar, para corrigir e educar na justiça”, com toda a paciência e
constância de fé.
Consideremos um ultimo detalhe a ser comentado nos textos de hoje que é questão da intercessão. Esta é um tema que estamos meditando já há algumas semanas: O profeta Amós intercedendo pelos pobres e denunciando a frieza, ostentação e exploração dos ricos (Am 6, 1a. 4-7. 8, 4-7). O profeta Habacuc clamando a Deus por causa da violência contra seu povo (cf. Hab 1, 2-3; 2, 2-4). A rainha Ester intercedendo pelo seu povo (cf. Est 5, 1b-2; 7,2b-3). Maria, intercedendo na festa de Caná (cf. Jo 2, 1-11). E hoje, encontramos Moisés intercedendo pelo povo frente a uma batalha hostil (Ex 17, 8-13) A liturgia tem nos ensinado que Interceder é uma forma de orar pelo outro (é transcender). Orar pelo outro cria uma consciência social e participativa que nos interpelam a vivermos uma esperança em dinamismo e em partilha com os demais. OREMOS E LUTEMOS UNS PELOS OUTROS.
Boa semana!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
Nenhum comentário