PALAVRA DO SENHOR - É bom lembrar que Deus é Deus do resto.
A Liturgia da Palavra neste domingo (Jr 31, 7-9/ Sl 125(126)/
Hb 5, 1-6/ Mc 10, 46-52) nos exorta a viver com esperança. Não precisamos viver
uma vida sem horizontes, estagnados, imobilizados, sem perspectivas e sem
atitudes. É importante ter coragem, levantar-se e seguir em frente.
O profeta Jeremias faz um convite à alegria e ao louvor
“Exultai de alegria por Jacó” (Jr 31,7), pois está é alegria da certeza que o
Senhor vai fazer o povo voltar do exílio. Deus é fiel e não esquece o Seu Amor
pelo Seu Povo: “Pode a mãe esquecer o Seu Filho (...) ainda que ela esquecesse,
eu não esqueceria” (Isaías 49,15).
Mesmo vivendo no exilio, Deus não se esquece do povo e vai
trazê-los de volta pelo deserto. Por
onde eles passaram um dia chorando em direção “às terras do norte” (Jr 31, 8),
a Babilônia: “chorando de tristeza sairão, espalhando suas sementes; cantando
de alegria voltarão carregando os seus feixes” (Sl. 125(126),4).
Procuremos imaginar esta cena do povo sendo levado pelo
deserto para um julgo de escravidão, pesado, por parte de um imperialismo
desumano. Agora, imaginemos também Deus
trazendo de volta, pelo mesmo caminho, que um dia este povo passou chorando.
Agora, voltam sorrindo.
Em Isaías (40,1-5) foi descrito este feito da seguinte
maneira: “Consolai, Consolai, o meu povo, diz o vosso Deus. Falai ao coração de
Jerusalém e dizei em alta voz que seu serviço está cumprido”. Mas, de qual
serviço se está falando? Do Exilio, do trabalho forçado, dos açoites, do
serviço duro que Israel cumpriu. E continua: “Uma voz clama no deserto, abri o
caminho para o Senhor. Na estirpe, aplainai uma vereda ao nosso Deus” (v. 3).
Perceba, Deus está mandando ajeitar o deserto para ele e o
povo voltarem juntos: “Tudo seja nivelado, todos os montes (...), o que é
tortuoso será retificado, e os lugares escabrosos, aplanados. A glória do
Senhor se manifestará e todos verão, pois a boca do Senhor falou” (v.v.
4-5).
Deus pode nos tirar do pó da morte e voltar à vida: “Levanta
da poeira o indigente e do lixo ele retira o pobrezinho, para fazê-los
assentar-se com os nobres do seu povo”. (Sl 11, 7). Há outro salmo que canta
esta ação de Deus: “Libertará do indigente ao qual ninguém quer ajudar. Terá
pena do indigente e do infeliz, e a vida dos humildes salvará. Há de livrá-los
da violência e opressão, pois vale muito a vida deles a Seus olhos!” (Sl
71(70), 12-14). DEUS PODE E VAI JUNTAR O
SEU POVO.
Quem voltou do exilio da Babilônia? O resto de Israel, gente
simples, pequena, cegos, cochos, aleijados, gravidas e parturientes, fraca e
sem força para lutar (Jr 31, 8). Esse é o povo que Deus ama.
É verdade que dentro de nossas comunidades encontramos gente
de boa condição de vida, mas quem é a maioria? São os pobres, aqueles que para
o mundo não contam nada. Estes sempre foram amados por Deus. É a partir desses
“Ninguém” que vai nascer o Messias (cf Lc 2, 10ss/ Jo 1, 46-50/ CIC 525).
Aquilo que o mundo diz “não vale nada”, Deus considera como
precioso. Quanto mais os grandes oprimem, mas Deus ama aquele.
Nesta semana de muito frenesir politico, escutamos de um
grande empresário, homem público e concorrente a governo de uma grande nação
dizer que: “Seu país se tornou uma lata de lixo para o mundo”, chamando os
migrantes que entram ilegalmente em seu país de sujeira, lixo e todo o tipo de
desordem. Em outro momento, disse ele que: “os migrantes tem genes ruim”. São
as falas de um universo fascista que ecoam dentro desse contexto de confusão e
insegurança no mundo atual. E é triste ver “cristãos” se alinhando com esse
tipo de pensamento.
É bom lembrar que Deus é Deus do resto. Convém dizer também
aos cristãos sem Cristo que a Sagrada Escritura é um grande movimento de
peregrinações e migrações (desde Abraão). É preciso ter cuidado, pois nossos
olhos se enchem só com o que é grande, mas Deus se encanta com os pequenos e o
que é grande não conta.
Há muitas histórias bíblicas que nos ensinam que Deus
rejeitou os grandes, orgulhosos e escolheu os pequenos (Davi é escolhido entre
os distintos. E, ainda, derrotou Golias). Deus rejeitou as grandes e poderosas
nações e escolheu o resto de Israel (imagem dos povos pequenos e pobres).
Escolheu Maria e José. E ainda nos escolheu na cruz.
Como é difícil nos acostumarmos com essa lógica. Por isso,
muitos se enganam facilmente com qualquer pregador que usa a bíblia debaixo do
braço, que usa uma vestimenta religiosa, que demonstra uma piedade oferecendo
vitorias em Cristo sobrecarregadas de grandezas.
É um tipo de deserto, de um caminho tortuoso, que
consideramos lixo. Até mesmo o diabo, que não tem mais o que fazer, procura
enganar os cristãos com coisas que não pertencem à lógica do Reino de Deus (cf
Mt 4, 1-11. Mc 1, 12-13. Lc 4, 1-13).
As lágrimas de um povo sofrido que um dia se enganou pela sua
soberba, buscando se alinhar com os grandes, os poderosos, com as nações
poderosas e opressoras (pecado) serão enxutas. E este mesmo povo, voltará
arrependido, mas felizes e exultantes. Mesmo na pobreza e na simplicidade o
Senhor os receberá em preces. Sendo eles desprovidos de seu orgulho, Deus os
conduzirá por um caminho reto. Deus é Pai deste povo.
O Evangelho de hoje, testemunha que a ação de Jesus é
condizente com a ação do Pai. Jesus é o Filho de Deus que veio trazer vida e
libertação. Veio também dizer que a Aliança de Amor continua viva e eficaz. E
que Deus continua a amar e libertar o seu povo, o resto ao qual ninguém quer
ajudar.
Todo encontro com Jesus é uma oportunidade de abraçar a
existência e abrir-se a novos horizontes. Temos consciência disso?
Aprendamos a olhar para o mundo, não só com o bolso, mas com
o coração de Jesus. O mundo ainda continua considerando a muitos como resto. Um
resto que não escolhemos como nossos, como irmãos, como amigos, mas movidos por
muita arrogância, temos a mania de excluir, abandonar, deixar-se desfigurar
(até o mais degradante desumanizar), sufocar até fazê-lo calar, desistir de
tudo, de todos os seus sonhos.
Recorde: “Levante, coragem, Jesus te chama. O cego jogou o
manto, deu um pulo e foi até Jesus” (Lc 10, 49b).
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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