PALAVRA DO SENHOR – “O Reino de Deus é como se...”
Nos dois últimos domingos do Tempo Comum escutávamos as
controvérsias sobre a interpretação da Lei e o anúncio do Reino de Deus (cf. Mc
2, 23-3, 6. 3, 20-35): Do legalismo à ação do Espirito. Agora escutamos Jesus
falar deste Reino anunciado por Ele em Parábolas (cf Mc 4, 26-34).
Jesus é uma pessoa ligada a terra/vida. Seu ministério e seus
ensinamentos demonstram Sua preocupação com esse lugar teológico: “Deus amou
tanto o mundo que deu o seu Filho (...)” (Jo 3, 16ss).
“O Reino de Deus é como se...” (v. 26). Jesus surpreende ao
falar do Reino por meio de comparações simples e fácil de um bom entendimento:
uma semente, uma atitude, um chão, um tempo. A terra e a semente são organismos
vivos, por isso, não deve preocupar tanto aquele que semeia, pois sabe que ali
tem vida e existe um forte potencial de muitos frutos.
A semente já carrega em si, como organismo vivo, a plenitude
daquilo que produzirá no tempo certo. O homem a semeia e se ausenta, pois a
terra frutificará. A origem e o fim estão na semente. A terra é o útero que
acolhe.
O Reino é a obra de Deus que completa misteriosamente sua
criação, contando com a colaboração do homem, mas não apenas, pois a graça de
Deus atua até mesmo quando o homem dorme. Nós cristãos nos comprometemos a
trabalhar a serviço do Reino, a preparar o campo para que receba a semente. E
Deus fará crescer sem que a gente perceba em lugares e formas que não podemos
imaginar. Por isso, somos guiados pela fé, como diz Paulo na segunda carta aos
Coríntios.
Todos os dias somos provocados pelo mundo em seus muitos
desafios. A parábola de hoje se aplica aos muitos processos de maturação
existencial. Em todos os campos da vida humana há novidades, avanços, desafios
e a idéia de superar todos os limites, em defesa de uma pretensa liberdade,
colocada muitas vezes antes da pessoa, da vida, da dignidade.
Têm-se acelerado os avanços técnicos, os meios de comunicação
social, a mecanização da agricultura, os meios mais eficazes de locomoção, a
medicina, a indústria. A vida está largamente facilitada. Todavia, há o avesso
da moeda: o acúmulo de bens por parte dos ávidos empresários e a exclusão
social; a exploração do trabalho (sendo crescentes os casos de trabalho análogo
à escravidão); comércio facilitado de armas e tráfico de pessoas e de órgãos
humanos; a preferência pela guerra e o ódio ao em vez da paz.
Uma população que já não acredita mais em nada e as tristes
escolhas de representantes/lideres que sem compromisso com a vida e o bem comum
se tornam propagadores de hostilidades com o intuito de desestabilizar a
fraternidade em nome de ideologias (politicas e religiosas) extremas de
ganância e ódio. Além do imenso desafio de dar acesso à habitação, à cultura, à
educação, a muitos que vivem abaixo do limiar da pobreza.
O Papa Bento XVI falava (24/04/2005) nos desertos exteriores
que se multiplicavam no mundo: as guerras, a escolha pela violência e a fome. E
nos desertos interiores que se acentuavam com a perda de sentido: dúvidas sobre
se vale a pena viver, cansaço, havendo cada vez mais pessoas a não saber qual o
seu lugar no mundo.
Nesses contextos é importante dizer também que a semente do
Reino plantada no coração do mundo e do ser humano faz o individuo “saber de
si” em Deus.
Às vezes, o mundo tem suas noites escuras e não apenas três
dias, mas longos processos de espera. Santa Teresa de Calcutá questionou muitas
vezes a Deus no confronto com uma realidade avassaladora de miséria, de
exclusão, de sofrimento “inocente”.
Santa Teresinha do Menino Jesus deparou-se com a doença
“mortal”, reclamando muitas vezes com Deus, assim como fez Jó: que mal tinha
feito para que Deus permitisse tão grande sofrimento? As respostas nem sempre
são claras e vezes trazem muitas novas perguntas. Para Santa Teresinha, a
esperança pode falhar, a fé em Deus também, mas o caminho seguro para Deus
sempre será o amor. Assim ela com a sua “noite da fé”, sujeita as muitas
interrogações, mas não vacilando na hora de amar Jesus em cada pessoa a cuidar.
A bondade de Deus convoca-nos à vida e nos sustenta neste
mundo que Ele nos deu como chão/casa, mas implicando-nos na transformação de
todas as realidades que estejam longe do reino de Deus que não é apenas uma
realidade futura, mas está aqui, na história e no tempo.
Jesus encurtou as distâncias que nos separam de Deus e da
eternidade. Ele mesmo veio viver conosco. Não veio viver por nós, mas viver
como um de nós. Assumindo-nos, para que com Ele possamos aprender, crescer, e O
assumamos na nossa vida, criando as condições para que a semente em nós semeada
possa germinar.
Lembrem-se: “A menor de todas as sementes (...) mas, depois
de semeada, começa a crescer” (Mc 31, 31-32). Trabalhemos para que o Reino de
Deus aconteça. A Oração Coleta de hoje diz: “Deus misericordioso, fortaleza dos
que esperam em Vós, atendei propício as nossas súplicas; e, como sem Vós nada
pode a fraqueza humana, concedei-nos sempre o auxílio da vossa graça, para que
as nossas vontades e ações Vos sejam agradáveis no cumprimento fiel dos vossos
mandamentos”.
Boa semana!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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