STF decide que nova Lei de Improbidade pode ser aplicada para condenados com direito a recurso.
Ministros também decidiram que
nova lei não pode ser aplicada em casos já encerrados. Mudança estabeleceu
necessidade de que intenção do agente seja comprovado para configurar a
improbidade.
O Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu nesta quinta-feira (18), por 7 votos a 4, que a nova Lei de
Improbidade, com mudanças sancionadas em 2021, pode ser aplicada em processos
em andamento.
Com isso, a nova norma poderá
beneficiar réus que tenham sido condenados por conduta culposa (sem intenção)
em ações em que ainda haja possibilidade de recurso na ação. Os processos
deverão ser analisados caso a caso.
A Corte também decidiu, por 6
votos a 5, que a nova lei não pode ser aplicada em casos já encerrados, ou
seja, sem mais direito a recurso. O plenário definiu ainda que os novos prazos
de prescrição não serão aplicados de forma retroativa.
O STF analisou se a mudança na
lei – que agora exige o dolo (intenção) do agente para configurar a improbidade
– poderia ser aplicada em casos que já tinham sido julgados com base na norma
antiga (veja mais detalhes abaixo).
O julgamento teve início na
quarta (3). Na semana passada, o relator, ministro Alexandre de Moraes, votou
contra aplicar a nova lei a processos encerrados. Também votaram nesse sentido
os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e
Luiz Fux.
Pelo voto de Moraes, a nova lei
também poderá ser aplicada a casos em andamento (entenda abaixo).
Outros seis ministros votaram a
favor de a nova lei poder ser aplicada também para beneficiar os réus com
processos em andamento: Nunes Marques, André Mendonça, Dias Toffoli, Ricardo
Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
O caso analisado foi o de uma
procuradora alvo de ação civil por suposta negligência na função. O processo
tem repercussão geral, ou seja, a decisão servirá de base para um entendimento
mais amplo a ser aplicado a todos os casos semelhantes pelas demais instâncias.
Em relação ao caso da
procuradora, o STF decidiu extinguir o processo, por unanimidade.
Milhares de processos aguardavam
um posicionamento da Corte sobre o tema. São casos envolvendo agentes públicos,
como servidores e políticos, por exemplo. Agora, os réus podem ter a condenação
revertida caso fique comprovado que eles agiram com culpa, e não dolo, com base
na lei antiga em processos que não tenham sido finalizados
Voto do relator
Moraes apresentou voto contra a
possibilidade de aplicar a lei a casos concluídos, sem direito a recurso, o
chamado trânsito em julgado. Segundo o ministro, a improbidade culposa (sem
intenção) vinha sendo aplicada legalmente até a mudança na legislação e nunca
foi declarada inconstitucional pelo Supremo.
Por outro lado, defendeu a
aplicação da nova lei a casos pendentes, uma vez que, “revogada a lei
[anterior], não é possível manter a sua aplicação”. Assim, o juiz que, agora,
for julgar um caso em andamento deverá levar em conta a lei nova.
Segundo Moraes, isso não significa
a extinção de todas as ações envolvendo a culpa do agente, já que há a
possibilidade do dolo eventual. “Devem ser analisados caso a caso”, afirmou.
Moraes votou também por negar a
aplicação dos novos prazos de prescrição a casos antigos. Segundo o ministro,
se o estado atuou de forma regular, o encurtamento do prazo por alteração da
lei não pode prejudicar a atuação do estado. “Se não houver inércia do estado,
não há prescrição”, afirmou.
Veja como votaram os ministros:
André Mendonça
Divergiu em parte do relator e
reconheceu algumas hipóteses possíveis para que a lei possa ser aplicada a
casos que já transitaram em julgado.
Mendonça votou por permitir a
aplicação da nova lei de improbidade aos casos em andamento e aos que vierem a
ser apresentados. Já nos casos finalizados, quando o caso for exclusivamente
culposo, pode haver uma ação com pedido para rescindir a decisão de condenação
– chamada de ação rescisória.
Em relação à prescrição, Mendonça
defendeu a aplicação imediata do prazo previsto na nova lei aos processos em
curso e aos fatos ainda não processados.
Nunes Marques
Para o ministro, a nova lei não
deve retroagir para beneficiar quem já teve a condenação definitiva, mas deve
ser imediatamente aplicada aos casos pendentes.
“Não significará anistia geral
das ações de improbidade, serão atingidas apenas as ações pendentes em 26 de
outubro de 2021, que é a data de entrada em vigor”, afirmou.
Em relação à prescrição, entendeu
que valem os prazos da lei nova, por ser mais benéfica, também apenas para os
casos ainda em andamento. “É uma opção política”, afirmou.
Edson Fachin
O ministro votou contra qualquer
possibilidade de a lei retroagir. “Não se aplica a incidência retroativa da lei
mais benéfica prevista na Constituição à disposições da lei de improbidade”,
afirmou.
“Para além disso, em um regime
democrático, a lei de natureza não estritamente penal, não pode retroagir ante
o risco de se violar o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e direito
adquirido”, disse. “O corpo legislativo só pode fazer lei para o futuro.”
Luís Roberto Barroso
O ministro também votou contra
qualquer possibilidade de a lei retroagir. “A aplicação retroativa de uma lei é
a exceção”, afirmou. “Minha posição é que [em relação à lei de improbidade] não
retroage em nenhuma hipótese”, disse.
Dias Toffoli
Votou a favor de a lei sempre
retroagir para beneficiar. “A regra é de aplicação da norma mais benéfica
sempre ao cidadão, ao particular, sobretudo quando se amplia um direito de um
lado e se reduz o poder punitivo estatal do outro, legitimamente pelo Congresso
Nacional, com autoridade para fazê-lo”, afirmou.
Rosa Weber
Também votou contra aplicar as
novas regras aos atos anteriores à lei, no mesmo sentido em que se posicionaram
Fachin e Barroso. Segundo a ministra, a retroatividade da Constituição “merece
interpretação restritiva”, não alcançando o direito administrativo.
Cármen Lúcia
Votou contra a possibilidade de a
lei retroagir. “Não tem qualquer dúvida em que os casos de improbidade não são
de direito penal, então não retroagirá”, disse.
Ricardo Lewandowski
Entendeu que a nova norma pode
retroagir para beneficiar casos anteriores e, nos processos já encerrados, o
réu poderá pedir a revisão por meio de uma ação.
“Entendo que são atípicos [não
são crime] os atos de improbidade praticados culposamente antes de outubro de
2021, considerada a retroatividade da lei”, afirmou. “É preciso prestigiar o
princípio da retroatividade da lei mais benéfica”, disse.
Gilmar Mendes
Votou a favor de a lei beneficiar
casos anteriores, mesmo sem julgamento final. Para o decano do STF, as sanções
da lei de improbidade não são da esfera cível e têm caráter de sanção. Por
isso, a retroatividade da lei penal mais benéfica também atinge os casos de
improbidade. “Não há dúvida de que alguns princípios são comuns a ilícitos
sancionatórios”, afirmou.
Luiz Fux
Votou contra a hipótese de a nova
lei alcançar casos antigos, mas a favor de retroagir para casos pendentes.
“Estamos diante de uma ação de natureza civil, em que se aplica o Código de
Processo Civil”, afirmou.
O que está em jogo
As alterações na Lei de
Improbidade foram sancionadas em outubro de 2021 pelo presidente Jair
Bolsonaro, após aprovação da Câmara e do Senado, e têm sido criticadas por
restringir hipóteses de improbidade e dificultar sanções.
A lei serve para enquadrar
condutas desonestas que atentem contra princípios da administração pública,
causem prejuízos erário e resultem no enriquecimento ilícito dos agentes
públicos.
A partir das alterações
aprovadas, o texto passou a exigir o dolo do agente, ou seja, a intenção de
cometer irregularidade, para a condenação. Antes, os atos culposos, sem
intenção, também eram punidos.
A lei também alterou prazos de
prescrição, o tempo previsto para que o estado possa processar o agente pelo
ato de improbidade, que diminuiu em alguns casos.
O texto ainda determina que só
será cabível ação por improbidade se houver dano efetivo ao patrimônio público.
Como as mudanças são mais
benéficas, uma ala de juristas defende que elas devem ser aplicadas aos casos
anteriores, seguindo a mesma lógica do direito penal, em que a lei retroage
para beneficiar o réu.
De outro lado, há os que defendem
que a Constituição prevê a aplicação de lei mais benéfica a casos passados
apenas quando se trata de crime, ou seja, na esfera penal, mas não na
improbidade, que é administrativa.
Por Rosanne D'Agostino, g1 — Brasília
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