Vacinação melhora, mas ainda enfrenta desafios no Brasil
Curvas de imunização indicam queda das taxas de cobertura
desde 2015
Apesar das coberturas vacinais no Brasil estarem em rota de
recuperação, as diferenças entre estados e municípios e os esquemas incompletos
ainda são desafios que ameaçam a saúde pública brasileira. Essas são as
principais conclusões do Anuário VacinaBR, produzido pelo Instituto Questão de
Ciência (IQC), em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim) o
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
A publicação mostra que, em 2023, nenhuma vacina infantil do
calendário nacional atingiu a meta de cobertura em todos os estados. O destaque
negativo ficou com os imunizantes que protegem contra a poliomielite,
meningococo C, varicela e Haemophilus influenzae tipo B – nesses casos, nenhum
estado vacinou 95% do público-alvo, porcentagem necessária para evitar a
transmissão dessas doenças.
Além disso, apenas 1.784 municípios, ou menos de 32% dos mais
de 5.570 existentes no Brasil, conseguiram cumprir a meta de cobertura para
quatro vacinas considerados prioritárias: pentavalente, poliomioliete,
pneumo-10 e tríplice viral. O melhor desempenho foi o do Ceará, onde 59% das
cidades imunizaram o público-alvo. No Acre, porém, apenas 5% dos municípios
alcançaram a marca.
"Saúde é competência concorrente da União, dos estados e
dos municípios. O problema da imunização não pode ser atacado de maneira
uniforme, porque a gente vive em um país de dimensões continentais que tem
desafios muito específicos. E a gente viu, no Anuário, que às vezes tem
municípios adjacentes, com condições muito parecidas, mas com taxas de
imunização muito diferentes", alerta o diretor executivo do IQC e
organizador do Anuário VacinaBR, Paulo Almeida.
Mesmo a vacina BCG, que protege contra formas graves de
tuberculose e deve ser tomada logo após o nascimento – por isso, muitas vezes,
é aplicada ainda na maternidade – só alcançou a meta de cobertura em oito
unidades federativas. Em 11 estados, a taxa de imunização ficou abaixo de 80%,
alcançando menos de 58% dos bebês no Espírito Santo. Dentro de todos os
estados, há cidades que vacinaram 100% do público-alvo e outras que não
imunizaram nem a metade.
A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações, Isabela
Balallai, também destaca o protagonismo dos gestores municipais para aplicar as
recomendações do Ministério da Saúde e a necessidade de seguir o planejamento
estadual, conforme as realidades locais. Isabela lembra que o maior combustível
para a hesitação vacinal é a baixa percepção de risco, quando as pessoas não
sabem, ou não dão valor para o perigo das doenças preveníveis por vacina.
"O acesso também é um grande problema no Brasil. Temos
38 mil salas de vacinação, país nenhum tem isso. Mas se a pessoa vai ao posto e
recebe uma informação errada, ela não volta. Se só funciona em horário
comercial, e ela trabalha, ela não consegue levar os filhos. Se ela vai num
dia, e a vacina acabou, ela não vai consegui voltar em outro dia. A falta de
informação, somada à baixa percepção de risco é igual à não vacinação",
acrescenta a diretora da Sbim.
Abandono
De maneira geral, as curvas de vacinação no Brasil indicam
diminuição das taxas de cobertura desde 2015, com queda mais brusca em 2021 e
movimento de recuperação em 2022 e 2023. Já as porcentagens de abandono, quando
a pessoa recebe a primeira dose, mas não completa o esquema vacinal, mantêm-se
estáveis desde 2018.
Um exemplo é a vacina tríplice viral. Em 2023, a maior parte
do país vacinou entre 80 e 85% do público-alvo e apenas quatro estados
atingiram a cobertura ideal na primeira dose: Santa Catarina, Mato Grosso do
Sul, Tocantins e Rondônia. O índice de aplicação da segunda dose não chegou a
50% em 14 estados, e a meta não foi atingida em nenhuma unidade
federativa.
A tríplice viral previne contra o sarampo, a caxumba e a
rubéola e deve ser tomada aos 12 e aos 15 meses de idade (sob a forma da vacina
tetraviral, que também protege contra a varicela). Todas essas doenças podem
desenvolver quadros graves e até provocar a morte, especialmente em crianças
pequenas.
Atualmente, há surtos de sarampo em diversos países, e cinco
casos isolados foram registrados no Brasil este ano. "As pessoas precisam saber que quem não
completa o esquema vacinal continua desprotegido contra aquela doença",
adverte Isabela Ballalai.
O diretor executivo do IQC e organizador do Anuário VacinaBR,
Paulo Almeida, afirma que é preciso reconhecer que estratégias que deram certo
no passado não são suficientes para enfrentar os desafios atuais: "A
campanha hoje, por exemplo, não tem o mesmo peso por muitos motivos. Um deles é
que as vozes são muito difusas. Antes, havia canais oficiais de comunicação com
a população. Hoje, com a internet, temos infinitos canais de comunicação;
então, é mais difícil acessar pela via direta da campanha."
Almeida ressalta, porém, que há novas ferramentas
disponíveis. "Lembretes por SMS, por exemplo, conseguem melhorar muito a
taxa de cobertura, porque a pessoa é cutucada para ir lá no posto. Porque ela
sabe que é necessário, ela até quer até fazer, mas eventualmente o ritmo de
vida interfere, e ela não consegue. Ou também a conveniência, que é
superimportante: ter pontos de vacinação abertos em horários em que o cuidador
pode levar a criança pra se imunizar.
Isabela Ballalai também defende o uso constante das escolas
como ponto de vacinação e de educação sobre vacinas.
"A escola é capaz de combater os principais pontos da
hesitação vacinal. Primeiro ponto: acesso. Os responsáveis não têm que levar
ninguém a lugar nenhum, a criança, ou adolescente, já está ali. Segundo:
informação. Explicar para a comunidade escolar porque é importante vacinar e
que está tendo campanha, porque, às vezes, as pessoas não estão nem sabendo.
Terceiro: a escola pode ser o caminho para as autoridades de saúde chegarem e
se comunicarem com as famílias, e saberem qual a situação vacinal delas."
Agência Brasil
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