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PALAVRA DO SENHOR – A vergonha do templo

Nossa fé, que nasceu da Sagrada Escritura, dos ensinamentos da Igreja, da tradição eclesial e também familiar, nos assegura que Deus nos acompanha em todos os lugares em que estamos.

A casa é um lugar de refúgio e de alegria, onde a família se reúne para mostrar afetos, apoio, partilha dos os dons da vida, partilha da refeição e aprofundar os laços. É lugar onde a existência de cada membro se expande seu “ser”. É o lugar, por excelência, de acolhimento das diferenças. 

A Igreja é a casa de Deus onde Ele acolhe seus filhos para fazer todas as mesmas coisas de uma família. No edifício da Igreja, Deus reúne os seus filhos dispersos e nos fala através da liturgia da Palavra, nos da a graça dos sacramentos e, em especial, nos alimenta com o Pão do Céu, que nos fortalece na esperança e no anúncio de “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21, 21). Diz uma bela canção: “em sua casa, somos felizes, participamos da ceia do amor” (Irmã Míria T. Kolling).

A Igreja é o símbolo de um mistério mais profundo que a ponta para o nosso ser construído como templo vivo para que Deus habite nele: “Não sabeis que sois o Templo de Deus e que o Espírito Santo de Deus habita em vós? Se alguém destruir o Templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é sagrado – isso sois vós” (1Cor 3, 16-17).

Considerando tudo isso, busquemos entender o significado da festa litúrgica neste domingo: A DEDICAÇÃO DA BASILICA DO LATRÃO. É a Cátedra de Roma de onde Pedro (e seus sucessores) preside na caridade a diocese de Roma e as outras igrejas no mundo. É dessa basílica que emanam os rios das águas do cristianismo, levando fé e fertilizando o mundo, alimentando a vida de fé dos crentes e animando a esperança dos que crêem, como bem profetizou Ezequiel (47, 1-2. 8-9. 12). 

A comunidade eclesial, na figura de seu templo, é a representação mística daquilo que dizia Paulo: “Ele é a cabeça e nós somos o corpo” (1Cor 12, 27). Sendo Cristo a cabeça, Ele é maior do que o Templo feito de pedras. Jesus é o lugar de encontro, por excelência, entre Deus e os homens. JESUS É O CENTRO DA IGREJA E NÃO HÁ OUTRO.

O evangelho de hoje (João 2, 13-22) fala da profanação do templo de Pedra, casa de oração e ponto de encontro fraterno entre os irmãos. Ao transformar a casa de Deus num balcão de negócios, as lideranças religiosas, desrespeitaram a casa de Deus. Contra isso, Jesus se irrita e decide por um fim expulsando os mercadores da fé (cf. Jo 2, 19-21).

O Templo, Corpo de Deus, pode ser entendido como o próprio Cristo (cabeça e corpo da Igreja), pode ser entendido também na perspectiva do Templo de Jerusalém (profanado pelos mercenários da fé), na perspectiva da comunidade que não representa mais os interesses do Reino, como também do próprio corpo (como ensinou Paulo que o corpo é templo do Espirito Santo (1Cor 3, 9c-11. 16-17).

Neste Templo (Cristo/templo de pedra/comunidade/pessoa) quem vai adorar a Deus aprende a amar o próximo, pois “quem diz que ama a Deus não ama o próximo é mentiroso” (1Jo 4, 20-21), pois todos somos moradas do Altíssimo. Quem frequenta a comunidade eclesial tem o dever de aprender a respeitar o sagrado que está também está em cada pessoa. Quando não se observa isso é preciso a SANTA INDIGNAÇÃO.

Certa vez, disse Santo Agostinho: “A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”. Ao ler esta frase não imaginamos que Agostinho viveu uma fase de grande ceticismo e incredulidade. O maniqueísmo e hedonismo não satisfaziam as pessoas e elas sentiam-se desamparadas na busca por compreender e mudar a vida. É possível que estejamos vivendo novos tempos que rememoram antigos problemas.

O evangelho de Lucas que temos lido este ano (como outros textos do NT) nos ensina que a esperança gera pessoas inquietas e sonhadoras que rompem com as frequentes ideologias de fechamento, enrijecimento, endurecimento do coração, pois a Palavra de Deus é Logos libertador.

A esperança é uma virtude intervencionista que indica o sentido do compromisso com o Reino de Deus com a vida do ser humano (a santidade, a graça, a justiça e a paz). Por isso, a esperança nos faz abraçar grandes ideais. Ela abre o coração do ser humano à ousadia do amor que transcende às coisas mais belas e sublimes da vida superando as coisas secundárias (cf. Lc 21 5-6).

Diante do Templo de Jerusalém, com um chicote nas mãos, Jesus denuncia que é preciso trazer de volta, para o centro da vida eclesial, o anúncio do Reino de Deus. O chicote é vergonhoso, mas traz libertação. Como diz o apóstolo Paulo “é a fraqueza que se reencontra o caminho da graça (cf. 2Cor 12, 7).

É comum escutar que em nossos dias as pessoas caíram no consumo do sagrado. Mais uma vez voltamos ao fascínio das pedras preciosas, aos anseios de prestigio e poder que se sobrepõe ao ANUNCIO DO REINO DE DEUS.

O psiquiatra, psicanalista, escritor e professor titular da UERJ Jurandir Freire Costa, comentando a obra chamada A IDELOGIA DA VERGONHA E O CLERO DO BRASIL, do pesquisador e escritor Willian Castilho, ele diz que em muitas comunidades (da igreja no Brasil) tem se refugiado NUMA CAVERNA DE PLANTÃO EM SUA VERSÃO NARCÍSICA, isto é, distante de um reto caminho do genuíno cristianismo que prega ao próximo, como encarnação do amor a Deus. E lembra aquilo que dizia Santo Agostinho: “vaidade não é grandeza, mas inchaço”.  

O evangelho de hoje recorda aquilo que cantou Geraldo Vandré: “O poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos, riquezas”. Desde os primórdios do cristianismo a religião desponta como uma experiência de fé dos pobres, ou seja, os pobres constituem a fração privilegiada que seguiram os ideais de Jesus (cf. Mt 5). O chamado de Jesus foi escutado por homens rudes, simples pescadores e inúmeras mulheres suspeitas. O psicanalista espanhol Carlos Domingues Morano: “Jesus arquitetou o Reino de Deus com o rosto humano: o cego de nascença, a prostituta, a viúva e o impuro leproso”.

Jesus sabia que a revolução do amor que ele veio instaurar não começa com a burguesia, mas com os pobres, os simples, os humildes, os excluídos. E é Ele mesmo quem nos pergunta hoje se em nossas comunidades há espaços para estes pequeninos ou vivemos cercados de pessoas e lideranças que não se misturam e nem respeitam os que Jesus colocou no centro do evangelho.

O Reino de Deus tem rosto de tudo o que se exclui socialmente: crianças abandonadas, pessoas de diferentes orientações afetivas e sexuais, mulheres violentadas, negros, sem terra, sem trabalho e imigrantes excluídos. O apóstolo Paulo (1Cor 1, 26) a respeito dos seguidores de Jesus, diz textualmente: “não há entre vós muitos sábios, nem muitos poderosos, nem muitos de família nobre”.

Jesus se coloca mais uma vez, diante das nossas comunidades/ templo com um chicote nas mãos para afugentar não só os que fazem da igreja um balcão de negócios financeiros, poder e prestígios, mas também para expurgar as ideologias de grandeza e a velha mentalidade burguesa que não nos permite ver o outro como irmão.

Ainda rege, fortemente, entre nós a ideia de que os que seguem Jesus são pessoas bem sucedidas na vida, ricas, de uma determinada cor de pele, de gênero, etc. Como não ficar indignado quando ouvimos uma pessoa ser insultada por sua condição sexual, social, de gênero, de cor ou expressão de fé, inclusive dentro de nossas comunidades cristãs.

Recordemos, irmãos, que somos templos de Deus e não um clubinho social onde as pessoas se instalam em Área Vip, Pista Premium, Camarote, Frontstage. Somos Casa do Altíssimo onde as pessoas valem mais do que as pedras preciosas do Templo.

 

Paz e Bem!

Edjamir Silva Souza

Padre e Psicólogo

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