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Golpes contra aposentados estão cada vez mais comuns

Seu Rosendo Manoel dos Santos tem 81 anos, sempre trabalhou na roça, nunca aprendeu a ler, mas é conhecido em toda a cidade como uma pessoa esperta. Embora não tenha tido acesso à informação e apesar da idade avançada, é ele quem resolve todos os negócios da família, como fazer os pagamentos das despesas da casa e ir ao banco todos os meses para receber o dinheiro da sagrada aposentadoria. Mesmo vivendo em um pacato povoado do município de Mamanguape e usando o cavalo como único meio de transporte, Rosendo do Cacimbão, como é popularmente chamado, foi vítima de um dos golpes mais comuns aplicados aos aposentados: o do empréstimo consignado. A história que foi usada para ludibriar o idoso é a mesma contada pelos golpistas que agem na redondeza que, aliás, não são poucos.

A promotora do Cidadão da comarca de Mamanguape, Ana Caroline Almeida Moreira, acredita que verdadeiras organizações criminosas estão agindo livremente na região, enganando e roubando os idosos, utilizando os mesmos artifícios de uma prática delituosa que vem sendo feita há vários anos, desde que as novas modalidades de crédito foram abertas para aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).

As mais comuns e preferidas pelos golpistas são o crédito consignado (com desconto direto no pagamento) e o CDC (Crédito Direto ao Consumidor), cujo valor pode ser retirado de qualquer caixa eletrônico, bastando fornecer o cartão e a senha da conta. O negócio é gigantesco e bem articulado. Cerca de 80% do total de denúncias apresentadas junto à Promotoria da cidade consistem em reclamações de pessoas que se sentiram lesadas através deste tipo de fraude. Os números reais não foram repassados, mas Ana Caroline assegurou que todos os meses surgem novas acusações contra os bandidos.

Seu Rosendo conhece pelo menos dois homens que costumam abordar pessoas como ele, bastante pobres financeiramente e com pouco ou nenhum grau de instrução. Não existe comprovação de como e através de quais meios e pessoas as informações dos aposentados, somente disponíveis para funcionários com acesso ao cadastro da Previdência Social, chegam até a esses criminosos. Sabe-se, no entanto, que o acesso é facilitado, pois os ladrões já chegam nas casas com a documentação pronta, e vão buscar os idosos diretamente para retirar o dinheiro.

É possível obter o crédito, por meio do empréstimo consignado, somente com os dados pessoais dos titulares, mesmo que ele não esteja presente na negociação ou mesmo que tenha conhecimento da transação financeira. Quando se refere ao CDC, as facilidades são ainda maiores: basta apresentar o cartão do benefício e a senha.

O limite para o valor da retirada através do empréstimo com desconto em folha foi estipulado em 30% do total que o aposentado recebe mensalmente. Ou seja, o desconto de cada parcela de um beneficiário que percebe o salário mínimo atual (R$ 510,00) não pode ser superior a R$ 153,00. Entretanto, no caso do CDC o perigo ainda é maior porque não existem restrições legais para o volume máximo a ser extraído da conta e a dívida pode ficar insustentável.

“Os idosos, sofridos, já lutam tanto para sobreviver com tão pouco dinheiro. Imagina quando surgem descontos de valores que os idosos nem sequer receberam?”, indaga a promotora. A prática não é nova, mas com a atuação do Ministério Público e dos Conselhos do Idoso, as denúncias se tornaram mais recorrentes. Foi o que aconteceu com os idosos lesados tanto em Mamanguape, quanto nas outras três localidades abrangidas pela comarca do município, que são Itapororoca, Capim, Cuité de Mamanguape e Mataraca.

90% das fraudes estão ligadas a familiares

Os golpes em aposentados que residem em cidades do interior do Estado são comuns, mas se tornaram mais evidentes após a implantação das promotorias nessas localidades. O curador do Cidadão de João Pessoa, Valberto Lira, explicou que a maior parte das fraudes é constatada por moradores de municípios menores. A região metropolitana de João Pessoa - como Conde, Bayeux e Santa Rita - ainda é a campeã. No entanto, é cada vez mais recorrente o registro de denúncias em Rio Tinto, Alhandra, Mamanguape e Sapé.

“Para coibir a prática criminosa, estamos com equipes de especialistas em direitos humanos e cidadania fazendo o trabalho educativo com intenção, ao mesmo tempo, de reprimir as ações dos estelionatários. Para tanto, estão sendo feitas audiências públicas em diversos municípios paraibanos”, destaca o promotor de justiça. Apesar de os golpistas fazerem parte de um grupo organizado, Lira disse que 90% das fraudes têm ligação direta com familiares da vítima, como cunhados, genros, noras, sobrinhos e até os próprios filhos.

Uma mulher do município de Mamanguape, que preferiu não ter a identidade revelada, contou que desconfia do modo como os documentos chegam até os responsáveis pelas fraudes. Ela suspeita de envolvimento de funcionários do INSS, hipótese descartada pela promotora Ana Caroline Almeida Moreira. A suspeita mais provável é que parentes das vítimas repassem para os criminosos toda a documentação necessária para efetuar o empréstimo. “Não entendo porque eles já chegam com tudo pronto para sacar o dinheiro. Mesmo sem conhecimento nenhum do idoso e sem pedir nenhum documento. Já está tudo pronto quando eles vão ao banco. Foi assim com seu Rosendo e é assim com a maioria das pessoas lesadas”, reclama a moradora de Mamanguape.

Para facilitar a transação e evitar que o idoso tenha chances de fugir da fraude, os golpistas adotaram uma nova modalidade de efetuar a fraude. Em geral, as contas dos aposentados são transferidas para um outro município. Como os idosos não querem se deslocar para uma outra localidade para receber o empréstimo, os “negociadores” tomam posse dos documentos pessoais e, quando retornam, já efetuaram o empréstimo e ficaram com boa parte do dinheiro. “Existem até vans que saem com um grande número de idosos. São arrecadados valores específicos de cada um deles. Trata-se de uma prática comercial fácil de aferir lucro a custo de pessoas menos favorecidas, sem condições de discernimento”, denuncia a promotora de Mamanguape.

De acordo com dados fornecidos pelo Ministério da Previdência Social (MPS), entre janeiro e março deste ano, 74 idosos reclamaram de empréstimos que dizem não ter feito. Em 63,51% dos casos, foi constatada irregularidade ou fraude. O município com maior número de reclamações é Campina Grande, onde foram contabilizadas 12 queixas, sendo que oito foram consideradas fraudes ou situação irregular.

A pessoa que foi lesada deve registrar o boletim de ocorrência em uma delegacia, mas nem sempre o idoso tem conhecimento necessário e condições físicas de procurar os órgãos responsáveis. A situação se agrava ainda mais já que a articulação envolve pessoas de extrema confiança dos idosos, como familiares e vizinhos. A coordenadora do setor de Educação Previdenciária do INSS na Paraíba, Socorro Brito, disse que este tipo de golpe se caracteriza como extorsão contra pessoa e é passível de ação policial.

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