Baixa cobertura vacinal contra HPV favorece casos de câncer.
Em 2019, 87% de meninas receberam
primeira dose, contra 75,8% em 2022.
Sete em cada dez casos de câncer
de colo de útero são causados por um vírus contra o qual existe vacina
disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde. Esse vírus é o
papilomavírus humano (HPV), que também causa nove em cada dez casos de câncer
de ânus e está relacionado a neoplasias malignas no pênis, vagina, vulva, boca
e garganta.
Mesmo com tantas evidências do
perigo que representa estar desprotegido contra essa infecção sexualmente
transmissível (IST), o Programa Nacional de Imunizações (PNI) constatou queda
na proteção do público-alvo dessa vacina no ano passado.
Segundo dados divulgados pelo
Ministério da Saúde em 21 de fevereiro, 87,08% das meninas brasileiras entre 9
e 14 anos de idade receberam a primeira dose da vacina em 2019, e em 2022, a cobertura
caiu para 75,81%. Entre os meninos, a cobertura vacinal caiu de 61,55%, em
2019, para 52,16%, em 2022.
Procurado nesta segunda-feira (6)
pela Agência Brasil para atualizar os dados, o ministério informou que, entre
as meninas, a cobertura da vacina contra o HPV, em 2022, alcançou 77,37% na
primeira dose, e 58,29%, na segunda dose. Entre os meninos, 56,76% receberam a
primeira dose, e apenas 38,39%, a segunda.
Infectologista da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto I'Dor, José Cerbino Neto explica que
poucos dos mais de 100 tipos de HPV são relacionados ao câncer, e os tipos 16 e
18 são os mais perigosos.
Indicada no Sistema Único de
Saúde (SUS) para adolescentes de 11 a 14 anos e pessoas com situações
específicas da saúde, a vacina contra o HPV protege contra esses dois tipos e
também contra duas cepas responsáveis por verrugas genitais. Além do
público-alvo do PNI, pessoas de até 45 anos podem obter a vacina em clínicas
privadas de imunização, segundo autorização da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa).
"Se entende que a vacinação
nessa população de 11 a 14 anos vai ter um maior impacto, porque essas pessoas
estarão vacinadas desde antes de iniciar sua vida sexual. Mas para qualquer
pessoa não vacinada até 45 anos, há um benefício com a vacinação", destaca
o pesquisador.
"A vacina tem a capacidade
de proteger as pessoas da infecção sexualmente transmissível, e, em última
análise, protegê-las de um câncer que elas poderiam vir a desenvolver".
Pessoas que vivem com HIV/aids, transplantados
de órgãos sólidos, de medula óssea ou pacientes oncológicos na faixa etária de
9 a 45 anos também podem ser vacinados gratuitamente no SUS, em algum centro de
referência de imunobiológicos especiais, com o esquema de três doses.
As estimativas do Ministério da
Saúde dão conta de que cerca de metade de todas as mulheres diagnosticadas com
câncer do colo de útero têm entre 35 e 55 anos de idade e muitas,
provavelmente, foram expostas ao HPV na adolescência ou na faixa dos 20 anos de
idade.
Incidência
Apesar de ser associado a casos
de câncer, a grande maioria dos casos de infecção pelo HPV não evolui dessa
forma. Em grande parte dos casos, o próprio sistema imunológico se encarrega de
combater o vírus antes do surgimento de sintomas.
Segundo o Ministério da Saúde, os
primeiros sintomas podem aparecer de dois a oito meses após a infecção pelo
HPV, mas continuam a existir chances mesmo duas décadas após o contato. As
manifestações sintomáticas são mais comuns em gestantes e em pessoas com imunidade
baixa. O vírus pode causar lesões visíveis e invisíveis a olho nu, e a
manifestação mais frequentes são verrugas na região genital ou anal. Essas
verrugas, em geral, estão associadas aos tipos não cancerígenos de HPV.
Cerbino destaca que a maioria da população
adulta vai ser infectada pelo HPV em algum momento da vida. Como os tipos do
vírus associados ao câncer são os que provocam lesões mais graves, eles são os
mais frequentemente diagnosticados e testados laboratorialmente, o que não
significa que sejam os que mais circulam.
"Eles são os mais
identificados por serem os que causam mais doenças", destaca. "Como
existe mais de um subtipo, há benefícios em tomar a vacina para quem já teve o
HPV, porque você estaria aumentando sua proteção contra uma eventual nova
infecção, embora isso não seja comum".
O Ministério da Saúde e o
Instituto Nacional de Câncer (Inca) citam estudos internacionais que apontam
que chega a 80% o percentual de mulheres sexualmente ativas que terão contato
com um ou mais tipos de HPV em algum momento de suas vidas, e essa porcentagem
pode ser ainda maior em homens. Pesquisadores que se debruçam sobre o tema
estimam que entre 25% e 50% da população feminina e 50% da população masculina
mundial esteja infectada por HPV.
Para o infectologista da Fiocruz,
campanhas antivacina e boatos se somam à dificuldade de mobilizar a faixa
etária alvo da vacinação como alguns dos obstáculos a uma cobertura maior para
a imunização contra o HPV.
"O nosso calendário vacinal
tem vacinas recomendadas para todas as faixas etárias, mas a nossa cultura é
vacinar as crianças. Então, o fato de a vacina ser aplicada dos 11 aos 14 anos
pode ter contribuído para a cobertura ter sido mais baixa", avalia ele,
que destaca que a vacina é segura e eficaz, além de ser aplicada em mais de 100
países.
Vacina nova
O imunizante contra o HPV
disponível no PNI e nas clínicas privadas até este ano é o quadrivalente, que
protege contra quatro tipos do vírus, entre eles o 16 e 18, considerados mais
perigosos. As clínicas privadas devem começar a aplicar nas próximas semanas uma
nova versão da vacina, contra nove cepas, também incluindo o 16 e o 18 e mais
cinco tipos de HPV de alto risco.
Responsável pelo setor de
Imunização Humana do Richet Medicina & Diagnóstico, Patrícia Rosa
Vanderborght explica que essa nova vacina vai aumentar a proteção contra o
câncer de colo de útero e de outros tipos. A pesquisadora também destaca que a
comunicação sobre a prevenção do HPV vem sendo muito restrita aos adolescentes,
por causa das campanhas oficiais de vacinação, e às mulheres, por conta da
prevenção do câncer de colo de útero.
"A incidência é muita alta,
e homens não têm a cultura de ir ao médico e fazer exames como a mulher, que
vai ao ginecologista. A gente observa muita falta de informação entre os
homens, que acham que a vacina só é importante para mulheres", alerta.
"Outra população importante é a população LGBT. A gente tem conversado com
os infectologistas sobre a necessidade de essa população ter ciência da
prevenção e da incidência de câncer".
Patrícia acrescenta que a vacinação
contra o HPV na adolescência tem a vantagem de ser em esquema de apenas duas
doses. Nas clínicas privadas, que vacinam o público adulto, a vacina passa a
precisar de três doses.
Agência Brasil
Nenhum comentário