"Mundo está ávido para fazer negociação com o Brasil", afirma Lula. Presidente assinou MP para amparar empresas prejudicadas por tarifaço.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, nesta
quarta-feira (13), a medida provisória (MP) que cria o Plano Brasil Soberano,
que prevê um conjunto de medidas para amparar empresas que tiveram prejuízo com
as recentes medidas anunciadas pelos Estados Unidos, de taxar em 50% as
exportações brasileiras. Entre elas, está uma linha de crédito no valor de R$
30 bilhões para exportadores, mudança nas regras do seguro de crédito à
exportação e em fundos garantidores, prorrogação de suspensão de tributos e compras
governamentais.
“A gente não pode ficar apavorado e nervoso e muito excitado
quando tem uma crise. A crise ela existe para a gente criar novas coisas”,
disse Lula em cerimônia no Palácio do Planalto. Por se tratar de medida
provisória, o texto entra em vigor imediatamente e precisa ser votado em 120
dias pelo Congresso Nacional, para não perder a validade.
Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), participaram do evento, e Lula pediu que
as medidas sejam votadas rapidamente para que “o prejudicado seja beneficiado”.
O texto da MP deve ser publicado ainda hoje, em edição extra do Diário Oficial
da União.
O tarifaço afeta 35,9% das mercadorias enviadas ao mercado
norte-americano, o que representa 4% das exportações brasileiras.
Durante seu discurso, o presidente afirmou que não vai
aplicar a reciprocidade, neste momento, e que a política de comércio exterior
do governo é de abertura de novos mercados para os produtos brasileiros. As
exportações para os Estados Unidos, por exemplo, já representaram 25% do que o
país envia para fora e, hoje, esse percentual é de 12%.
“Nós somos negociadores. Nós não queremos, no primeiro
momento, fazer nada que justifique piorar a nossa relação. Neste momento, nós
estamos tentando aproximar a relação, procurando nossos parceiros”, disse Lula.
Ele contou que está articulando um diálogo no âmbito do Brics para melhorar as
relações entre todos os países que foram afetados pelo tarifaço.
Especialistas consultados pela Agência Brasil avaliam que a
medida dos Estados Unidos também é uma chantagem política com objetivo de
atingir o Brics, grupo de potências emergentes que tem sido encarado por
Washington como uma ameaça à hegemonia estadunidense no mundo, em especial,
devido à proposta de substituir o dólar nas trocas comerciais.
“É importante lembrar que esse cara do Brics que assusta eles
é simplesmente um país [com] que o Brasil tem uma balança comercial de US$ 160
bilhões. O dobro da que nós temos com os Estados Unidos. E nós queremos crescer
mais. Nós queremos vender mais e queremos comprar mais”, disse Lula em
referência à China, maior parceiro comercial do Brasil.
O presidente lembrou que seu governo já abriu 400 novos
mercados e informou que, em janeiro do ano que vem, Brasil e Índia farão um
grande evento para aproximar os empresários dos dois países.
“Eu quero levar, pelo menos, uns 500 empresários brasileiros
para a Índia, porque é um país muito grande e muito importante para a indústria
brasileira, sobretudo na questão de fármacos, de inteligência artificial e a
questão espacial e de defesa. Nós temos muito que aprender com a Índia. Então,
ao invés de ficar chorando aquilo que nós perdemos, vamos ficar procurando
ganhar outro lugar. O mundo é grande, o mundo está ávido para fazer negociação
com o Brasil”, destacou.
"Todo mundo sabe que nós somos do bem. Todo mundo sabe
que a gente não quer brigar com ninguém, que a gente faz concessões, sabe? Mas
a gente não merecia isso", completou.
Brasil Soberano
O tarifaço imposto ao Brasil faz parte da nova política da
Casa Branca, inaugurada pelo presidente Donald Trump, de elevar as tarifas
contra parceiros comerciais na tentativa de reverter a relativa perda de
competitividade da economia dos Estados Unidos para a China nas últimas
décadas. No dia 2 de abril, Trump impôs barreiras alfandegárias a países de
acordo com o tamanho do déficit que os Estados Unidos têm com cada nação. Como
os EUA têm superávit com o Brasil, na ocasião, foi imposta a taxa mais baixa, de
10%.
Porém, em 6 de agosto, Trump elevou a tarifa para 50% contra
o Brasil em retaliação a decisões que, segundo ele, prejudicariam as big techs
estadunidenses e em resposta ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro,
acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado após perder as eleições de
2022.
Lula voltou a defender a soberania do Brasil sobre os temas
internos e as decisões da Justiça. “O que nós estamos fazendo é aquilo que é
feito apenas em país democrático, julgando alguém com base em provas coletadas,
em testemunhas e com total direito de presunção de inocência”, disse,
criticando o histórico de ingerência dos Estados Unidos.
“O que está sendo jogado fora é uma relação de 201 anos de
história [entre Brasil e Estados Unidos]. Veja que nós relevamos até o golpe de
64. Nós nem lembramos o que foi o papel da embaixada americana aqui no Brasil,
não lembramos o que foi o papel de navio de guerra dos Estados Unidos nos
nossos mares. Tudo isso a gente não esqueceu, mas daí a gente não coloca mais
em conta. Porque nós somos da paz”, afirmou o presidente brasileiro.
Além do socorro aos exportadores, o governo trabalha para
ampliar os setores fora do tarifaço de Trump. Cerca de 700 produtos do Brasil
não foram afetados e continuam a pagar 10% de tarifa. Entre eles estão suco e
polpa de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes e aeronaves civis,
incluindo seus motores, peças e componentes.
Medidas econômicas
A linha de crédito de R$ 30 bilhões será financiada com
recursos do superávit financeiro do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), que
serão usados como funding para permitir taxas acessíveis. De natureza contábil
e vinculado ao Ministério da Fazenda, o FGE dá cobertura às garantias prestadas
pela União nas operações de seguro de crédito à exportação. Há prioridade para
produtores que não têm alternativas à exportação aos Estados Unidos, de acordo
com a dependência do faturamento, tipo de produto e porte de empresa.
As pequenas e médias empresas também poderão recorrer a
fundos garantidores para receber o crédito e o acesso às linhas estará
condicionado à manutenção do número de empregos. Serão feitos aportes
adicionais de R$ 1,5 bilhão no Fundo Garantidor do Comércio Exterior (FGCE), de
R$ 2 bilhões no Fundo Garantidor para Investimentos (FGI), do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e R$ 1 bilhão no Fundo de Garantia
de Operações (FGO), do Banco do Brasil, voltados prioritariamente ao acesso de
pequenos e médios exportadores.
O Plano Brasil Soberano cria a Câmara Nacional de
Acompanhamento do Emprego para monitorar o nível de emprego nas empresas e suas
cadeias produtivas, fiscalizar obrigações, benefícios e acordos trabalhistas, e
propor ações voltadas à preservação e manutenção dos postos de trabalho.
As empresas afetadas também poderão recorrer ao Regime
Especial de Reintegração de Valores Tributários (Reintegra), que devolve um
percentual das receitas das empresas com vendas externas, por meio de
compensação com tributos federais ou de ressarcimento direto. Atualmente,
empresas de grande e médio porte de produtos industrializados têm alíquota
fixada em 0,1%; enquanto micro e pequenas, por meio do programa Acredita
Exportação, recebem de volta 3% de alíquota.
Com o Plano Brasil Soberano, grandes e médias empresas passam
a contar com até 3,1% de alíquota, e as micro e pequenas, com até 6%. As novas
condições do Reintegra valerão até dezembro de 2026 e terão impacto de até R$ 5
bilhões.
O governo também está prorrogando o drawback por um ano, que
é a comprovação da exportação de produtos fabricados a partir de insumos
importados ou adquiridos no Brasil com suspensão tributária. Nesse período,
esses produtos poderão ser exportados para os EUA ou para outros destinos. Com
isso, as empresas não terão que pagar multa e juros se não conseguirem exportar
aos EUA no prazo originalmente previsto.
A medida vale para as empresas que contrataram exportações
para os Estados Unidos que seriam realizadas até o final deste ano. Dos US$ 40
bilhões exportados em 2024 para os Estados Unidos, US$ 10,5 bilhões foram
realizados via regime de drawback. De acordo com o governo, a prorrogação não
tem impacto fiscal, pois apenas posterga o prazo para cumprimento dos
compromissos de exportação assumidos pelas empresas brasileiras.
A Receita Federal também está autorizada a adiar, pelos
próximos dois meses, a cobrança de impostos para as empresas mais afetadas pelo
tarifaço. Ainda serão implementados instrumentos de modernização do sistema de
exportação, que protegem o exportador contra riscos como inadimplência ou
cancelamento de contratos.
O plano de contingência inclui, ainda, as compras
governamentais. Nessa modalidade, a União, estados e municípios podem adquirir
produtos que seriam exportados, em especial alimentos perecíveis, para
aproveitá-los em políticas públicas, como a merenda escolar.
Agência Brasil
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