Os muros que nos assombram. Por Fabiana Agra*
Eu
estava com pouco mais de 19 anos de idade, cabeça sonhadora ainda, quando o
Muro de Berlim caiu – e ver aquelas cenas via satélite me causaram a forte
sensação de estar assistindo a história com H maiúsculo, sensação vivenciada
novamente somente com a queda das torres gêmeas de NY. Mas há uma grande
diferença entre as duas quedas – a do muro, significou liberdade, a chegada de
um novo tempo; enquanto a queda do WTC, passados mais de 14 anos do atentado,
continua significando incerteza, desigualdade, preconceito, violência...
Mas
hoje quero me ater aos muros; foi-se o de Berlim, ficou o das Lamentações - que
continua erguido a lembrar outras velhas e revividas histórias. Sem contar que
ainda temos vários muros a separarem povos mundo afora, como o Muro da
Cisjordânia, que separa Israel da Palestina; os muros de Celta e Melilla, a
separarem o território espanhol do marroquino; o muro EUA-México, que simboliza
a política anti-imigratória estadunidense; ainda temos o Muro de Evros, que
separa o território europeu dos vizinhos turcos; por fim, há o muro que separa
as duas Coréias, país que foi dividido desde 1945 e que desde 1950 estão
guerreando entre si.
Não
é difícil perceber que todos esses muros existentes mundo afora foram erguidos
para separarem povos que, devido a circunstâncias territoriais, históricas,
políticas, ideológicas, são antagônicos. São trincheiras às avessas, que expõem
o lado cruel do ser humano, incapaz que é de coexistir pacificamente com seus
pares. São atestados da incompetência humana em conviver com o diferente, em
aceitar o outro e suas singularidades, em enxergar o semelhante nas suas várias
similaridades e condições de existência.
Mas
o que dizer do “Muro de Brasília”, que foi erguido a mando das autoridades da
capital do nosso país para separar os “coxinhas” dos “mortadelas”, para separar
quem é a favor e quem é contra o impeachment da presidenta Dilma? Sinceramente,
não há como não cair o queixo ao ver aquele tapume de metal, aquele paredão
erguido para dividir grupos que, ao ver dessas autoridades, são tais e quais os
hooligans dos estádios ingleses. Mas pera! É de brasileiros que estamos
falando, gente. É do meu vizinho que é a favor do impeachment e vem na minha
porta discutir o caso comigo que eu estou falando, pessoal. É daquele meu
amigo-coxinha-que-eu-adoro e que evito falar sobre política com ele para não
abalar a nossa amizade, de quem estou falando, pessoas! Como agora querer
dividir o Brasil com esse tapume de metal? E a convivência dos opostos, como
fica? E o debate de ideias? Oras, eu sou contra o impeachment por entender que,
nas atuais circunstâncias, trata-se de um golpe, mas isso é a minha opinião,
não é uma verdade absoluta – meu vizinho, meu amigo, eles tem todo o direito de
pensarem que o ato é constitucional. Então, se não somos capazes de discutir ideias,
como iremos conduzir o destino desse continente complexo que se chama Brasil?
...Aí
foi só falar em “Brasil” que me lembrei dos nossos muros invisíveis, a
separarem séculos afora, o povo brasileiro: lembrei das favelas que vi lá na
cidade maravilhosa, favelas atrepadas nos morros, excluídas da cidadania
vislumbrada através das avenidas asfaltadas; lembrei da cor da pele, que
separa, que exclui, que perpetua o preconceito-nosso-de-cada-dia; lembrei dos
vidros automáticos dos automóveis, que nos separam do cara do semáforo. Lembrei
de tanta coisa ao ver esse muro erguido em Brasília...
Ao
menos para uma coisa esse tapume de metal servirá; ele foi erguido como um
brinde à hipocrisia, àquela afirmação de que o brasileiro é um povo diferente,
ao mito da democracia racial freyriana, de um povo gentil que mora num “país
tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”. Essa droga desse muro, ao
invés de cobrir, veio desnudar a alma do povo brasileiro, veio gritar pro resto
do mundo que sim, o rei está nu e que não há vestes capazes de cobrir a
vergonha de viver para ver esta ignomínia em nossa terra. E isso é bom. É pura
catarse.
Uma
vaia aos nossos vários Brasis agora expostos e um viva para nós todos, povo
brasileiro, pela nossa capacidade de, apesar das dificuldades hercúleas,
conseguirmos sobreviver a tantas intempéries – as reais e as imaginárias – em
meio a essa zorra generalizada e orquestrada pelas nossas elites seculares.
Quanto ao muro, bem, esse é o nosso muro da vergonha, teremos que conviver com
ele, é o nosso 7x1 enquanto nação.
*
Fabiana Agra é advogada e jornalista
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