Vaqueiros da Região Seridó do RN mantêm relação de fé com Sant'Ana por mais de dois séculos; entenda.
Surgimento do município de
Caicó está ligado à lenda de um vaqueiro que fez uma promessa à santa após se
livrar de um touro em uma mata na região.
Conhecida pelo sol forte e
vegetação típica da caatinga, Caicó fica no coração do Seridó potiguar.
Distante cerca de 300km da capital do estado, a cidade tem quase 70 mil
habitantes e muita história pra contar. O surgimento do município está ligado a
lenda de um vaqueiro, uma narrativa presente no imaginário caicoense contada de
geração em geração.
“Existem diversas versões,
mas no geral as histórias narram que onde hoje está localizada a cidade de
Caicó havia uma mata de mofumbo (tipo de planta) e, nessa mata, um vaqueiro
teria se perdido procurando um touro. Nessa mata, um touro possuído por uma
divindade indígena teria corrido atrás do vaqueiro e ameaçado a sua vida",
conta o historiador Helder Macedo.
"Aperreado, o vaqueiro
fez uma promessa a Sant’Ana que, se fosse livrado desse perigo, desse espírito
indígena possuído no touro, ele construiria uma capela em honra a Sant’Ana.
Como que por encanto, como dizem as versões escritas da lenda, o touro
desapareceu”.
O historiador conta que esse
recorte do passado foi uma maneira encontrada pelos mais antigos para registrar
de forma simples como se deu o processo de despovoamento indígena na região e a
introdução da religião cristã no Seridó.
A lenda do vaqueiro ainda
traz uma outra parte importante da história da Caicó: uma promessa ligada ao
poço de Sant'Ana, que fica no leito do rio Seridó. Como precisava de água para
construir a igreja dedicada à padroeira, o vaqueiro teria pedido à santa
protetora dos seridoenses que o poço nunca secasse.
“Essa lenda tem uma
importância vital para a cultura de Caicó, vez que alguns dos alicerces do que
é a história da cidade estão marcados nessa narrativa que se atualiza e se
reatualiza constantemente. Quem era esse vaqueiro? Não se sabe, nós não sabemos
qual a identidade desse vaqueiro”, fala o historiador.
De acordo com os
historiadores, foi no Forte do Cuó onde supostamente o vaqueiro teria erguido a
igreja em agradecimento à Sant'Ana. A construção é do final do século XVII.
Apesar de todo esse tempo, as pedras que ficaram estão no meio do caminho para
contar um pouco da história de Caicó e a relação de fé e devoção dos vaqueiros
com a padroeira.
O Forte do Cuó fica no
bairro Penedo. Para além da história, o local hoje é ponto turístico na cidade.
Isso porque o visual é de encher os olhos. As belezas da vegetação e o pôr do
sol encantador atraem diversas pessoas não só de Caicó, como também de cidades
vizinhas. De lá, dá pra ver boa parte da cidade, respirar ar puro e contemplar
a natureza.
“Através dessa história,
repetida pela tradição, honrando Sant’Ana como a padroeira desse vaqueiro, ela
tornou-se padroeira dos vaqueiros até hoje”, explica Helder Macedo.
O vaqueiro é um personagem
importante e muito tradicional no interior do estado. Com o passar do tempo, a
figura desse trabalhador que lida com os animais vem se modernizando, mas ele
não perde a essência, baseada na força do trabalho e na fé.
“O vaqueiro respeita muito
Sant’Ana por ter atendido a prece de um vaqueiro, então esse é o nosso símbolo,
é o nosso respeito por Sant’Ana e essa grande ligação entre o vaqueiro e a
religião”, conta o empresário Arthur Maynard.
Marcos de Melo é vaqueiro há
mais de 20 anos e começou tomar gosto pelo ofício quando se tornou tratador de
animais. Para ele, estar no campo em contato com os bichos é motivo de muita
alegria e orgulho. Ainda mais depois que a profissão de vaqueiro foi
reconhecida por lei em 15 de outubro de 2013.
“Eu posso estar com a cabeça
como for, mas quando eu chego perto de um que eu começo a escovar, dar banho, montar,
pra mim eu esqueço do mundo, é uma coisa muito importante pra mim e eu não
largo por nada nesse mundo, eu acho bom demais", conta.
"E Sant’Ana abaixo de
Deus é tudo. Sempre que eu me pego com ela, eu realizo os meus sonhos, tudo dá
certo, mesmo quando está parecendo que vai dar errado”, diz o vaqueiro Edjanio
Marcos de Melo.
Por G1 RN
Nenhum comentário