Pesquisadora remonta história da diáspora judaica para o norte brasileiro.
Livro de Fabiana Agra recupera
formação e aponta reflexos históricos da instalação de cristãos-novos no sertão
do Seridó oriental da Paraíba, durante os séculos XVI e XVII.
A diáspora judaica é um dos
acontecimentos históricos mais longos, complexos e influentes da cultura
ocidental. Com impactos para a religião, a história e a geografia humana de
diferentes nações, trata-se de um tema de estudo contínuo, sempre aberto a
novas descobertas e interpretações.
Em seu mais recente livro, a
pesquisadora, escritora, jornalista e advogada Fabiana Agra ilumina um capítulo
importante para a formação do Brasil: a ocupação de territórios das capitanias
do Norte por cristãos-novos vindos de Portugal, mais especificamente para a
região do Sertão do Seridó – um enclave interior entre o Rio Grande do Norte e
a Paraíba.
A Diáspora no Sertão do Seridó,
lançado pela Editora ComPactos, é fruto de sete anos de pesquisas. A autora
retraça o caminho desse povo sem pátria desde os primórdios. Apropriando-se de
conhecimento religioso e histórico, ela conduz o leitor pela história judaica
desde a origem de Adão.
“Não fossem os mais de quinhentos
dias de uma quarentena imposta pela necessidade de sobreviver em meio a uma
pandemia, talvez este livro jamais fosse escrito”, revela Agra. “Assim,
surgiram estas anotações sobre a presença dos cristãos-novos no sertão do
Seridó, fruto de um exercício realizado na solidão noturna das leituras e
elucubrações, sendo apenas o fio de um novelo ainda por ser desenrolado, a
partir de futuras pesquisas cartoriais e genealógicas.”
O livro descreve as primeiras
diásporas, no início da Era Comum (também conhecida como Era Cristã). Também
analisa a formação dos sefarditas – a grande comunidade judaica que viveu na
península ibérica até o século XV, quando a expansão do cristianismo os forçou
a um novo exílio. Até chegar às formações judaicas do Norte brasileiro (apesar
de o Seridó estar na região Nordeste, ela evita o termo por conta do
anacronismo: a atual denominação foi proposta somente no século XX).
“Estas anotações ecoam um passado
cada vez mais distante de nós. São a tentativa de materializar a história e as
lembranças dos antepassados, daqueles primeiros colonizadores que trouxeram
consigo a primeira herança cristã-nova”, revela.
Agra explica que cristãos-novos
eram chamados os judeus que foram obrigados à conversão ao catolicismo na
Península Ibérica entre os séculos XIV e XVI. Já os criptojudeus eram os
cristãos-novos que, apesar do batismo cristão, conservaram secretamente a fé
judaica.
“Muitos dos cristãos-novos
chegados ao Brasil viviam uma fé encoberta, sem acesso aos ensinamentos, tendo
que adaptar seus costumes e rituais judaicos de tal forma que não levantassem
suspeita da sua condição de criptojudeus”, revela a autora. “Com o passar do
tempo, a influência do catolicismo, somada a uma certa dose de ceticismo,
fizeram com que seus descendentes vivenciassem uma religiosidade que, além de
permanecer escondida, foi enriquecida por mitos e superstições presentes na
sociedade colonial, fazendo com que praticassem um criptojudaísmo único, genuinamente
brasileiro.”
O Sertão do Seridó
Há indícios de presença judaica
desde a comitiva de Pedro Álvares Cabral, que procedeu ao “descobrimento” do
Brasil. “Os cristãos-novos que aportaram na capitania de Pernambuco, em meados
do Quinhentos, eram os descendentes dos judeus que foram expulsos de Portugal
ou convertidos na marra, no final do século anterior. A maior parte era
comerciante, mas também havia proprietários de engenhos”, aponta a autora.
A breve ocupação neerlandesa em
Pernambuco, a partir de 1630, deu outro respiro de à fé judaica. Os flamengos
desenvolveram um estado liberal, com relativa liberdade de crença, até a
retomada do território pela coroa portuguesa. Após, judeus passam a buscar a
colonização dos territórios internos (“sertões”). “A Parahyba viu crescer seu
contingente de cristãos-novos após a expulsão dos batavos, quando os judeus e
cristãos-novos que não quiseram deixar o Brasil embrenharam-se pelos sertões
das capitanias do Norte.”
Até a segunda década do
Setecentos, os cristãos-novos da Parahyba praticavam o criptojudaísmo de forma
silenciosa, dentro de seus lares, comunicando de geração a geração, suas
tradições. Ainda que sem rabinos, sem livros e sem escolas, eles conseguiram
manter viva a chama judaica na região. A partir de 1729, a Inquisição voltou à
região e muitos foram os perseguidos, presos e condenados, mas alguns
conseguiram
fugir para outros lugares,
conservando e repassando os preceitos da fé judaica para seus descendentes.
“De todas as contribuições vindas
de uma sociedade multiétnica, a presença cristã-nova deixou sua marca na mesa
seridoense, talvez pelo modo peculiar de preparar as comidas”, diz a
pesquisadora. No livro, são destacadas várias outras influências judaicas na
região, como costumes religiosos, relações sociais e marcas linguísticas.
Agra aponta a importância do
resgate da cultura cristã-nova e judaica para a compreensão da formação da
região, e do Brasil como um todo: “Não é tarefa fácil identificar quem sempre
fez questão de ser esquecido; quem viveu na dualidade de abandonar as raízes do
que já foi, para deixar florescer e frutificar um futuro possível. Eles teriam
permanecido assim, no esquecimento, se o século XX não tivesse visto florescer
um ressurgimento étnico-religioso judaico.”.
Cleusa Slaviero
Editora ComPactos
O lançamento será virtual, no dia
19 de dezembro, às 16 horas, pelo canal do YouTube HGGPOline, com a mediação de
Flauber Barros Leira:
www.youtube.com/c/HGGPonline
No primeiro semestre de 2022,
será lançado em São Paulo, com local ainda por ser definido. O preço de capa é
de R$ 70,00.
Por Fabiana Agra
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