MP do rio investiga Carlos Bolsonaro por uso de funcionários-fantasmas
Carlos Bolsonaro |
Investigações
foram abertas com base em reportagem publicada por ÉPOCA que revelou que Carlos
empregou sete parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair
Bolsonaro e sua madrasta.
O Ministério Público (MP)
estadual do Rio de Janeiro abriu dois procedimentos para investigar as
denúncias de uso de funcionários-fantasmas e a eventual prática de
“rachadinha”, como é conhecida a devolução de salários, no gabinete do vereador
Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). As investigações foram abertas com base em
reportagem publicada por ÉPOCA em junho que revelou que Carlos empregou sete
parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro e sua
madrasta. Dois admitiram à reportagem nunca ter trabalhado para o vereador,
embora estivessem nomeados. O MP ainda apura suspeitas de que outros três
profissionais nunca deram expediente na Câmara.
A partir de um pedido com
base na Lei de Acesso à Informação, o MP confirmou os dois procedimentos, mas
informou que ambos tramitam sob segredo de Justiça. A investigação criminal
está a cargo do procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, com apoio do Grupo
de Atribuição Originária Criminal (Gaocrim). Já na esfera cível, em que se
apura eventual improbidade administrativa, a investigação ocorre na 8ª
Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania da Capital.
Um dos principais alvos da
investigação é a situação de Marta Valle — professora de educação infantil e
cunhada de Ana Cristina Valle. Moradora de Juiz de Fora, em Minas Gerais, ela
passou sete anos e quatro meses lotada no gabinete entre novembro de 2001 e
março de 2009. Procurada por ÉPOCA, Marta disse que nunca trabalhou para
Carlos. “Não fui eu, não. A família de meu marido, que é Valle, que trabalhou”.
O salário bruto de Marta Valle chegou a R$ 9.600 e, com os auxílios, alcançava
R$ 17 mil. Segundo a Câmara de Vereadores, ela não teve crachá como assessora.
Outro caso descoberto pela
reportagem foi Gilmar Marques, ex-cunhado de Ana Cristina Valle e morador de
Rio Pomba, em Minas Gerais. Com a correção inflacionária, o salário bruto dele
chegou a R$ 7.900, mas somados os auxílios alcançava R$ 14 mil. Questionado,
não se recordava da nomeação e disse: “Meu Deus do céu. Ah, moça, você está me
deixando meio complicado aqui. Eu ganhava? Isso aí você deve estar enganada”.
Ele também nunca teve identificação funcional da Câmara Municipal do Rio.
A situação se repetiu em
relação ao advogado Guilherme Henrique de Siqueira Hudson, que constou como
assessor-chefe do vereador Carlos Bolsonaro durante dez anos — entre abril de
2008 e janeiro de 2018. Guilherme é primo de Ana Cristina Siqueira Valle e,
apesar de todo o tempo em que ficou lotado na chefia do gabinete, jamais teve
crachá. Desde 2012, possui residência fixa em Resende, onde casou e abriu um
escritório de advocacia, além de uma loja de decoração. Desde 2012, o site do
Tribunal de Justiça do Rio mostra que ele atuou em 68 processos na região de
Resende e em cinco na capital. Resende fica a cerca de 170 quilômetros da
capital.
No período em que Hudson foi
relacionado como assessor-chefe, Ananda Hudson, sua mulher, foi nomeada no
gabinete para ocupar o cargo e salário deixados por Marta Valle, quando ela foi
exonerada, em 1º de março de 2009. Ananda constou como assessora até agosto de
2010. No mesmo período, porém, ela cursava faculdade de Letras em Resende.
Depois que Ananda Hudson
saiu, o cargo dela foi repassado a Monique Hudson, cunhada de Guilherme.
Monique é outra que nunca teve crachá da Câmara. Ela também mantém residência
fixa em Resende há pelo menos duas décadas. Ficou lotada no gabinete da Câmara
Municipal até dezembro de 2014, mas, nesse período, também cursou Letras na
Associação Educacional Dom Bosco, mesma faculdade de Ananda.
A investigação também inclui
Andrea Siqueira Valle, irmã de Ana Cristina. Ela constou como servidora de
Carlos entre os anos de 2006 e 2008. Fisiculturista, foi nomeada nos gabinetes
de Jair e de Flávio. Ao todo, ficou lotada por 20 anos, mas, fora as listas de
frequência entregues pelos próprios parlamentares, não há registro do trabalho
dela. Andrea também não teve crachá da Câmara do Rio.
Segundo a Câmara Municipal
do Rio, "a emissão dos crachás dos servidores ocorre preferencialmente no
dia de sua posse".
Procurado por meio de seu
chefe de gabinete, Carlos Bolsonaro não respondeu a ÉPOCA. A reportagem também
não teve retorno de Marta, Gilmar, Guilherme, Ananda e Monique.
OUTROS CASOS
Os casos de funcionários com
dificuldade de comprovar que trabalharam no gabinete de Carlos, embora
estivessem nomeados, não se restringem aos parentes da ex-mulher de Bolsonaro.
Reportagem do jornal O Globo
de agosto deste ano mostrou as histórias de Diva da Cruz Martins e a filha,
Andrea da Cruz Martins. A primeira esteve lotada entre fevereiro de 2003 e
agosto de 2005 e a segunda de 2005 até fevereiro deste ano. Em novembro de
2013, no entanto, quando Andrea deu entrada nos papéis de seu casamento no
cartório de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ela identificou-se como “babá”.
Já Diva, ao ser questionada
se tinha trabalhado na Câmara, negou. “Não. Nunca”, disse. Ao ser informada de
que seu nome constava entre os assessores, reagiu com ironia: “Que bom que
aparece (o nome) ”, finalizou. O salário bruto médio real de Diva no período
foi de R$ 9 mil, e o de Andrea, R$ 10.700.
ÉPOCA não conseguiu contato
com Diva e Andrea.
LICENÇA DA CÂMARA
O vereador pediu licença não
remunerada por meio de um ofício enviado ao presidente da Câmara Municipal do
Rio, Jorge Felippe, no último dia 6 de setembro. O documento, no entanto, só
foi despachado na última segunda-feira. Nele, Carlos não explica o motivo do
pedido.
Para pedir a licença, o
filho do presidente se baseou em um artigo do Regimento Interno da Câmara que
fala sobre afastamento para "tratar de assuntos particulares" em um
período que não pode ultrapassar 120 dias por sessão legislativa.
MAIS UM POLÊMICA
Na última segunda-feira, o
vereador se envolveu em mais uma polêmica. No Twitter, Carlos disse que
"por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na
velocidade que almejamos". A postagem do texto ocorreu após Carlos
comentar sobre os esforços que, segundo ele, o governo do pai faz para acabar
com "absurdos que nos meteram no limbo". De acordo com o vereador, o
governo tenta colocar o Brasil "nos eixos", mas os "avanços são
ignorados, e os malfeitores esquecidos". A declaração gerou reações, como
a dos governadores do Rio, Wilson Witzel, e de São Paulo, João Doria.
Carlos voltou nesta
terça-feira às redes sociais para se defender da polêmica criada por ele. Em
seu novo post no Twitter, o parlamentar, que pediu licença temporária sem
remuneração na Câmara do Rio, diz que foi mal interpretado. Ele argumenta que
sua expressão quis dizer "por vias democráticas as coisas não mudam
rapidamente". E completou afirmando que isso "é um fato. Uma
justificativa aos que cobram mudanças urgentes". Logo em seguida, disse
que os jornalistas espalham que ele defende a ditadura e os chamou de
"canalhas!".
Juliana Dal Piva, Juliana
Castro e Chico Otavio/Revista Época
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