MPF recomenda a comandos militares em todo o Brasil que se abstenham de comemorações ao golpe de Estado de 1964.
Orientação
foi enviada nesta quarta-feira (27), em ação coordenada que reúne Procuradorias
da República em pelo menos 19 estados.
Brigadas, grupamentos,
comandos especiais, academias militares das forças armadas e outras unidades
que integram Comandos Militares em todo o país receberam nesta quarta-feira
(27) recomendação do Ministério Público
Federal para que se abstenham de promover ou tomar parte de qualquer
manifestação pública, em ambiente militar ou fardado, em comemoração ou
homenagem ao período de exceção instalado a partir do golpe militar de 31 de
março de 1964.
Em ação coordenada, que
reúne Procuradorias da República em pelo menos 19 estados, o Ministério Público
Federal também solicita às unidades militares a adoção de providências para que
seus subordinados sigam essa orientação, e que sejam adotadas medidas para
identificação de eventuais atos e de seus participantes – com fins de aplicação
de punições disciplinares, bem como, comunicação ao MPF para a adoção das
providências cabíveis.
A Recomendação aciona
comandos militares de todas as regiões do país e estabelece prazo de 48 horas
para que sejam informadas ao Ministério Público Federal as medidas adotadas
para o cumprimento das orientações ou as razões para o seu não acatamento.
No documento, as
Procuradorias da República destacam que as Forças Armadas – constituídas pela
Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica – são instituições nacionais
permanentes e regulares, destinadas à defesa da Pátria e à garantia dos poderes
constitucionais, não devendo tomar parte em disputas ou manifestações
políticas, em respeito ao princípio democrático e ao pluralismo de ideias que
regem o Estado brasileiro.
“A homenagem por servidores
civis e militares, no exercício de suas funções, ao período histórico no qual
houve supressão de direitos e da democracia viola a Constituição Federal, que
repudia o crime de tortura e prevê como crime inafiançável e imprescritível a
ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o
Estado Democrático”.
De acordo com o Ministério
Público Federal, após a promulgação da Constituição de 1988, o Estado
brasileiro – por diversas oportunidades e por seus poderes constitucionalmente
instituídos – reconheceu a ausência de democracia, e o cometimento de graves
violações aos direitos humanos pelo regime iniciado em 31 de março de 1964.
O documento destaca que as
próprias Forças Armadas admitiram – em 19/09/2014, por meio do Ofício nº 10944,
do Ministro de Estado da Defesa – a existência de graves violações de direitos
humanos durante o regime militar. O texto registra que os Comandos do Exército,
da Marinha e da Aeronáutica não questionam as conclusões da Comissão Nacional
da Verdade, por não disporem de “elementos que sirvam de fundamento para contestar
os atos formais de reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro” por
aquelas práticas.
A Recomendação ressalta que
o presidente da República se submete à Constituição Federal e às leis vigentes,
não possuindo o poder discricionário de desconsiderar todos os dispositivos
legais que reconhecem o regime iniciado em 31 de março de 1964 como antidemocrático.
“O dever do Estado brasileiro é não só o de reparar os danos sofridos por
vítimas de abusos estatais no mencionado período, mas também de não infligir a
elas novos sofrimentos, o que é certamente ocasionado por uma comemoração
oficial do início de um regime que praticou graves violações aos direitos
humanos”, reforça o texto.
Outras experiências – No
comunicado aos Comandos Militares, o Ministério Público Federal destaca que
países que passaram por experiências históricas semelhantes ao Brasil se
esforçam para consolidar a democracia – com repúdio à relativização dos fatos
ocorridos em seus regimes autoritários. Entre os exemplos, está o da República
do Chile, cuja democracia foi restabelecida após cerca de 20 anos de governo
militar. O país não apenas reconheceu a ocorrência de violações sistemáticas a
direitos humanos pelo Estado daquele período, como repudia declarações públicas
de autoridades civis e militares em defesa da ditadura militar ou de seus
agentes.
“O Exército do Chile
expulsou, no ano de 2006, o capitão Augusto Pinochet Molina, após discurso
defendendo o golpe de estado de 11 de setembro de 1973, e, mais recentemente,
em 2018, destituiu diretor de Escola Militar, coronel Germán Villarroel Opazo,
por homenagem a sequestrador da ditadura. Ainda em 2018, o ministro de estado
Mauricio Rojas foi demitido pelo presidente da República, por questionar os
fatos históricos expostos em museu que retrata a ditadura militar daquele
país”, aponta o MPF.
Coerência com a exigência de
democracia em outros países – Para o Ministério Público Federal, a exigência de
respeito à democracia em outros países do continente não é condizente com
homenagens a período histórico de supressão da democracia no Brasil. O órgão
ressalta que a obrigação internacional assumida pelo Estado Brasileiro de
promover e defender a democracia deve ser efetiva, inclusive pela valorização
do regime democrático e repúdio a formas autoritárias de governo. “Em 2018, o
Brasil e os Estados Unidos defenderam a suspensão da Venezuela da Organização
dos Estados Americanos, em razão de violação aos preceitos da Carta Democrática
Interamericana. Do mesmo modo, em janeiro deste ano, o Brasil, representado por
seu presidente da República, assinou com outros países do continente a Declaração
do Grupo de Lima, por meio da qual exigem o restabelecimento da democracia na
Venezuela”.
A Recomendação aos Comandos
Militares cita os regulamentos disciplinares do Exército, da Marinha e da
Aeronáutica, que estabelecem como contravenções disciplinares ou transgressão
militar manifestar-se publicamente a respeito de assuntos políticos, bem como
tomar parte, fardado, em manifestações de caráter político-partidário. No
texto, o Ministério Público Federal ressalta ainda que a Lei 8.429/1992
determina que constitui improbidade administrativa a prática de ato que atente
contra os princípios da administração pública da moralidade, da legalidade e da
lealdade às instituições, e notadamente a prática de ato visando a fim proibido
em lei, regulamento ou diverso daquele previsto. De acordo com a legislação, os
autores – seja civil ou militar – estão sujeitos à pena de perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos e multa civil de até cem vezes o
valor da remuneração.
Secom/PGR
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