Governo cogita acabar com aumento real no piso salarial de professor.
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Foto: novaescola.org |
BRASÍLA, DF (FOLHAPRESS) –
O governo Jair Bolsonaro quer vincular o reajuste do piso salarial dos
professores da educação básica à inflação, o que elimina o ganho real garantido
pela lei atual. A proposta do governo é alterar a Lei do Piso na regulamentação
do Fundeb.
A lei, de 2008, vincula
reajuste anual à variação do valor por aluno do Fundeb, o que reflete em
aumentos acima da inflação, mas pressiona as contas de estados e municípios. O
governo quer que a atualização seja só pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao
Consumidor).
Caso a regra já valesse, o
reajuste em 2019 seria de 4,6%. O último aumento pela Lei foi de 12,84%, quando
o piso chegou a R$ 2.886,24.
No Dia do Professor (15), o
governo fez propaganda nas redes sociais com este índice como se fosse
realização da gestão, apesar de ser lei. “Maior reajuste salarial para
professores da educação básica desde 2012”, diz mensagem da Secretaria de
Comunicação.
A proposta de Bolsonaro
consta em posicionamento do governo, obtido pela reportagem, sobre o projeto de
regulamentação do Fundeb da Câmara. O fundo direciona à educação básica
recursos de uma cesta de impostos acrescidos de complementação da União.
O governo quer que o
Congresso vote a regulamentação do Fundeb neste mês para ter tempo de
operacionalizar as novas regras. O executivo, entretanto, já trabalha em uma MP
(medida provisória) caso o tema não avance até novembro, o que pode corroborar
seus entendimentos.
“É uma preocupação do FNDE
[Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação]/MEC de forma a viabilizar a
operacionalização da distribuição dos recursos do Fundeb”, diz o Ministério da
Economia.
Principal mecanismo de
financiamento da educação básica, o Fundeb foi ampliado neste ano pelo
Congresso. A complementação da União vai saltar dos atuais 10% para 23% até
2026, de modo escalonado – em 2021, passa a 12,5%.
O governo sugere a inclusão
de artigo no projeto de regulamentação. “Maior complementação da União e a nova
distribuição de recursos elevarão significativamente o valor anual por aluno
mínimo recebido, o que impactará o piso em cerca de 15,4% ao ano nos próximos
seis anos”, diz justificativa.
O mesmo documento prevê que
escolas privadas sem fins lucrativos recebam verbas do Fundeb em toda educação
básica (hoje isso é limitado onde há falta de vagas, como na educação infantil
e no campo). O governo propõe limite de 15% das matrículas para “vencer a
resistência”.
“Como se tratam de etapas
com demanda praticamente 100% atendida, e visando vencer a resistência a essa
ampliação da destinação para a rede privada, sugere-se restringir a autorização
a margens, o que evitaria uma migração das vagas da rede pública para a
privada”, diz a justificativa do governo.
A proposta vai ao encontro
da pressão de entidades religiosas e filantrópicas e conta com apoio de
Bolsonaro e do ministro da Educação, Milton Ribeiro. Também tem forte aderência
entre parlamentares.
Questionado, os ministérios
da Educação e da Casa Civil não responderam.
A pasta da Economia afirmou,
em nota, que o governo “considerou prudente” a proposta em razão da
sustentabilidade fiscal e, diz, recebe constantes pedidos de alterações na Lei
do Piso.
Segundo o ministério, haverá
impacto para todas as redes, “quer elas recebam ou não recursos novos”, já em
2022.
A atualização na lei era
prevista por parlamentares já na tramitação do Fundeb. Mas há discussões para
se chegar a formato que mantenha ganhos reais.
“É um tema importante para
definição do financiamento, tratar isso em um projeto de lei tão complexo como
esse não seria o ideal”, diz a deputada Professora Dorinha (DEM-TO), uma das
autoras do projeto na Câmara que regula o Fundeb.
Para Heleno Araújo, da CNTE
(Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), qualquer reformulação
deve observar o Plano Nacional de Educação. Meta prevê equiparação salarial dos
professores à média de profissionais com a mesma titulação.
“Tem que ter ganho real, se
não nunca chegaremos à equiparação”, diz. “Estamos dispostos a discutir, não
adianta pra nós ter lei sem aplicação”. Em abril de 2019, oito estados não
cumpriam o piso, segundo a CNTE.
Na média, docentes da
educação básica ganhava, em 2012, o equivalente a 65% da média dos demais
profissionais com nível superior. Chegou a 78% em 2019, mas o próprio MEC, que
fez o cálculo, diz que a alta se explica, em grande parte, pelo decréscimo de
13% do rendimento dos demais profissionais.
“Precisamos de um formato
que assegure a continuidade da valorização dos professores de forma
sustentável”, diz Lucas Hoogerbrugge, do Todos Pela Educação.
A lei do piso foi sancionada
pelo governo Lula (PT) em 2008. A própria gestão petista encaminhou, no mesmo
ano, projeto que previa exatamente o que defende Bolsonaro, com atualização
pelo INPC. Um recurso trava o trâmite desde 2011.
A Confederação Nacional dos
Municípios é contra por conta do impacto nos cofres. A entidade calculou custo
de R$ 8,7 bilhões com o último reajuste.
“O piso nacional deve ser
reajustado pela inflação e o ganho real, absolutamente necessário, tem de ser
negociado com prefeitos e governadores, que pagam os salários”, diz a
consultora Mariza Abreu, que colabora com a CNM.
A professora da UnB Catarina
de Almeida Santos, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que baixos
salários causam prejuízos na oferta educacional.
“Os estudos, em todo mundo,
mostram a importância do professor na garantia do ensino e aprendizagem. O
professor precisa ter remuneração condizente para se dedicar à carreira, não
precisar correr para outra escola, ter tempo para formação continuada”.
O Ministério da Economia diz
que o número de municípios com gastos de pessoal acima do permitido pela Lei de
Responsabilidade Fiscal pode dobrar se mantidas as regras, chegando a 1.528
municípios em 2021.
“Os profissionais do
magistério precisam ser valorizados e, além do piso, deve-se promover outros
mecanismos para tanto, como a capacitação desses profissionais, a vinculação de
eventuais reajustes a esta qualificação, a reestruturação de carreiras”.
O pesquisador da FGV João
Marcelo Borges diz que a situação é arriscada, com o Congresso paralisado por
causa das eleições, uma nova configuração de forças do governo sobre o
parlamento e o calendário apertado.
“O mais provável é que o
novo Fundeb seja apenas parcialmente regulamentado, por iniciativa legislativa
ou MP, o que é frustrante”, diz. “Mas há um cenário pior: a regulamentação
atrasar e não ser possível operacionalizar as mudanças em janeiro de 2021,
gerando uma crise de financiamento.”
PAULO SALDAÑA/Via Paraiba Online
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